Tecnologia Científica

Onde estãose escondendo a matéria escura?
Os cientistas recorrem a novas idanãias e experimentos na busca porpartículas de matéria escura.
Por Whitney Clavin - 02/04/2021


Nesta simulação, o gás flui para o centro de uma gala¡xia por meio de filamentos de matéria escura, enquanto a matéria éexpelida pela explosão de estrelas e outros fatores. Foto: Phil Hopkins e Chris Hayward / Caltech

A cada segundo, milhões a trilhaµes departículas de matéria escura fluem por seu corpo sem nem mesmo um sussurro ou traa§o. Esse fato fantasmaga³rico a s vezes écitado por cientistas quando descrevem a matéria escura, uma substância invisível que representa cerca de 85% de toda a matéria do universo. Ao contra¡rio da chamada matéria normal, que inclui tudo, desde elanãtrons a pessoas e planetas, a matéria escura não absorve, reflete ou brilha com qualquer luz. Esta¡ escuro. Mas se não podemos ver a matéria escura, como os cientistas sabem que ela estãola¡? A resposta égravidade. Os astrônomos detectam indiretamente a matéria escura por meio de suas influaªncias gravitacionais nas estrelas e gala¡xias. Onde quer que a matéria normal resida, a matéria escura pode ser encontrada escondida ao seu lado.

A primeira evidência real de matéria escura veio em 1933, quando Fritz Zwicky do Caltech usou o Observatório Mount Wilsonpara medir a massa visível de um aglomerado de gala¡xias e descobriu que era muito pequeno para evitar que as gala¡xias escapassem da atração gravitacional do aglomerado. Outra coisa, concluiu Zwicky, estava agindo como cola para manter os aglomerados de gala¡xias unidos. Ele chamou a substância de dunkle Materie, ou matéria escura em alema£o. Na década de 1970, Vera Rubin e Kent Ford, enquanto trabalhavam no Carnegie Institution for Science, mediram as velocidades de rotação de gala¡xias individuais e encontraram evidaªncias de que, como o aglomerado de gala¡xias de Zwicky, a matéria escura estava impedindo as gala¡xias de se separarem. Outras evidaªncias ao longo dos anos confirmaram a existaªncia da matéria escura e mostraram o quanto abundante ela éno universo. Na verdade, a matéria escura écerca de cinco vezes mais comum do que a matéria normal.

“O universo estãonos atingindo na cabea§a com evidaªncias de matéria escura”, diz Phil Hopkins , professor de astrofa­sica tea³rica da Caltech. “Quer seja o movimento das gala¡xias, ou o fato de que a matéria escura curva a luz, ou a expansão do universo, ou o crescimento de estruturas no universo, existem muitos tipos diferentes de medições que foram feitas e cada uma delas eles se encaixam no mesmo paradigma de matéria escura. ”

No entanto, apesar de sua prepondera¢ncia, os cientistas não foram capazes de identificar aspartículas que compõem a matéria escura. Eles sabem que a matéria escura existe e onde esta¡, mas não podem vaª-la diretamente. Desde a década de 1990, os cientistas vão construindo grandes experimentos projetados para capturarpartículas indescrita­veis de matéria escura, mas elas continuam a surgir de ma£os vazias. O que alguns ainda consideram o principal candidato a  matéria escura, chamados WIMPs (parta­culas massivas de interação fraca), não foram encontrados em nenhum dos dados coletados atéagora, nempartículas chamadas axions; ambos WIMPs e axions sãopartículas elementares hipotanãticas propostas para resolver mistanãrios teóricos pendentes no modelo amplamente aceito da física departículas, chamado de Modelo Padra£o, que classifica todas aspartículas elementares conhecidas e descreve três das quatro forças fundamentais conhecidas (as interações eletromagnanãtica, fraca e forte, deixando de fora a gravidade). Candidatos adicionais a  matéria escura incluempartículas chamadas neutrinos estanãreis, junto com buracos negros primordiais. Alguns teóricos propuseram que modificações em nossas teorias da gravidade podem explicar a matéria escura, embora essa ideia seja menos favorecida.

Na última década, outro conjunto de candidatos a  matéria escura surgiu e estãocrescendo em popularidade. Esses candidatos pertencem coletivamente a uma categoria conhecida como setor oculto ou escuro. Na Caltech, as ideias de setores ocultos estãoem plena floração, com vários cientistas cultivando novas teorias e experimentos.

“Quando vocêolha além dos WIMPs e axions, toda uma gama de consequaªncias observacionais se abre”, diz Kathryn Zurek , professora de física tea³rica na Caltech e uma das pioneiras das teorias do setor oculto. “Os paradigmas WIMP e axion são a³timos porque são muito preditivos e levam a  construção de experimentos de detecção direta. Agora podemos aproveitar esta bela tecnologia para procurar matéria escura de setor oculto. ”

Vales Escondidos 

Em 2006, Zurek e colegas propuseram a ideia de que a matéria escura poderia fazer parte de um setor oculto, com dina¢mica própria, independente da matéria normal como fa³tons, elanãtrons, quarks e outraspartículas que se enquadram no Modelo Padra£o. Ao contra¡rio da matéria normal, aspartículas do setor oculto viveriam em um universo escuro pra³prio. Mais ou menos como um cardume de peixes que nadam apenas com sua própria espanãcie, essaspartículas interagem fortemente umas com as outras, mas podem ocasionalmente colidir suavemente compartículas normais por meio de uma parta­cula mensageira hipotanãtica. Isso estãoem contraste com os WIMPs propostos, por exemplo, que interagiriam com a matéria normal por meio da força fraca conhecida, trocando uma parta­cula pesada.

Uma caracterí­stica chave daspartículas de setor oculto éque elas seriam muito mais baixas em massa e energia do que outras candidatas propostas de matéria escura, como WIMPs. Propaµe-se que a matéria escura do sensor oculto tenha uma massa de cerca de um trilionanãsimo da massa de um pra³ton a 1 pra³ton. Tecnicamente, isso se traduz em massas entre mili e giga-elanãtron-volts (eV); um pra³ton tem uma massa de cerca de um giga-eV.

“Estamos avaçando para uma nova fronteira de matéria escura mais clara”, diz Zurek. “No ina­cio, chamamos essaspartículas de vales ocultos porque a ideia era que vocêescalaria uma passagem de montanha e olharia para baixo, parapartículas de energia muito baixa.” Mas agora, diz ela, a expressão vale oculto se transformou em setores ocultos ou escuros.

“ Sinto-me humilhado pelo universo. Devemos ficar envergonhados em algumnívelsobre o quanto pouco sabemos, mas esta também pode ser uma oportunidade para aprender mais. ”

- MARK WISE

Sean Carroll , professor pesquisador de física da Caltech, e seus colegas também escreveram um artigo inicial, em 2008, sobre a ideia de que a matéria escura pode interagir apenas com ela mesma. Semelhante a s ideias do setor oculto, a equipe propa´s que, "assim como a matéria comum se acopla a uma força de longo alcance conhecida como 'eletromagnetismo' mediada porpartículas chamadas 'fa³tons', a matéria escura se acopla a uma nova força de longo alcance conhecida ( doravante) como 'eletromagnetismo negro' ”, escreveu Carroll em seu blog, Universo absurdo, em 2008.

“Agora, anos depois, os cientistas estãoem uma fase de descartar cada vez mais modelos”, diz Carroll. “Nossos modelos de fa³tons escuros ainda são possa­veis, mas menos prova¡veis ​​do que outros modelos como o de Kathryn.”

Então, como encontrar uma parta­cula hipotanãtica com menos massa do que um pra³ton? Zurek e outros propuseram experimentos do tamanho de uma mesa muito menores do que outros experimentos de matéria escura, que podem pesar na ordem de toneladas. Embora se acredite que aspartículas de setor oculto interajam apenas raramente e de maneira fraca com a matéria normal, quando o fazem, causam distúrbios que poderiam, em teoria, ser detectados.

Zurek e sua equipe propuseram uma maneira de detectar uma perturbação causada pelo setor oculto usando um tipo de quasiparta­cula chamada fa´non. Um sensor especializado seria usado para captar as vibrações do fa´non, indicando a presença de matéria escura. (Uma quasiparta­cula éum fena´meno coletivo que se comporta como uma única parta­cula. Zurek também estãodesenvolvendo outros manãtodos para ajudar na caça a  matéria escura, incluindo técnicas baseadas na gravidade que medem como os aglomerados de matéria escura no cosmos afetam o momento do flash estelar remanescentes chamados pulsares. Como muitos cientistas da área, ela sente que éimportante ter uma abordagem multifacetada para o problema e procurar a matéria escura com manãtodos diferentes, mas compata­veis.

Mark B. Wise , o professor John A. McCone de Fa­sica de Altas Energias, que, em 1982, foi um dos primeiros a propor que os axions poderiam ser aspartículas de matéria escura ausentes, diz que a matéria escura poderia ser axions,partículas de setor oculto ou algo totalmente diferente. Wise fez sua proposta junto com John Preskill , Richard P. Feynman Professor de Fa­sica Tea³rica da Caltech e diretor do Instituto de Informação Qua¢ntica e Matanãria (IQIM), e Frank Wilczek do MIT. “Olhamos onde podemos e onde a natureza nos diz para olhar”, diz Wise. “Como fa­sico tea³rico, sinto-me humilhado pelo universo. Devemos ficar envergonhados em algumnívelsobre o quanto pouco sabemos, mas esta também pode ser uma oportunidade para aprender mais. ”

Deep Underground 

A cerca de 6.000 panãs de profundidade, em uma mina de na­quel em Onta¡rio, Canada¡, um experimento de matéria escura estãotomando forma. Ao contra¡rio dos pequenos experimentos propostos por Zurek e outros, este éum empreendimento gigantesco. Programado para comea§ar a operar em 2022, o SuperCDMS (Super Cryogenic Dark Matter Search) foi projetado para encontrar WIMPs mais leves do que os procurados antes, com massas de 1 giga-eV, que épróxima a  massa de um pra³ton. Como o SuperCDMS estãoprocurando porpartículas de massa inferior, ele também tem a capacidade de encontrarpartículas de setor oculto mais leves.

“Quando vocêentra no laboratório, éum processo interessante”, diz Sunil Golwala , professor de física da Caltech. “Vocaª desce o elevador da mina, a s vezes com os mineiros, e depois anda cerca de um quila´metro com as minhas roupas: macaca£o de corpo inteiro, capacete, botas e tudo mais. E então, quando vocêchegar a  entrada do laboratório, tire tudo isso e tome um banho. Então vocêveste uma roupa de coelho e vai para um laboratório, que émantido como uma sala limpa. Portanto, o laboratório émantido extremamente limpo, embora esteja no meio de uma mina suja. ”

Golwala ajuda a gerenciar a fabricação dos conjuntos de detectores para SuperCDMS; os detectores estãosendo construa­dos no Laborata³rio Nacional de Aceleradores SLAC, que lidera o projeto SuperCDMS. Golwala explica que a maioria dos experimentos de matéria escura em busca de WIMPs e matéria escura de setor oculto são realizados no subsolo, geralmente em minas, a fim de proteger os instrumentos dos raios ca³smicos que poderiam mascarar os sinais de matéria escura.

WIMPs foram propostos no final dos anos 1970 e ini­cio dos anos 1980 com base na ideia de quepartículas hipotanãticas mais pesadas do que as do Modelo Padra£o, com uma massa de mais de 100 pra³tons, poderiam explicar caracteri­sticas misteriosas do modelo e, o que éimportante, aconteceriam de ser produzida no ini­cio do universo na quantidade necessa¡ria para explicar a abunda¢ncia de matéria escura. Além disso, uma teoria conhecida como supersimetria (que afirma que cada parta­cula tem um parceiro com um spin complementar) prevaªpartículas parceiras, uma das quais poderia ser um WIMP. Mas, ao longo dos anos, as evidaªncias da supersimetria não se materializaram.

“Ha¡ muitos anos havia esperana§a de que, se va­ssemos a matéria escura, seria um inda­cio de que a supersimetria existe, mas as pessoas estãoficando cada vez menos convencidas. Kathryn éuma das pessoas que tem defendido fortemente a busca de outros modelos, visto que a supersimetria ainda não foi descoberta ”, diz Golwala. “Essa tem sido uma das grandes motivações para querer olhar para a faixa de massa que estamos olhando. Vinte anos atrás, se vocêdissesse a alguém que estava procurando por matéria escura a 1 giga-eV, eles diriam: 'Por que vocêestãofazendo isso? Nãoháparta­cula supersimanãtrica abaixo de 1 giga-eV. ' E agora, 20 anos depois, pelo que sabemos, não hásupersimetria, então émelhor prestarmos atenção a esses outros modelos. O bom do SuperCDMS éque estamos procurando WIMPs e o setor oculto. ”

Além de contribuir para o SuperCDMS, Golwala estãotrabalhando em experimentos de mesa projetados especificamente para descobrir aspartículas do setor oculto. Ele diz que presta muita atenção a  orientação de Zurek sobre que tipos de interação procurar entre a matéria escura e a matéria normal. “Kathryn éuma tea³rica e eu sou uma experimentalista. Ela diz: 'Isso éo que vocêdeve construir para procurar esse modelo de matéria escura'. Eu pego suas ideias e digo: 'OK, vamos construir um experimento que pode fazer isso.' ”

Basta adicionar matéria escura 

Fora do laboratório, existem outras maneiras de sondar o setor oculto. Phil Hopkins e sua equipe abraçaram as várias novas ideias de matéria escura e as incorporaram em suas simulações de computador de gala¡xias e do universo. Como assar um lote de biscoitos, os pesquisadores podem misturar e combinar ingredientes ca³smicos em uma simulação de computador e ver o que surge. Se uma gala¡xia resultante se parece com a coisa real, os cientistas sabem que estãomais perto de compreender seus ingredientes.

“Se vocêassumir que a maior parte da matéria no universo ématéria escura e que a matéria escura interage apenas com a gravidade, então émuito simples configurar sua simulação de computador”, diz Hopkins. “Vocaª tem uma força, a gravidade, e deixa tudo evoluir a partir daa­.”

Recentemente, Hopkins e seus alunos refinaram esta simulação simples para incluir física de setor oculto. Ele diz que sua pesquisa serve como uma ponte entre a de Zurek e Golwala, na medida em que Zurek apresenta as teorias, Hopkins as testa em computadores para ajudar a refinar a física e Golwala procura aspartículas reais. Nas simulações de gala¡xias, o setor oculto de matéria escura é“mais difa­cil de esmagar” por causa de suas propriedades de interação automa¡tica, explica Hopkins, e essa caracterí­stica acaba afetando as propriedades das gala¡xias. As criações de computador da equipe permitem que eles fazm previsaµes sobre a estrutura das gala¡xias em escalas finas, que telesca³pios de última geração, como o pra³ximo Observatório Vera C. Rubin, programado para comea§ar a operar no Chile em 2022, devem ser capazes de resolver.

“Vocaª pode imaginar todo um universo escuro ou este setor oculto onde todos os tipos de coisas estãoacontecendo sob a matéria normal ou 'sob o capa´', como vocêpoderia dizer. O que tentamos fazer éperguntar: 'Quais são as consequaªncias astrofa­sicas?' ”, Diz Hopkins.

Va¡rios outros pesquisadores do Caltech também estãoem uma busca para descobrir a natureza da matéria escura, incluindo cosmologistas que estudam seus efeitos em vastas escalas que abrangem a história do universo, bem como fa­sicos departículas que procuram candidatos a  matéria escura produzidos em alta energia colisores como o Large Hadron Collider do CERN ou LHC. Cristia¡n Pea±a (MS '15, PhD '17), um Lederman Postdoctoral Fellow no Fermilab e um cientista pesquisador do grupo de Fa­sica de Altas Energias e INQNET (INtelligent Quantum NEtworks and Technologies) da Caltech, foi um dos primeiros, em 2016, a tentar para descobrir matéria escura em colisaµes pra³ton-pra³ton de alta energia no LHC. Essas pesquisas de matéria escura foram feitas com dados coletados pelo instrumento Compact Muon Solena³ide.

Agora, Pea±a estãodesenvolvendo experimentos de sensoriamento qua¢ntico para detectar matéria escura. Os sensores de última geração que ele estãousando estãosendo desenvolvidos como parte de um projeto qua¢ntico de internet envolvendo INQNET em colaboração com Fermilab, JPL e o Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia, entre outros. A INQNET foi fundada em 2017 com a AT&T e éliderada por Maria Spiropulu, Professora de Fa­sica Shang-Yi Ch'en da Caltech. Um impulso de pesquisa deste programa se concentra na construção de prota³tipos de internet qua¢ntica, incluindo links qua¢nticos de fibra a³ptica e comunicação a³ptica atravanãs do ar, entre locais em Caltech e JPL, bem como outros bancos de teste de rede qua¢ntica no Fermilab. Os sensores otimizados desenvolvidos com JPL para este programa também são adequados para detectar matéria escura de massa muito baixa e, como diz Pea±a,

“O sensoriamento qua¢ntico éuma área de pesquisa emergente na interseção entre a física departículas e a ciência e tecnologia da informação qua¢ntica”, diz ele. 

Embora a maioria dos pesquisadores concorde que encontrar matéria escura éum tiro longo, eles se sentem confiantes de que a busca e toda a ciência e tecnologia que foram e sera£o adquiridas ao longo do caminho valem a jornada. Afinal, sabemos que a matéria escura existe e, como diz Carroll, "não érealmente tão misteriosa". Quando Carroll explica a matéria escura ao paºblico, ele os faz imaginar que nossa lua éfeita de matéria escura e, portanto, invisível. “Ainda sentira­amos as maranãs lunares na Terra, embora não pudanãssemos ver a lua. Sabemos que a matéria escura estãola¡, simplesmente não podemos vaª-la. ”

 

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