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Pesquisa analisa o Programa Cisternas nas Escolas que contempla a regia£o do semia¡rido brasileiro
Dissertaa§a£o defendida no IG analisou resultados da aa§a£o que visa a construa§a£o de cisternas com capacidade de armazenamento de 52 mil litros de águada chuva em escolas rurais
Por Eliane da Fonseca Daré - 29/02/2020


Kezia Andrade dos Santos, autora da dissertação: A ideia surgiu em 2017
quando foi a responsável por acompanhar a implantação do programa
em 19 escolas da zona rural de Mucugaª, na Bahia 

Quando pensamos na seca do semia¡rido brasileiro, uma das imagens que nos vem a  memória éa do quadro “Retirantes”, de Ca¢ndido Portinari - uma familia pobre, carente de águae de alimentos saindo de sua regia£o em busca de uma vida melhor. Mas como reverter a situação retratada na obra e tão marcante na vida de quem mora naquela regia£o? Desde o período colonial, políticas públicas priorizam ações de combate a  seca. No entanto, esse éum fena´meno natural recorrente, impossí­vel de ser combatido. Ha¡ cerca de 20 anos distintas organizações da sociedade civil, como associações de agricultores, cooperativas, sindicatos rurais, entre outras, reuniram-se para transformar a relação do homem com o espaço a partir dos princa­pios de convivaªncia com o semia¡rido. Nasceu assim a Articulação Semia¡rido Brasileiro (ASA), centrando suas ações no direito ao acesso a  terra e a  a¡gua.

Uma das ações desenvolvidas éo Programa Cisternas nas Escolas, que visa a construção de cisternas com capacidade de armazenamento de 52 mil litros de águada chuva em escolas rurais do semia¡rido brasileiro. O Programa foi o foco da dissertação de mestrado de Kezia Andrade dos Santos, defendida no ini­cio de fevereiro no Instituto de Geociências (IG) da Unicamp, no Programa de Ensino e Hista³ria de Ciências da Terra. A pesquisa teve como orientador Roberto Greco, docente e coordenador da Comissão de Extensão do IG, e como co-orientadora Priscila Pereira Coltri, pesquisadora e diretora associada do Centro de Pesquisas Meteorola³gicas e Clima¡ticas Aplicadas a  Agricultura (Cepagri).

Kezia analisou como o Programa contribui para ressignificar o entendimento acerca do fena´meno da seca e a convivaªncia no semia¡rido brasileiro, especialmente com a população rural. “Os resultados obtidos mostram que o Programa realmente contribui a partir das capacitações oferecidas sobre educação contextualizada, a partir da valorização do homem do campo e da valorização do conhecimento local sobre o entendimento acerca do fena´meno da seca”, aponta.

A ideia de pesquisar o tema surgiu em 2017, quando Kezia trabalhava na Secretaria de Educação do munica­pio de Mucugaª, na Bahia. Ela foi a responsável por acompanhar a implantação do programa em 19 escolas da zona rural da cidade. “Participei de todas as etapas oscadastramento, execução da obra, fiscalização, organização das capacitações”, disse a mestre. “Ela teve uma posição privilegiada para acompanhar e construir uma rede de contatos. Com isso, tentamos analisar os resultados desse programa ao longo do tempo. No grupo de pesquisa Geociências e Sociedade que coordeno, uma das linhas de pesquisa se dedica ao ensino. Por isso, nosso objetivo foi entender como a metodologia utilizada no projeto de ensino contextualizado contribua­a para o aprendizado e atividades de educação da escola e para essa mudança de paradigma”, disse o orientador Roberto Greco.

A partir da troca do paradigma combate a  seca por convivaªncia com a seca, a dissertação contribui para entender melhor o que éo semia¡rido, o que éa vivaªncia das populações naquela área e como as populações locais tem grande potencialidade sobre o ambiente em que vivem.  “O conhecimento pode ser adquirido e passado por gerações. Ha¡ valorização do homem do campo, das mulheres, dos pra³prios alunos na produção do conhecimento. Os professores tem um novo olhar sobre o que éo ambiente semia¡rido, sobre o que éuma cisterna e sobre o acesso a  a¡gua”, aponta Kezia.

Para Greco, com as propostas da ASA, que utilizam tecnologia social a baixo custo, moradores rurais podem se empoderar e aprender a utilizar essas obras. “Na maioria dos casos são eles mesmos que constroem as cisternas utilizando os materiais fornecidos pelo Programa. Já estãomudando a perspectiva das pessoas que estãotendo acesso a a¡gua, mas também estãoentendendo seus direitos e responsabilidades, adquirindo um novo patamar de cidadania”, disse Greco. De 2009 a 2017, 571 munica­pios do semia¡rido brasileiro já haviam sido contemplados com o Programa.

Convivaªncia com a seca

No imagina¡rio popular brasileiro éimpossí­vel de se habitar na seca e impossí­vel de conviver com ela. “Essa visão de combate indica que vocêestãoligado a  fatalidade do caso e da situação em que estãoempregado. Já o paradigma da convivaªncia mostra que épossí­vel viver de forma digna com as potencialidades do local, que eram negligenciadas como se fosse um lugar são de limitações. Sob o olhar da convivaªncia, esse éum fena´meno natural que estãoali em dado espaço de tempo, mas que épossí­vel, atravanãs de técnicas certas e da utilização correta do solo e dos pra³prios recursos naturais, conviver com esse ambiente”, lembra Kezia.

Priscila Coltri, que éagrometeorologista, conta que passou a ver o clima sob um ponto de vista diverso ao que estãoacostumada. “O Cepagri lida com a¡gua. Com a dissertação, passamos a olhar a seca pelo lado da convivaªncia. Fomos educados a pensar que o sertanejo precisa fugir da seca que causa fome e que naquela regia£o nada se planta. Mas épossí­vel conviver com esse fena´meno, por exemplo, se plantarmos as espanãcies arba³reas certas”, aponta.

Os estudos também indicaram que o Programa colabora para o desenvolvimento regional de forma sustenta¡vel e participativa. Segundo a Kezia, “ao respeitar o ambiente e aplicar corretas técnicas de manejo sustenta¡vel, a população tem voz ativa. A educação também éum pilar dessa convivaªncia, que éimportanta­ssima para a construção do conhecimento. Assim como a a¡gua, ela passa a ser um instrumento de direito e não de favor”.

O Programa visa ainda a capacitação de profissionais que atuam diretamente nas escolas osmerendeiras, agentes de limpeza, professoras, coordenadores e diretores. Kezia teve contato com esses atores sociais durante sua dissertação. “Atravanãs de oficinas de gerenciamento de recursos ha­dricos escolar, as merendeiras, por exemplo, passam por capacitação para que entendam a dina¢mica das cisternas e como éo cuidado com a a¡gua”, informa a pesquisadora. Já a população geral tem reuniaµes com técnicos em que a comunidade passa a entender o que pode ser feito atravanãs do programa. “A cisterna não ésão para a escola. Se faltar águana comunidade, a população tem direito de utiliza¡-la”, lembra Kezia. A comunidade tem, portanto, o poder de participar e ajudar. “Muitas pessoas levavam águae bolos e se sentiam parte da construção”, finaliza.

 

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