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Lições virais: o que um va­rus pouco conhecido poderia nos ensinar sobre COVID-19
O epidemiologista de Stanford Stephen Luby discute os resultados surpreendentes de um estudo recente sobre o va­rus Nipah, uma doença sem vacina e uma taxa de mortalidade de até70 por cento.
Por Rob Jordan - 12/11/2020

Um va­rus pouco conhecido pode ter muito a nos ensinar sobre como lidar com o COVID-19. Descoberto há20 anos, o va­rus Nipah pode se espalhar de morcegos ou porcos para humanos. Encontrado apenas no sul e sudeste da asia atéagora, mata quase três quartos das pessoas que infecta. Nãohávacina nem cura para ele, e ele tem muitas cepas capazes de se espalhar de pessoa para pessoa, aumentando as chances de uma cepa emergir com a capacidade de se espalhar rapidamente para além da regia£o.


Os morcegos Pteropus medius podem ser portadores do va­rus Nipah.
(Crédito da imagem: Jakub HaÅ‚un / Wikimedia Commons)

Stephen Luby , professor de doenças infecciosas da Universidade de Stanford, fez uma extensa pesquisa sobre o Nipah e os morcegos que o espalharam em Bangladesh por meio da contaminação de seiva de tamareira, uma bebida popular nopaís. Ele foi co-autor de um estudo recente , publicado em Proceedings of the National Academy of Sciences , examinando o papel dos morcegos Pteropus medius e fatores ambientais causados ​​pelo homem na propagação de Nipah. Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doena§as Infecciosas, editou o estudo. Abaixo, Luby discute como as descobertas do artigo se relacionam com o SARS-CoV-2, o va­rus que causa o COVID-19, e outros va­rus que se movem de animais para humanos.
 

O que vocêaprendeu sobre como o va­rus Nipah se comporta nesses morcegos?

O estudo descobriu que háciclos de transmissão de vários anos na população de morcegos que provavelmente contribuem para a disseminação do va­rus Nipah e risco humano. Ha¡ muitos anos sabemos que em Bangladesh háuma clara sazonalidade das infecções humanas por Nipah. Eles ocorrem durante o inverno. Tambanãm observamos que hálguns anos em que vemos muitos transbordamentos da população de morcegos para os humanos e em outros anos em que vemos muito poucos. Nãotemos um bom entendimento do que causa essa variação de ano para ano. A nova descoberta de que a transmissão em morcegos segue um ciclo que dura vários anos sugere que as variações na eliminação do va­rus pelos morcegos são provavelmente uma das razões pelas quais vemos essa variação marcante de ano para ano.

Além disso, os dados são mais consistentes com a ideia de que a infecção pelo va­rus Nipah em morcegos pode recrudescer. Isso significa que, se um morcego for infectado, sua resposta imunola³gica pode controlar a infecção para que o morcego não se espalhe, mas anos depois a imunidade diminui e o va­rus pode emergir novamente e ser eliminado. Isso éinteressante do ponto de vista dos modelos de transmissão de animais selvagens porque significa que vocênão precisa que animais infectados entrem na população para reintroduzir o va­rus.
 

O que a pesquisa mostra em termos de contato humano com espanãcies portadoras de va­rus?

Mostra como asmudanças humanas no meio ambiente, como a extração de madeira em florestas nacionais, aumentaram a interação entre humanos e morcegos. Os dados de telemetria mostraram que os morcegos Pteropus medius parecem preferir paisagens dominadas pelo homem, presumivelmente por causa da disponibilidade de fontes de alimento, como as tamareiras. Isso sugere a co-localização de morcegos e pessoas e, assim, ilustra o risco conta­nuo de transbordamento ocasional.
 

Como as estratanãgias de preservação de morcegos e proteção de humanos descritas no novo estudo são relevantes para outras espanãcies e / ou va­rus, como o SARS-CoV-2?

A invasão humana em ecossistemas naturais gera maior exposição humana a novos agentes. Portanto, o risco de transbordamentos e atéde pandemias éum tema recorrente na epidemiologia de infecções emergentes. Se pudermos preservar os habitats naturais e as fontes naturais de alimento, os morcegos e outros animais selvagens muitas vezes preferem deixar os assentamentos humanos em paz. Amedida que destrua­mos esses habitats naturais, aumentamos o risco de contato. Aumentar o contato aumenta o risco de transbordamento.
 

Que lição importante podemos aprender com Nipah que pode nos ajudar a lidar com o COVID-19?

Com muita frequência, parece-me que as pessoas pensam nesses va­rus transmitidos por morcegos como doenças exa³ticas que estãodistantes. A pandemia COVID-19 ilustra, no entanto, que a disseminação local de novos va­rus pode afetar o mundo inteiro. Uma lição que devemos tirar do SARS-CoV-2 éa importa¢ncia do envolvimento conta­nuo com parceiros globais na identificação e redução do risco de transbordamento. Imagine, por exemplo, após duas pandemias globais de coronava­rus - SARS em 2002 e MERS em 2012 - que a China fechou todos os mercados de animais vivos. O ano passado pode ter sido bem diferente. Toda a comunidade global, incluindo contribuintes depaíses de alta renda, tem interesse em investir em vigila¢ncia e esforços para reduzir o risco de transbordamentos.
 

Existe alguma forma eficaz de reduzir a probabilidade de o va­rus Nipah se espalhar dos morcegos para as pessoas?

O estudo sugere priorizar abordagens que evitem o contato do morcego com a seiva da tamareira, a via esmagadora de transmissão do va­rus Nipah dos morcegos para as pessoas. Conduzimos pesquisas nas quais incentivamos os coletores de seiva de tamareira a usarem saias de bambu para impedir o acesso dos morcegos a  seiva de tamareira que pretendem vender fresca. Isso permite que as pessoas continuem a desfrutar da seiva da tamareira, enquanto elimina o risco de transmissão Nipah. Nossa pesquisa demonstra que as saias são eficazes na prevenção do contato do morcego com a seiva e que muitas pessoas preferem beber seiva coletada com segurança.
 

E sobre a ideia neste artigo de vigila¢ncia para [va­rus Nipah] e anticorpos em morcegos e pessoas onde eles estãoem contato pra³ximo para ajudar a determinar o risco de transbordamento e nos ajudar a direcionar melhor as intervenções?

Esta éuma ideia importante. Alguns va­rus como o va­rus Nipah são generalistas - eles podem afetar uma grande variedade de espanãcies. Sabemos que o va­rus Nipah pode se espalhar para porcos, cavalos e provavelmente para outros animais. Os coronava­rus são outra familia de va­rus que apresentam nota¡vel capacidade de infectar uma ampla gama de espanãcies. Tambanãm sabemos que o Nipah éapenas um dos muitos milhares de va­rus que esses morcegos carregam. Compreender melhor a circulação viral em morcegos e, ao mesmo tempo, procurar transbordamento em populações humanas pode melhorar nossa compreensão das condições que predispaµem esses eventos raros.

 

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