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A Amaza´nia énossa: livro de professora da UFF debate a sujeição de ONGs a interesses imperialistas
Com foco nessa realidade, ONGs nacionais e internacionais intervaªm na luta da preservaa§a£o ambiental atravanãs de discursos embasados na ideia de sustentabilidade e não agressão a  natureza.
Por Fernanda Nunes - 18/10/2019



O territa³rio brasileiro érico em biodiversidade e abrange biomas importantes como o cerrado, os pampas, a caatinga e a Amaza´nia, sendo essa uma das três grandes florestas tropicais do mundo. a‰ de conhecimento geral a existaªncia do desmatamento de áreas da regia£o, que vão sofrendo com queimadas e outros manãtodos de degradação das florestas. Com foco nessa realidade, ONGs nacionais e internacionais intervaªm na luta da preservação ambiental atravanãs de discursos embasados na ideia de sustentabilidade e não agressão a  natureza.

Refletindo sobre esse contexto, a pesquisadora Nazira Camely, natural de Cruzeiro do Sul (AC), desenvolve desde 1999 pesquisas acerca das relações e conflitos inerentes a  regia£o amaza´nica, principalmente no estado do Acre. Sua dissertação de mestrado abordou as quebradoras de castanha na Usina Chico Mendes, em um estudo das relações de trabalho impostas a essas mulheres. Professora associada do Departamento de Economia do Instituto de Economia da UFF, ela faz parte do Naºcleo de Estudos e Pesquisa em Economia e Sociedade Brasileira e coordena o Laborata³rio de Geopola­tica e Estudos Agra¡rios e Ambientais na Amaza´nia. A professora apurou que essa usina em Xapuri recebeu no ano de 1994 doações do exterior, via ONGs e outras organizações governamentais, quantias que somavam cerca de $ 1.680.000,00, o que chamou sua atenção. “A questãoera entender como essas organizações trabalhavam para os interesses do imperialismo, principalmente o estadunidense”, explica.

Dessa inquietação nasceu o tema para sua tese de doutorado intitulada “A geopola­tica do ambientalismo ongueiro na Amaza´nia brasileira: um estudo sobre o estado do Acre”, que posteriormente resultou no livro “Imperialismo, Ambientalismo e ONGs na Amaza´nia”, lana§ado dia 1º de outubro na Fundação Universidade Federal de Ronda´nia (UNIR) em Porto Velho. “As duas grandes questões que me moveram em direção a essa pesquisa foram: como as ONGs se tornaram novos agentes do imperialismo e porque o problema agra¡rio não estava resolvido em unidades de conservação, dado que a propaganda era de que essas unidades, como por exemplo no caso a Reserva Extrativista Chico Mendes, eram modelos da dita Reforma Agra¡ria da Amaza´nia”, explica.

Para entender melhor como se desenvolve a pesquisa que deu origem a  obra, leia a seguir a entrevista com Nazira Camely:

No livro vocêcita a expressão “onguismo”. Poderia explicar a que se refere o termo, de acordo com seus estudos?

O conceito de “onguismo” éde um socia³logo espanhol chamado Andranãs Piqueras. Ele tem dois textos extremamente relevantes para essa área nos anos de 2000 e 2001 onde expaµe que o marco do aparecimento das ONGs na sociedade em geral écom a reestruturação do capitalismo, imposta pelo neoliberalismo, a partir dos anos 80. Então háuma sanãrie de demandas da população que essas ONGs va£o assumindo em um contexto onde o Estado Social estãocada vez mais ma­nimo - pois a proposta do liberalismo étirar do Estado a sua função de ser uma entidade que atende a todos em suas políticas públicas e estatais. A principal cra­tica nesse campo das ONGs como fena´meno, éque elas não tem - e não podem ter, devido a  própria caracterí­stica do capitalismo - um projeto de mudança estrutural da sociedade, sendo apenas um paliativo. Portanto, essas ONGs assumem reivindicações dos cidada£os, colocando-se como uma organização mais competente que o Estado.

Vocaª diz que sua pesquisa évoltada para as relações do imperialismo com as ONGs. Poderia explicar melhor?

No livro, existem dois capa­tulos que abordam a questãode como as ONGs va£o se transformando em verdadeiras corporações em relação aos nega³cios do meio ambiente. Ha¡ um estudo que mostra que isso acontece quando, no ano de 1994, háum workshop na cidade de Miami promovido pela Agência de Ajuda e Desenvolvimento dos Estados Unidos (USAID), onde éapresentado o projeto de conservação global dessa Agaªncia. Eles alinham o discurso no caminho do desenvolvimento sustenta¡vel, levantando que énecessa¡rio preservar o planeta. Verificamos, no entanto, que isso éuma estratanãgia do imperialismo, não são estadunidense mas também europeu. A intenção éfazer uma divisão dos territa³rios de grandes áreas de floresta tropical do mundo - Amanãrica Latina, asia e áfrica. O intuito érepartir os territa³rios para obtenção de recursos naturais, ressaltando que esse dado estãomapeado e a grande questãoéque no Brasil ainda somos exportadores de monocultura, ficando a tecnologia nas ma£os dospaíses imperialistas. a‰ nessa dialanãtica que trabalhamos, mostrando mapas e documentos dessas organizações onde se observa claramente seus interesses geoestratanãgicos sobre o ecossistema amaza´nico e todas as outras áreas de floresta tropical.

Qual o impacto da atividade dessas ONGs em relação aos povos locais e seu cotidiano?

Primeiramente, éimportante esclarecer que estamos falando de ONGs como grandes corporações ambientais - as transnacionais da conservação, conforme denomina Anta´nio Carlos Diegues da USP -, portanto, não estamos falando de todas as ONGs. As ações dessas organizações interferem muito nas comunidades locais, pois mudam seu modo de vida. Muitas comunidades vivem da pesca, da extração vegetal da castanha, do leite da seringueira e dos produtos da floresta em geral. Essas comunidades estãosendo cada vez mais repreendidas por crime ambiental. O pequeno produtor agra­cola no Brasil e as populações que vivem do extrativismo nas florestas são altamente criminalizados, enquanto o grande latifaºndio não anã, mesmo sendo estes os que sempre desmataram a Amaza´nia e o fazem cada vez mais devido a  queda da fiscalização. Isso faz com que a população se sinta oprimida, tanto pelas atividades do imperialismo agindo via latifaºndio e via políticas que visam a retirada de recursos naturais da regia£o, quanto por serem taxados de cometerem delitos.

Atéonde vai a atuação dessas ONGs na ocupação do territa³rio amaza´nico?

Para dar um exemplo, eu andei dois dias de barco na Amaza´nia mais um dia caminhando na floresta e cheguei em um local que tem atividade de ONG. Nas últimas décadas, houve uma reconfiguração do espaço agra¡rio na Amaza´nia atravanãs do estabelecimento de muitas áreas de preservação ambiental sob o discurso de proteger a natureza e sua população. Identificamos, no entanto, que as populações locais estãoconstantemente ameaa§adas pelos grandes latifaºndios da pecua¡ria e da monocultura, como no caso dos produtos para fabricar biocombusta­veis, por exemplo. Ao passo que a devastação que aconteceu recentemente no Centro-Oeste já estãono sul do estado do Amazonas, tanto que os principais munica­pios amazonenses que tiveram maiores problemas de incaªndio atualmente são munica­pios onde a monocultura de soja já se instalou.

Existe alguma relação pola­tica que se constitui entre o estado brasileiro e essas ONGs? Se sim, pode nos dizer qual?

Sim, existe. Hoje em dia existe menos. Poranãm não se pode abordar o tema de maneira maniquea­sta, dizendo se isso ébom ou ruim pois se tratam de dados cienta­ficos. O Estado do Acre, por exemplo, sempre foi visto como um modelo de desenvolvimento sustenta¡vel na Amaza´nia. Isso tem muito a ver com a história da luta dos seringueiros contra a ação dos latifaºndios no Acre. La¡, essa articulação das ONGs com o governo foi grande por causa do modelo conhecido como “desenvolvimento sustenta¡vel”, feito atravanãs de acordos com órgãos multilaterais e cheios de graves contradições, em meu ponto de vista. Os maiores financiadores desses acordos foram órgãos como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o pra³prio Banco Mundial (BM). Diversas grandes empresas e bancos dizem prezar pela natureza, inclusive as depredadoras ambientais, principais responsa¡veis por grandes danos a vida da população mundial, como a Vale, responsável pela traganãdia do rompimento da barragem em Brumadinho. Na Reserva Extrativista Chico Mendes, por exemplo, uma sanãrie de políticas ditas sustenta¡veis foram implementadas, especialmente com as bandeiras das grandes ONGs na questãodo manejo dos recursos naturais. Depois de mais de vinte anos dessa pola­tica, a pesquisa de campo demonstrou que a vida das pessoas na reserva éde misanãria. A propaganda da extração sustenta¡vel anã, portanto, uma fala¡cia.

No atual cena¡rio, a Amaza´nia estãosob olhares do mundo inteiro. Na sua concepção, qual a capacidade do estado brasileiro no sentido de promover sua preservação?

A meu ver, éfunção do Estado e de seus órgãos fiscalizadores serem responsa¡veis pela preservação ambiental. O Brasil tem importantes órgãos nessa área que deveriam cuidar dessa questão, mas como o estado vai resolver esse problema se atualmente os órgãos que podem fiscalizar a atuação dos grandes latifaºndios na Amaza´nia estãosendo frontalmente desqualificados? Essa éuma questãocentral. A fiscalização já era pequena e pouco eficiente em momentos anteriores e vem piorando. Nãose verifica grande interesse sobre a preservação ambiental nesse momento, mas sim em entregar os recursos amaza´nicos ao grande capital, mesmo que isso custe sua devastação. Aqui em Rio Branco (AC), 33% das criana§as foram parar no hospital em decorraªncia da fumaa§a das queimadas recentes. Além do fato de que, mesmo com essas políticas propagadas como desenvolvimento sustenta¡vel, no Acre, em particular, 18% das criana§as sofrem de desnutrição grave. Em escala amaza´nica, 80% das criana§as Yanomamis também sofrem de desnutrição, segundo pesquisa recente da Fiocruz. a‰ algo muito grave.

Quais estratanãgias considera possa­veis para frear o chamado “onguismo imperialista” e fortalecer as políticas ambientais de proteção a  Amaza´nia?

a‰ necessa¡rio esclarecer que a nossa pesquisa se opaµe a  ideia de que as ONGs são as responsa¡veis pelas queimadas na regia£o amaza´nica. Entendo que os grandes responsa¡veis são os detentores do capital ligado ao latifaºndio, seja ele de mineração, pecua¡ria, soja ou outras monoculturas implementadas na regia£o. A Amaza´nia existe pois sua população a preservou. Pesquiso uma regia£o do Acre na fronteira com o Peru, o Parque Nacional da Serra do Divisor, que éum belo manto verde. Existem povos que ali residem hámais de 200 anos - destaco que hácomprovação cienta­fica de que a Amaza´nia épovoada há12 mil anos. A depredação da floresta vem da intenção de implantar políticas que beneficiem o latifaºndio em nome do chamado “capitalismo verde”. Quem pode defender a regia£o amaza´nica são os brasileiros como nação. Nossas políticas ambientais não são ditadas pelos nossos governantes. A proteção da floresta e a obtenção de recursos que beneficiem a nossa população são sera£o alcana§adas no dia em que a nação não mais for oprimida e saqueada pelos imperialismos estadunidense e europeu.

 

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