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Sobre o impacto intelectual, social e econa´mico da universidade no Brasil
Academia de Ciências promove a 3ª edia§a£o de ‘Dia¡logos do Brasil’ destacando importa¢ncia do ensino superior
Por Luiz Sugimoto - 17/11/2019

Imagem Unicamp

Neste momento de forte crise da educação, ciência e inovação brasileiras, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) promoveu a terceira edição de “Dia¡logos pelo Brasil”, com o objetivo não são de destacar a importa¢ncia do ensino superior para o desenvolvimento dopaís, como também de levantar problemas e soluções a respeito de atividades realizadas no a¢mbito acadaªmico, com forte enfoque no financiamento e na colaboração com o setor produtivo. O tema “O impacto intelectual, social e econa´mico da universidade no Brasil” foi debatido em 12 de novembro, no audita³rio da Fapesp, em Sa£o Paulo. Os dois eventos anteriores ocorreram em Porto Alegre e Salvador, havendo a pretensão de realizar mais três em regiaµes diferentes do Brasil. 

“A ideia édiscutir a questãoda ciência e tecnologia nopaís e seus desdobramentos para a sociedade, num momento em que a área sofre não apenas com o problema de financiamento, mas também com uma situação de obscurantismo. a‰ interessante que tenhamos esses eventos para firmar a posição da ciência como uma das possibilidades importantes para o desenvolvimento nacional”, afirma Oswaldo Luis Alves, professor do Instituto de Quí­mica (IQ) da Unicamp, membro da ABC e integrante da comissão organizadora dos “Dia¡logos pelo Brasil”. “Este tema na Fapesp nos perturba diariamente por trazer consequaªncias osinfelizmente, na maioria negativas osque afetam diretamente a comunidade cienta­fica brasileira.”


O professor Marco Antonio Zago, presidente da Fapesp, em sua saudação aos visitantes, citou três exemplos para sintetizar o impacto das universidades e dos institutos de pesquisa na vida do estado de Sa£o Paulo. “Um grupo de pesquisadores analisou qual éo retorno dos recursos aplicados em pesquisa na área agropecua¡ria, uma das fontes de riqueza do estado e que responde por 13% do PIB paulista. Ficou demonstrado que, para cada real investido, temos um retorno de 11 reais na forma de impostos ao governo osretorno que também aparece no aumento da produção, de empregos e do PIB rural.”

Outro exemplo oferecido por Zago éde que a Fapesp dirige cerca de 10% dos seus investimentos para a inovação, com destaque para o programa Pipe (Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas). “Ao longo dos anos, foram apoiadas mais de 1.200 empresas distribua­das em 20% dos munica­pios de Sa£o Paulo. O mapa mostra que a presença das universidades e seus campi atrai inovação tecnologiica e investimentos, o que énota³rio no interior, onde as empresas se concentram ao redor de universidades, como em Campinas, Vale do Paraa­ba, Ribeira£o Preto, Sa£o Carlos e Piracicaba. Além disso, o número de empregos nessas empresas aumentou 40% após receberem o financiamento e o retorno em impostos cresceu seis vezes.”

Como terceiro exemplo, o presidente da Fapesp destaca uma nota­cia do maªs, sobre um grupo do Centro de Terapia Celular (CTC) da USP de Ribeira£o Preto, participante de um dos Cepid (Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão) apoiados pela agaªncia, que aplicou com sucesso um tratamento para câncer que estãona fronteira da ciência “A técnica emprega células do pra³prio paciente, modificadas em laboratório, para montar uma reação imunola³gica eficiente contra o clone de células neopla¡sicas. Este avanço são foi possí­vel por causa do apoio continuado por 20 anos da Fapesp e também do sistema universita¡rio paulista. Garantir a estabilidade do financiamento para C&T e educação superior éum excelente caminho para o desenvolvimento regional e nacional.”

Colaboração com empresas

Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor cienta­fico da Fapesp, disse na conferaªncia de abertura que vem se dedicando nos últimos meses a estudar um manãtodo de medida para a colaboração universidade-empresa. “Todos falam que essa colaboração éincipiente no Brasil, mas ninguanãm mostra. Uma forma de medi-la, por exemplo, évendo se os estudantes treinados na universidade criam empresas novas oscomo gostam de enaltecer os americanos e brita¢nicos ose descobrimos que sim. Vejam o caso da Unicamp, que se dedica desde 2000 a seguir essas empresas [815 criadas e 717 ativas no mercado]: o último dado éde que elas já estãocom um faturamento de 7,9 bilhaµes de reais osquatro vezes mais que o ora§amento anual da Universidade.”

Em meio ao slide com centenas de “filhas da Unicamp”, o diretor da Fapesp aponta a multinacional brasileira CI&T, criada em 1995 por três alunos do Instituto de Computação (IC) osCanãsar Gon, Bruno Guia§ardi e Fernando Matt. “A empresa emprega três mil pessoas em 40países, mostrando como criar desenvolvimento com boa educação. Se a USP levantasse as empresas formadas por seus alunos, professores e funciona¡rios, tera­amos vários slides como este; ao ITA, bastaria colocar o logotipo da Embraer. A universidade precisa contar para a sociedade que essas empresas existem porque gastou recursos para formar [os criadores]. Esta¡ devagar demais. Considerando o tamanho do ataque a s boas universidades do Brasil, éespantoso que não reajam mostrando mais o seu trabalho.”

Brito Cruz acrescenta que outra maneira de medir a colaboração universidade-empresa estãoem bases de dados como o Web of Science, que traz a quantidade de artigos que tem um autor de instituição brasileira e outro autor de empresa de outropaís. “Desde 1980, o crescimento [deste tipo de colaboração] tem sido forte, de 14% ao ano. Um caso de artigo colaborativo éde Paulo Gurgel Pinheiro, que veio do Ceara¡ para a Unicamp e com o professor Jacques Wainer [da Faculdade de Engenharia Elanãtrica e de Computação, FEEC] criou um kit para controlar a cadeira de rodas por movimentos da face, da cabea§a ou da a­ris.”

Comparando MIT e Unicamp

O professor Marcelo Knobel, reitor da Unicamp, compa´s a primeira mesa do evento e lembrou que o Estado continua sendo a principal fonte de receita das grandes universidades de pesquisa do mundo, não importando se são privadas ou públicas. “Temos que sair da nossa pequena bolha e mostrar para a sociedade que os benefa­cios gerais promovidos pela universidade são maiores do que os investimentos. A Universidade de Oxford, na Inglaterra, recebe do governo 50% dos recursos para pesquisa; a Universidade Tanãcnica de Munique, 70%. O governo brita¢nico destina 66% e outros 11% vinham da Unia£o Europeia (não se sabendo como vai ser agora com o Brexit); nos Estados Unidos, 54% vão do governo federal.”

Com a ressalva de que estava fazendo uma provocação, Knobel procurou comparar números do MIT (Massachusetts Institute of Technology) com os da Unicamp, comea§ando pelo mesmo número de professores: respectivamente, 1.872 e 1.867; 4.500 e 20 mil alunos de graduação; e 6 mil e 16.600 na pós-graduação. “A diferença estãonos gastos com pesquisa e desenvolvimento, que são de 5,8% do PIB estadual no MIT e de 1,5% na Unicamp. Se os Estados Unidos destinaram 71 bilhaµes de da³lares para pesquisa em 2016, no Brasil foram 10 bilhaµes de da³lares em 2015, e sabemos bem que esse número vem caindo drasticamente. A razãoda liderana§a do MIT éo volume de recursos para C&T. Uma provocação anã: aonde a Unicamp chegaria com ora§amento equivalente?”

Jardim de flores amarelas

Danãbora Foguel, membro da ABC e pra³-reitora de Pa³s-Graduação e Pesquisa da UFRJ de 2011 a 21015, quis pontuar sua preocupação com o que considera uma hipervalorização do discurso sobre inovação, tornando menores outros vanãrtices como a pesquisa ba¡sica e em especial as áreas das ciências humanas. “Confesso que atéme entristea§o com alguns dos nossos gestores em Brasa­lia, e vejo a modalidade de bolsas muito voltada para inovação. Fico preocupada porque estãoimpregnada a ideia de ‘para quaª serve’ [a pesquisa], uma coisa muito utilitarista. Penso se não estamos refuncionalizando as nossas instituições, commudanças de nomes de MCT para MCTI e agora para Ministanãrio da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC).”

Deixando claro que não écontra a inovação os“as universidades devem fazer, sim, em especial no Brasil” –, a docente da UFRJ pede que a comunidade cienta­fica introduza em seus discursos exemplos de políticas públicas que foram geradas e impactaram nopaís. “Pea§o para nos policiarmos, inclusive nesse momento em que nossos colegas da área de humanas estãosendo tão atacados. Sera¡ que queremos 100% das universidades se tornando empreendedoras e inovadoras, redefinindo suas missaµes? Claro que isso aumenta a economia dopaís e as finana§as da instituição (e os sala¡rios), mas pode transformar nosso parque universita¡rio num jardim homogaªneo de flores amarelas. O projeto Future-se éum pouco o reflexo do que se espera do ensino superior.”

Sistema sãolido sob risco

Renato Lessa, atualmente professor da PUC-Rio, deu uma aula sobre a história da universidade e observou que, apesar de a instituição ter uma vida recente no Brasil, em comparação com a experiência da Amanãrica espanhola que vem desde o século 16, nossopaís construiu um sistema universita¡rio bastante sãolido a partir dos anos 1930. “Quero chamar a atenção que esse sistema estãoem risco. Conseguimos um acaºmulo institucional considera¡vel, desde a criação do CNPq e da Capes, a instauração da malha federal, a Finep e as fundações estaduais de apoio a  pesquisa. Sa£o áreas que nunca sofreram inflexa£o, ainda que a vida pola­tica brasileira tenha sofrido inaºmeras inflexaµes nessas cinco ou seis décadas. a‰ como se um consenso adjacente tivesse permanecido intocado, e mesmo governos bastante autorita¡rios perceberam que a universidade e a ciência eram estratanãgicas para opaís.”

Lessa atenta para o quadro de hostilidade que se apresenta hoje em dia, hostilidade inscrita em um quadro mais geral de limites a  educação, a  cultura, a  vida universita¡ria e a  ciência “Já houve restrição de recursos, mas não houve uma perspectiva de destruição desta acumulação institucional, possibilidade que em nosso horizonte se apresenta de maneira muito clara. Uma frase muito sintoma¡tica dita pelo suposto ministro da Educação, éque “a universidade não forma ninguanãm, a familia forma e a universidade educa”. a‰ importante ler nessas marcas a perspectiva de redução da presença da dimensão pública na vida social dos brasileiros”.

Na visão de Renato Lessa, os modelos autorita¡rios e os fascismos em geral caracterizam-se por colocar a sociedade dentro do Estado, exercendo-se o estado totalita¡rio. “[Quanto a nós] estamos vivendo um experimento que merece estudos, que éde retirar o Estado totalmente da sociedade brasileira. Quando o governo decide suspender o seguro contra os acidentes de tra¢nsito, o que tem um impacto fundamental nos vitimados, significa dizer que as pessoas são deixadas a  sua própria sorte, não háregulação em relação a isso. A ideia de que a sociedade precisa ser devolvida a  sua total espontaneidade, tem a ver com a brutalização das relações sociais e ausaªncia de mediação por parte de instituições de natureza pública.”Parceria universidade-empresa

A mesa da manha£ foi mediada pelo professor Hernan Chaimovich (ABC/USP) e contou ainda com a presença de Luiz Roberto Liza Curi, presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE), que falou sobre a graduação e as políticas de educação superior em geral nopaís, com aªnfase na questãodo aumento de matra­culas e da evasão de alunos.

Na mesa da tarde, moderada pelo professor Oswaldo Alves, os debatedores responderam a perguntas como: “Colaboração em pesquisa entre universidades e empresas: como, porque, quanto?”; “Colaboração em pesquisa entre universidades e governo: como, porque, quanto?”; “Como éo financiamento de universidades de pesquisa? E dos grupos de pesquisa em universidades de pesquisa?”; “O que universidades de pesquisa oferecem (ou deveriam oferecer) aos professores para ajuda¡-los a fazerem mais e melhor pesquisa?”.  Participaram da mesa Elisa Reis (ABC/UFRJ), Gianna Sagazzio (CNI), Gilberto Peralta (Azul Linhas Aanãreas), Lua­s Manuel Rebelo Fernandes (PUC-Rio) e Da¡cio Matheus (reitor da UFABC).

 

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