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O Futuro da Universidade Paºblica e da Ciência no Brasil
Crise éa melhor hora para pensar o futuro da Ciência e da Universidade
Por Luiza Caires - 30/11/2019

Como abrir a mente para pensar o futuro da universidade e da ciência num momento em que a realidade atual do setor no Paa­s oscortes, ameaa§as e ataques osse apresenta como um rolo compressor sobre as cabea§as acadaªmicas? Para o ex-ministro da Educação e ex-reitor da UnB, Cristovam Buarque, não podemos ceder a  tentativa de desmoralização. “O que eles estãofazendo agora énos desmoralizar com estas falas tresloucadas, cortando verbas. Mas ébom saber que já foi muito pior. Alguns dos melhores professores e cientistas chegaram a ser demitidos, presos, exilados no Regime Militar. Nãopodemos deixar chegar a este ponto”, disse.

Nesta quinta-feira (28), Buarque e Isaac Roitman comandaram um debate sobre o futuro da produção do conhecimento e dos Espaços onde ela se da¡. Para quem estãono olho do furaca£o, a tarefa pode parecer a¡rdua, mas ambos enfatizaram momentos de crise como a melhor hora para pensar em transformações. Lua­s Carlos de Souza Ferreira, diretor do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP, unidade que organizou o evento, lembrou que a universidade inclui missaµes que va£o além da academia. “Tambanãm énosso dever pensar em como devemos nos posicionar agora para ter um futuro melhor. Falar, sim, dos erros que estãosendo cometidos fora. Mas também olhar para dentro, para o que podemos fazer aqui. Ser elementos ativos, não passivos”.

Fotomontagem: jornal.usp.br


Educação


Isaac Roitman, que atualmente coordena o Naºcleo de Estudos do Futuro da UnB, e já ocupou cargos de liderana§a em órgãos ligados a  educação e a  ciaªncia, não poupou cra­ticas ao sistema educacional brasileiro. “A pós-graduação éo [na­vel] ‘menos pior’. Quanto mais nos aproximamos donívelba¡sico, pior fica. Temos uma verdadeira traganãdia educacional. Uma escola que a s vezes não tem nem águanão pode educar uma criana§a. Que leva conteaºdo inaºteis, usando uma pedagogia ultrapassada. Nãoéa  toa que temos uma evasão escolar escandalosa, o desrespeito a  escola, a depredação. Ninguanãm depreda algo que ama”.

Uma das charges apresentada por Isaac Roitman ao comentar sobre o sistema educacional brasileiro – Reprodução do livro “Cuidado,escola! Desigualdade, domesticação e algumas saa­das”, Editora Brasiliense, 1987.

Na mesma linha, Cristovam Buarque disse que “dobramos o número de universita¡rios no Paa­s sem nos preocupar com a educação de base. Os alunos chegam a  faculdade despreparados”. Para o ex-ministro, “continuamos pensando que educação épara brancos e ricos”. Atémesmo definir a educação como direito pode ser problema¡tico, segundo Buarque, porque direito éassociado ao indiva­duo, que pode inclusive dispensa¡-lo. “Educação éuma necessidade e um dever porque éum vetor do progresso coletivo, não apenas individual”.

Buarque também acredita que o atual modelo de educação e universidade da¡ sinais de esgotamento, havendo a necessidade de transformação. “As universidades foram criadas, la¡ no ina­cio, para substituir os conventos como guardiaµes do conhecimento, quando estes Espaços ficaram superados. Agora éa universidade que estãoficando para trás na velocidade e capacidade de gerar conhecimento. Quem se forma hoje já sai desatualizado e precisa correr atrás. Diplomas fara£o cada vez menos diferença no mercado de trabalho do futuro”, prevaª.

Além de pensar sobre as transformações na geração de conhecimento e no aprendizado, o ex-ministro acha que merecem entrar nas reflexões para o futuro o aumento da longevidade; o desemprego que vira¡ com a adoção da Inteligaªncia Artificial osque vai trazer consequaªncias psicológicas, além das econa´micas; energia e transporte; e a condição humana em relação a  natureza.

Isaac Roitman também não se limitou a apontar os problemas, sugerindo reformas para todos os na­veis. Ele acredita que iniciação cienta­fica deve comea§ar desde o ensino fundamental, e prosseguir na universidade. “Todo curso de graduação deveria ser como a iniciação cienta­fica. Provocar o estudante com perguntas, deixando que ele seja o protagonista do pra³prio aprendizado, como sempre disse Paulo Freire.”

Para ele, trabalho publicado não pode ser o aºnico indicador de qualidade do professor. E a extensão não pode ser o “patinho feio” dos três pilares, ao lado de ensino e pesquisa; épreciso ter mais equila­brio. Quanto a  pós-graduação, Roitman avalia que épreciso mais planejamento. “Ha¡ um excesso de doutores que não são absorvidos nem pelo mercado nem pelas universidades”, diz, salientando que planejamento tem que ser em manãdio e longo prazo, sintonizado com as tendaªncias do Paa­s.

Tambanãm propa´s uma maior flexibilidade dos programas, inclusive no ingresso. “A OMS [Organização Mundial de Saúde] diz que pelo menos 4% das criana§as e jovens tem o que se chama hoje de altas habilidades. Aqui no Brasil jogamos esses talentos pelo ralo, pois, com a exceção do IMPA [Instituto de Matema¡tica Pura e Aplicada], que forma alguns doutores que não passaram pela graduação, as instituições não tem flexibilidade para recebaª-los”.

Ciência e sociedade


Em relação a  ciência produzida no Paa­s, Isaac Roitman lembrou que “temos uma história de grandes cientistas no passado, assim como hoje, fazendo ciência de ponta, e podemos nos orgulhar disso”. Mas para ir mais longe, épreciso que as universidades busquem o apoio da sociedade, divulgando melhor a ciência que produzem. E que “se integrem a  resistência, como muitas já vão fazendo”, disse, ao mencionar os ataques e cortes de recursos recentes. Buarque complementou dizendo que, pior que ter pouco recurso, éter um recurso intermitente. “Quem écientista sabe que isso desarticula a pesquisa”, disse.

Para o ex-ministro, poranãm, “o maior corte de recursos que temos na Universidade nem éde dinheiro, e sim de inteligaªncia, já que temos no Paa­s dois milhões de analfabetos totais, não incluindo os funcionais”, afirmou, se referindo aos potenciais talentos que estãosendo desperdia§ados e que nunca conheceremos, simplesmente porque estãoexclua­dos do sistema de educação. “Dos que entram na escola, apenas 40% va£o terminar o Ensino Manãdio, e mesmo entre os que conclua­rem, a maioria não tera¡ condições de entrar em uma universidade”, completou.

Debate


Paulo Muzy, ex-pesquisador do Instituto de Fa­sica propa´s que “devemos olhar com muita atenção para o quadro pola­tico hoje. A Universidade se acostumou, nos últimos 30 anos, a ouvir um discurso do Governo que, se não fosse de total atendimento ao que ela, a Universidade, pretendia, pelo menos era, do ponto de vista sema¢ntico, muito pra³ximo ao dela. E o que nosvemos hoje [na pola­tica] éum discurso mais pra³ximo do que o que existe na sociedade.” Muzy, que já ocupou cargos em governos estaduais anteriores, lembrou que as universidades passaram recentemente por uma CPI na Assembleia Legislativa. “Eu assisti a todas as sessaµes e foi uma coisa terra­vel porque, se por um lado, os deputados não eram pessoas preparadas para dialogar com a academia, por outro, eram as pessoas que foram eleitas. E se vocêacredita na democracia, esses homens estavam la¡ dizendo a opinia£o deles”, ponderou.

A empreendedora do Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia (Cietec) Leila Lopes Bezerra, contou sua experiência. “Fui professora e pesquisadora durante quase 40 anos e saa­ da academia para inovar. Meus colegas achavam que eu tinha perdido o jua­zo, com a minha idade, mas eu não queria fazer mais do mesmo, queria poder abrir o que a gente faz na universidade para chegar atéa sociedade.”

Para ela, “ficar encapsulado éum erro enorme que cometemos. a€s vezes eu me sinto muito sozinha, mas ouvindo o que foi falado aqui eu me sinto menos são. Inclusive, os professores poderiam ter dito aos alunos que hoje a aula seria aqui neste audita³rio. Estamos fazendo algo que universidade brasileira faz pouco: autocra­tica, e por isso ela não evoluiu”.

“Quando a gente vai para rua em defesa da universidade pública, da ciência e tecnologia, são a universidade estãona rua. O pipoqueiro não estãona Avenida Paulista e nem na Candela¡ria. Por que a gente não sensibilizou essas pessoas? Onde a universidade errou na sua auto-reflexa£o e no seu impacto social?”, questionou Leila Bezerra.

Pegando o gancho da menção de Cristovam Buarque ao momento de desa¢nimo, a professora do ICB Rita de Ca¡ssia Ferreira trouxe para a discussão o tema do suica­dio. “No seu trabalho, professor pode encantar. E pode desencantar também. Hoje, muitas vezes, o desencanto estãovindo de dentro da própria universidade”, disse a docente.

A engenheira recanãm formada pela Unesp Thais Ca¢ndido Roberto também acredita que os professores devam estimular mais a participação nos debates sobre a universidade. “a€s vezes édifa­cil para quem já saiu hámuito tempo da graduação lembrar como era sua cabea§a na anãpoca. Nem sempre o aluno sabe o que émelhor para ele. Ha¡ poucos anos, se me dissessem que haveria este evento, provavelmente eu não viria”. Hoje, ela afirma conseguir ver o enorme valor de uma discussão sobre temas como esses, que não estãono curra­culo. “Os professores também precisam ser guias”, disse.

 

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