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Brasileira integra equipe que pretende desvendar energia escura
Fla¡via Sobreira éprofessora do Instituto de Fa­sica Gleb Wataghin (IFGW) da Unicamp, e um dos dois brasileiros que participam do projeto
Por Luiz Sugimoto - 29/11/2019


Professora Fla¡via Sobreira, do IFGW

A cosma³loga Fla¡via Sobreira, professora do Instituto de Fa­sica Gleb Wataghin (IFGW) da Unicamp, éum dos dois brasileiros que participam do projeto do DESI (sigla em inglês para Instrumento Espectrosca³pico de Energia Escura), com o objetivo de investigar um dos maiores mistanãrios da astrofa­sica e da cosmologia: a energia escura, que compaµe quase 70% do universo e éresponsável por sua expansão acelerada. Instalado na cúpula do telesca³pio Mayal, no Observatório Nacional Kitt Peak (Arizona, EUA), o DESI édotado de 5.000 “olhos” robóticos para mapear a distância entre a Terra e 35 milhões de gala¡xias, durante cinco anos. Em 22 de outubro, o telesca³pio forneceu a primeira imagem de gala¡xias distantes, marcando o trabalho de uma década de aproximadamente 500 pesquisadores de 75 instituições em 13países.

Fla¡via Sobreira participa deste grande mapeamento do universo por meio do LIneA osLaborata³rio Interinstitucional de e-Astronomia, criado em 2010 com a missão de estimular e coordenar a participação de pesquisadores brasileiros nestes consãorcios internacionais para estudos em astrofa­sica e cosmologia. O laboratório éfinanciado em grande parte pelo INCT e-Universo (um dos Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia do governo federal), que pretende se basear na experiência acumulada e na infraestrutura disponibilizada pelo LIneA para formar uma nova geração de pesquisadores adaptados a esta nova realidade.  

“O LIneA funciona como um laboratório que não estãoligado a nenhuma instituição, oferecendo a brasileiros uma infraestrutura para esses experimentos. Participar de um projeto como o DESI émuito custoso, pagando-se uma taxa em torno de 300 mil da³lares por pesquisador, que não temos como bancar”, explica a professora do Departamento de Raios Ca³smicos da Unicamp. “Ha¡ cosma³logos espalhados por várias universidades do Brasil e que o LIneA fez foi juntar todos os interessados como uma instituição, servindo de elo com os consãorcios para esses grandes mapeamentos.”

Segundo Fla¡via Sobreira, sabe-se desde 1998 que o universo estãoem expansão acelerada, descoberta que rendeu o praªmio Nobel de Fa­sica de 2011 aos cosma³logos americanos Saul Permutter e Adam Riess e ao australiano-americano Brian Schmidt. “A descoberta mudou o olhar da cosmologia, já que os cientistas não esperavam por isso. A partir dali criou-se uma força-tarefa para tentar entender o que faz o universo se expandir desta forma acelerada. Va¡rios telesca³pios foram construa­dos e o avanço tecnola³gico tem melhorado bastante a precisão de nossos dados.”

A professora do IFGW explica que a cosmologia éuma área da astronomia que estuda a origem, estrutura e evolução do universo, ocupando-se amplamente, por exemplo, da teoria do Big Bang. “Temos o Espaço-tempo e, ali, a matéria, que de acordo com a lei da gravitação, são atrai; não hárepulsão de matéria. Mas imagine um monte de corpos que estãose afastando uns dos outros porque o universo estãose expandindo e, como a velocidade não éconstante, ele aumenta de tamanho cada vez mais e de forma acelerada. Isso vai contra o que sabemos sobre a atração da gravidade.”

Modelo cosmola³gico

Para tentar explicar o fena´meno, acrescenta Fla¡via, adicionou-se ao modelo cosmola³gico a energia escura, devido a  crena§a de que ela compaµe cerca de 70% da densidade de energia do universo e funciona como uma antigravidade fazendo o cosmo se expandir. “Trata-se do modelo Lambda-CDM, que queremos testar e verificar. Nada sabemos sobre a energia escura [o que anã, como éformada, de onde surgiu] e nunca serápossí­vel observa¡-la diretamente; com o modelo procuramos testa¡-la indiretamente. a‰ uma análise estata­stica, matemática: criamos um modelo de como pensamos o funcionamento do universo, com dados que são testados mediante a observação; se o modelo consegue explicar o que vocêvaª, podemos comea§ar a acreditar nele.”

A professora observa que, diferentemente da astronomia, a cosmologia não estãointeressada no que estãodentro da nossa gala¡xia e sim em mapear o universo. “Estudamos a distribuição dos milhões de pontinhos registrados pelo telesca³pio, que são gala¡xias em meio a milhões de outras estrelas (que precisamos saber separar). a‰ um trabalho impossí­vel de realizar sozinho. O que justifica a construção desses telesca³pios éque existe um grupo muito grande de pesquisadores, cada um com uma tarefa especa­fica no desenvolvimento da ciaªncia; a conclusão éa junção dos resultados obtidos por todo o grupo.”

Para oferecer uma ideia da imensida£o de dados, a cosma³loga da Unicamp lembra que quando iniciou suas pesquisas pelo LIneA, o telesca³pio Sloan Digital Sky Survey (SDSS) permitia observar por volta de 1 milha£o de gala¡xias; o Dark Energy Survey (DES), 300 milhões; e com outro em construção, Large Synoptic Survey Telescope (LSST), serápossí­vel observar 34 bilhaµes de objetos. “O avanço tecnola³gico na cosmologia tem sido aplicado de forma intensa em benefa­cio da sociedade. As ca¢meras fotogra¡ficas atuais, por exemplo, surgiram devido ao interesse em construir detectores mais precisos osusamos essas mesmas ca¢meras com tecnologia CCD (sigla em inglês de dispositivo de carga acoplada) para fotografar o universo.” 

Sem poluição luminosa

Fla¡via Sobreira ressalta que os telesca³pios são colocados sempre em regiaµes montanhosas, onde o canãu émuito limpo devido a  ausaªncia da poluição luminosa das cidades oso DESI estãoem um observata³rio a 2.000 metros de altitude, na montanha Kitt Peak, deserto de Sonora, EUA. “Antigamente os astrônomos éque comandavam a ca¢mera para onde queriam observar, enquanto esse novo telesca³pio opera automaticamente, estando programado para varrer determinada área do canãu. Estudar como as gala¡xias estãoali distribua­das nos traz muita informação.”

Conforme a pesquisadora, também épreciso ficar alerta para o surgimento de objetos indesejáveis, como um satanãlite que vai aparecer na imagem como uma linha brilhante. “Fazemos ciaªncia, mas também tem uma parte bonita. Certa vez, esta¡vamos apontando a ca¢mera do Dark Energy Survey [localizado no Cerro Tololo Interamerican Observatory, no Chile] para a área planejada e surgiu um cometa, que não era de interesse cienta­fico para estudos sobre energia escura, mas tiramos uma foto maravilhosa.”

Para este mesmo telesca³pio no Chile, recorda a cosma³loga do IFGW, a colaboração propa´s construir uma ca¢mera bastante poderosa em troca de usa¡-la para observações durante cinco anos, período que acabou estendido por mais um ano. “a‰ uma superca¢mera, que utiliza¡vamos na melhor metade de cada ano, liberando-a nos demais semestres para trabalhos mais pontuais, como de alguém interessado em observar um planeta novo osnosso interesse édiferente, pois queremos fazer um mapa de certa área do universo e precisamos de um bom tempo de observação. Acabou nosso tempo e a ca¢mera la¡ permanece, agora liberada para a sociedade, que acaba beneficiada pela tecnologia criada para esses equipamentos.”

Desde o Big Bang

Fla¡via Sobreira trabalha especificamente com Oscilações Acaºsticas Baria´nicas, em que uma das análises envolve a fase primordial do universo, surgido na "explosão" chamada Big Bang. “Depois disso, o universo sofreu uma expansão em ritmo vertiginoso - a inflação, entrando em seguida na fase quando era dominado basicamente por fa³tons osparta­culas relativa­sticas que estavam fortemente acoplados a  matéria. Ocorre que o universo continuou se expandindo e foi esfriando, atéatingir uma temperatura em que os fa³tons começam a se desacoplar da matéria baria´nica.”

A pesquisadora atenta que esta fase foi muito importante, visto que a pressão dos fa³tons tentando fazer com que a matéria se afastasse, resultou em ondas sonoras que se propagaram pelo espaço e ficaram congeladas. “Os fa³tons livres se desacoplaram quando o universo tinha apenas 400 mil anos (hoje tem cerca de 14 bilhaµes de anos), sendo que as gala¡xias se formaram muito tempo depois. Como as ondas sonoras ficaram “congeladas” neste momento do desacoplamento radiação-matéria, quando estudamos a distribuição e o grau de aglomeração de gala¡xias usando ferramentas estata­sticas, encontramos uma assinatura que permite inferir  a taxa de crescimento do universo.

Esta primeira imagem obtida pelo DESI serve para verificar o desempenho do instrumento e fazer ajustes necessa¡rios para a obtenção “em escala industrial” das imagens que fara£o parte de um levantamento cobrindo uma vasta regia£o do canãu. Ela épequena demais para a quantidade de gala¡xias que Fla¡via Sobreira costuma observar, sendo que a pesquisadora junta várias delas para identificar a posição de cada gala¡xia e criar um cata¡logo repleto de informações, como posição e brilho. “O fato éque em minhas análises não vejo as imagens, apenas um conjunto de dados que me permitem fazer, entre muitas outras coisas, a função de correlação. Esta primeira imagem, na verdade, nada significa em termos de ciência Mas quando se constra³i uma ca¢mera durante anos e se tira a primeira foto, éum sa­mbolo, um marco para uma análise estata­stica de dados bem feita que vai permitir muitas conclusaµes de como o universo funciona”.

 

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