Tecnologia Científica

Desmatamento favorece aumento de bactanãrias resistentes a antibia³ticos
Estudo feito por pesquisadores da USP na Amaza´nia mostrou que o desmatamento causa aumento na diversidade de bactanãrias resistentes a antibia³ticos
Por André Julião - 21/02/2021


Estudo sugere que a substituição da vegetação nativa por pastagens ou plantações aumenta competição entre microrganismos, favorecendo os que possuem genes de resistência. Pesquisadores do Centro de Energia Nuclear na Agricultura da USP, em Piracicaba, ressaltam a necessidade de estudar se espanãcies podem migrar para os alimentos e chegar aos humanos. Plantação em área desmatada da Amaza´nia onde amostras de solo foram coletadas – Paula Whitaker/REUTERS

Um estudo conduzido por pesquisadores da USP e colaboradores mostrou que o desmatamento na Amaza´nia causa um aumento na diversidade de bactanãrias resistentes a antibia³ticos. O artigo, publicado na revista Soil Biology and Biochemistry, comparou os microrganismos que vivem no solo da floresta nativa com aqueles encontrados em pastagens e plantações. Nas áreas desmatadas, observou-se uma quantidade muito maior de genes que sinalizam a resistência a antimicrobianos.

“As bactanãrias produzem substâncias para atacar umas as outras. Essa competição por recursos écomum em qualquer ambiente. Quando uma área édesmatada, poranãm, uma sanãrie de fatores aumenta a competição, favorecendo justamente aquelas bactanãrias que podem resistir a essas substâncias. Se chegam aos humanos, esses microrganismos podem se tornar um grande problema”, explica Lucas William Mendes, pesquisador apoiado pela Fundação de Amparo a  Pesquisa do Estado de Sa£o Paulo (Fapesp), no Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da USP, em Piracicaba, e um dos autores do estudo. A pesquisa integra um projeto ligado ao Programa Biota-Fapesp e coordenado por Tsai Siu Mui, professora do Cena.

A resistência a antibia³ticos éconsiderada um problema de saúde pública global pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Doena§as resistentes a medicamentos, de modo geral, causam cerca de 700 mil mortes por ano no mundo, segundo a organização.

No trabalho realizado pelos pesquisadores do Cena, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da USP (Esalq), em Piracicaba, e do Laborata³rio Nacional de Computação Cienta­fica, em Petra³polis (RJ), foram analisados cerca de 800 milhões de sequaªncias de DNA extraa­das de 48 amostras de solo de áreas do Para¡ e do norte do Mato Grosso.

Usando ferramentas de bioinforma¡tica, os pesquisadores compararam o material genanãtico das amostras com um banco de dados de genes conhecidos pela resistência a antibia³ticos. Foram encontrados 145 genes com essa caracterí­stica, capazes de resistir a  ação de antibia³ticos por meio de 21 mecanismos moleculares diferentes. Ainda que bactanãrias resistentes a antibia³ticos estejam presentes no solo florestal, esses microrganismos e seus mecanismos de resistência são muito mais abundantes nos solos de pastagens, áreas desmatadas e plantações.

Microrganismos do desmatamento

“O processo de ocupação na Amaza´nia consiste em, primeiramente, derrubar as a¡rvores mais valiosas para exploração da madeira. Em seguida, todo o resto édesmatado e a área, queimada, para dar espaço a culturas agra­colas ou capim para o gado. Além das cinzas da vegetação que vivia ali, o solo recebe ainda calca¡rio para diminuir a acidez e outros insumos agra­colas. Essa abunda¢ncia de nutrientes gera uma proliferação de bactanãrias e uma competição feroz por recursos”, diz Mendes.
 
Em trabalhos anteriores, o grupo do Cena observou que, apesar da menor diversidade de microrganismos no solo da floresta, háuma maior abunda¢ncia de bactanãrias que exercem funções benanãficas para as plantas oscomo ciclagem de nutrientes e aumento da fotossa­ntese ose mesmo para a atmosfera, como a fixação de carbono e o consumo de metano, gás que éo principal responsável pelo efeito estufa.

No estudo atual, chamou a atenção dos pesquisadores a grande quantidade de bactanãrias resistentes a dois tipos específicos de antibia³ticos, tetraciclina e betalactamase. Medicamentos com esses princa­pios ativos são largamente utilizados no tratamento de doenças do gado e podem chegar ao solo por meio das fezes e da urina, uma vez que os bovinos tem baixa absorção de antibia³ticos. O uso de esterco como adubo pode, segundo os pesquisadores, contribuir para a propagação das bactanãrias resistentes.

Nãoépossí­vel afirmar, no entanto, que os microrganismos imunes a antibia³ticos são capazes de migrar do solo amaza´nico para os alimentos produzidos nele, como gra£os, cana-de-açúcar e carne. “Alguns trabalhos supaµem que essa transferaªncia possa ocorrer, mas ainda não háestudos que mostrem uma relação direta. a‰ algo que deve ser olhado com atenção, pois se essas bactanãrias resistentes chegarem aos humanos podem causar um grave problema de saúde pública”, afirma Mendes.

Tampouco hásoluções imediatas para impedir o surgimento dessas bactanãrias em solos cultivados. Um manejo que leve em consideração outras funções dos microrganismos além da produtividade das plantas, como ciclagem de nutrientes e diminuição de espanãcies produtoras de metano, por exemplo, pode ajudar a mitigar o problema.

Isso pode ser feito com o transplante de solo natural para uma área cultivada ou mesmo com o uso de inoculantes. Esses produtos baseados em microrganismos levam para o solo funções importantes que podem, de quebra, diminuir o uso de fertilizantes e agrota³xicos, a ponto de serem vistos como um potencial mercado de bilhaµes de da³lares.

No caso da Amaza´nia, as soluções e as oportunidades podem estar logo ao lado de um pasto ou de uma plantação, no pra³prio solo da floresta nativa.

 

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