Tecnologia Científica

A vida como nosnão a conhecemos: astrobiologia e a missão Marte 2020
Uma representaa§a£o arta­stica de como a cratera de Jezero poderia ter parecido um lago quando águala­quida ainda existia em Marte.
Por Lori Dajose - 17/02/2021


Crédito: NASA / JPL-Caltech

A vida como a conhecemos nunca foi encontrada em nenhum lugar de nosso sistema solar ou universo, exceto na Terra. Mas isso não significa necessariamente que não esteja la¡ fora.

A missão Mars 2020 éa primeira missão da NASA com um componente de astrobiologia expla­cito. Planejado para ser executado em várias partes ao longo de décadas, o Mars 2020 e as missaµes relacionadas visam ser os primeiros a devolver amostras de outro planeta com o objetivo de examina¡-las em busca de sinais de vida.

Mas o que os cientistas esperam encontrar? Como eles sabera£o se ou quando o encontraram? O que significa para a vida na Terra se algo for encontrado, e o que significa se não for?

Para obter informações sobre essas questões, conversamos com Woody Fischer , professor de geobiologia e diretor associado do Caltech Center for Autonomous Systems and Technologies. Fischer estuda rochas antigas na Terra em busca de sinais de vida antiga.

Quais são as principais diferenças entre Marte e a Terra, em termos de potencialmente hospedar vida?

Ha¡ muitas coisas que tornam Marte diferente, mas uma grande delas éque ele não étectonicamente ativo. De certa forma, Marte pode ser ainda mais adequado do que a Terra para preservar as assinaturas dos primeiros anos de vida. A Terra étectonicamente ativa, então qualquer rocha do ini­cio da história do planeta, digamos de três a quatro bilhaµes de anos atrás, agora foi enterrada em altas temperaturas e pressaµes, e essas condições podem apagar quaisquer pistas sobre a vida que ela possa ter contido. AsuperfÍcie marciana, por outro lado, écomparativamente inalterada por processos desuperfÍcie como a tecta´nica ou a erosão do poder da a¡gua. Se Marte hospedou vida de três a quatro bilhaµes de anos atrás, poderia ser uma evidência da vida mais antiga do sistema solar.

Sabemos que Marte costumava ser muito mais aºmido e achamos que a águaéum componente bastante crítico para a vida se desenvolver e prosperar. Na verdade, o local de pouso da cratera de Jezero para Marte 2020 foi escolhido porque já teve um lago do tamanho do Lago Tahoe. A águaatua sobre as rochas, transforma-as, altera-as após a sua deposição. Mas agora Marte estãoseco. E a falta de águasignifica que menos alterações ocorreram. Marte poderia nos dar uma chance melhor do que a Terra para responder a perguntas sobre como era o sistema solar três ou quatro bilhaµes de anos atrás.

Supondo que o complexo processo de devolução de amostras traga pedaço s dasuperfÍcie marciana de volta a  Terra, o que vocêprocuraria nessas amostras?

Claro, encontrar um fa³ssil esquelanãtico como os vistos em museus de história natural na Terra seria uma mudança de paradigma completamente. Mas prevemos que, se houvesse vida em Marte, ela seria microbiana, e os micróbios não costumam deixar fa³sseis esquelanãticos; registros raros de micróbios no registro de rochas da Terra são filamentos e coca³ides que foram sepultados por minerais.

Conhecemos alguns fatores que tendem a ser bons registradores da atividade biológica: basicamente em qualquer lugar que novos minerais como sais de carbonato estejam se formando. Esses minerais podem moldar e encapsular pedaço s de seu ambiente a  medida que se formam e preservam informações de fa³sseis microbianos na Terra. Acredita-se que os sais de carbonato estejam na cratera de Jezero, então estamos intensamente interessados ​​em coletar quaisquer amostras de carbonatos que encontrarmos para ver se preservam evidaªncias texturais de vida. Tambanãm procurara­amos compostos biomarcadores orga¢nicos, que são conjuntos de moléculas cuja produção éaltamente desfavora¡vel sem a ajuda da biologia; moléculas como o colesterol em nossas próprias células são exemplos disso.

Ha¡ uma tonelada de bioassinaturas propostas. Muitos não são exclusivos da vida, ou diagnósticos da vida, mas certamente o sugerem, porque não podemos pensar em outra maneira de serem feitos sem uma canãlula.

Quais são alguns exemplos disso?

Veja o caso dos estromata³litos: esses tecidos rochosos protuberantes que tem uma camada semelhante a um biscoito em flocos. Na Terra, pensamos que eles são o resíduo fa³ssil de redes pegajosas de bactanãrias chamadas esteiras microbianas. As esteiras microbianas eram comunidades biológicas incrivelmente importantes, mesmo antes de os animais evolua­rem em nosso planeta. Durante a maior parte da história da vida, o registro são estromata³litos. Mas existem lacunas em nosso conhecimento de como eles são feitos - e pode atéhaver classes inteiras de estromata³litos que resultam de processos de crescimento mineral independentes da biologia. E se uma estrutura de estromata³lito fosse encontrada em Marte e não houvesse assinaturas orga¢nicas adicionais nela? Procurar vida em Marte pode nos ajudar a resolver as lacunas em nossa compreensão dos processos que acontecem em nosso pra³prio planeta.

Por outro lado, sabemos de alguns exemplos do registro de rochas na Terra que podem enganar vocaª. Se eu fosse mostrar a vocêuma seção fina de certos tipos de rocha velha sob um microsca³pio, vocêolharia para ela e diria: "Oh, certamente éuma canãlula. Deve ser." E eu diria: "Na£o, na verdade eu sei que isso éde uma rocha metama³rfica. Isso foi criado em condições de temperatura e pressão que a vida não poderia atingir."

Algo que me empolga éque pesquisadores recentemente propuseram que pudanãssemos procurar assinaturas de processos pré-bia³ticos - os processos fa­sicos e químicos que são pré-condições para o surgimento da vida. Esta¡ absolutamente claro a partir de nossos dados atuais que Marte hospedava ambientes habita¡veis, mas se eles foram ou não realmente habitados éa próxima questão. Outra forma de colocar essa questãoanã: havia processos ocorrendo nesses ambientes que talvez fossem os precursores de algo que poderia ter dado origem a  vida? Ha¡ esta oportunidade de dizer, bem, talvez Marte nunca tenha existido, mas talvez tenha comea§ado por esse caminho. Talvez tenha comea§ado aquele tipo de química pré-bia³tica. Talvez haja uma química empolgante que aconteceu ou estãoacontecendo nos ambientes dasuperfÍcie de Marte, mas ela nunca chegou a ganhar vida.

Quais processos são considerados precursores da vida?

Ha¡ um monte de ideias paralelas sobre quais tipos de ambientes e processos foram importantes para a gaªnese da vida. Mas sabemos muito pouco com certeza. E vocênão pode responder a  pergunta hoje em ambientes modernos da Terra porque a vida éonipresente e pode superar qualquer um desses processos pré-bia³ticos. Mas talvez vocêpudesse ver evidaªncias desses processos em um antigo ambiente de Marte. Imagine se acabarmos em Jezero, em Marte, e observarmos que háum monte de matéria orga¢nica e podemos caracterizar parte dessa matéria orga¢nica. E talvez parea§a algumas das coisas que são feitas em condições de laboratório sob uma determinada configuração experimental, um sistema hidrotanãrmico, ou um ambiente de fonte termal, ou um lago alcalino.

Existe esta oportunidade real para descobrirmos algo incra­vel de Marte, mas também de descobrir algo em Marte que consideramos natural na Terra. Talvez existam maneiras abia³ticas de gerar alguns dos materiais e texturas que presumimos serem produzidos pela vida na Terra.

Como a comunidade cienta­fica chegaria a um consenso para declarar: "isso éum sinal de vida passada"? Existe uma definição oficial de "vida"?

Imagine que encontramos um estromata³lito. Havera¡ pessoas na equipe e fora dela que estara£o prontas para declarar vita³ria. "a‰ isso, encontramos vida." Havera¡ também um grupo de pessoas que dira¡: "Bem, espere um segundo. Como sabemos que temos tanta certeza?"

Isso vai acontecer, eu acho, conforme descobrimos esses materiais. Esse tipo de dia¡logo serámuito importante durante esse processo.

A ciência étão sutil. a‰ sempre uma discussão assim. Com cada nova observação e descoberta, vem a capacidade de fazer uma pergunta mais detalhada e precisa. Atualmente, quando falamos sobre detecção de vida, sempre hádvertaªncias e se-então e esse tipo de coisa. Nem sempre traduzimos isso incrivelmente bem para o paºblico. Mas acho que seria um grande nega³cio poder dizer: "Olha, estamos vendo materiais aqui que associamos a  vida e vamos ter o nosso trabalho redobrado para testar isso de uma forma rigorosa, mas isso estãomais perto do que nunca de entender se a vida estãoou não presente em um planeta diferente do nosso. "

Como a presença de vida em Marte mudaria a forma como vemos a vida na Terra?

Imagine que vocêpode encontrar sinais de vida antiga em Marte. A próxima coisa que vocêquer ver ése existe vida que persiste no planeta atéos dias atuais. Imagine que encontramos isso também. A próxima coisa que vocêquer saber anã: isso estãorelacionado a  vida na Terra? Atéque ponto isso nos lembra de nosmesmos ou não? a‰ um experimento completamente diferente? Se ela evoluiu ou não de forma independente em Marte, ao invanãs de ser parte da panspermia - a ideia de que a vida foi de alguma forma espalhada por todo o sistema solar em meteoritos ou algo assim - érealmente interessante.

Gostara­amos de saber quais são as semelhanças entre a vida em Marte e na Terra. Como a vida em Marte se reproduz? Quais são as regras para estar vivo?

Imagine que vocêencontrou algo como uma canãlula. Isso pode dizer a vocêque a vida deve ser encerrada em uma membrana. Como essas células coletam energia? Para as células da Terra, apenas três ou mais sabores de energia - aqueles em ligações de fosfoanidrido como em ATP [a molanãcula que fornece energia para impulsionar processos em seres vivos], reações redox e gradientes químicos de membrana - já foram usados, embora talvez haja estavam mais no passado que não conhecemos. Isso também se aplica a Marte? A vida la¡ descobriu maneiras de acessar outras fontes de energia que a vida não consegue na Terra?

As perguntas que surgem daa­ ficam muito empolgantes, muito rápidas. E mesmo que a panspermia acabe sendo responsável pela vida na Terra e em Marte, quando isso ocorreu? Esse tipo de coisa seria absolutamente fascinante para poder estudar. Talvez eles pudessem ser estudados em conjunto com o envio de pessoas a Marte, porque estamos talvez a uma década de fazer isso. Apesar das enormes conquistas tecnologiicas associadas ao envio de um rover como o Perseverance para a cratera de Jezero, o tipo de pesquisa que vocêpode fazer com uma pessoa ainda estãoalém do que somos capazes de realizar com um rover.

 

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