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Unicamp e Washington University reforçam parceria em pesquisa global sobre impactos da covid-19
O objetivo érealizar pesquisas simultaneamente em diferentespaíses, na busca por respostas mais abrangentes aos desafios impostos pelo novo coronava­rus
Por Juliana Franco - 16/07/2020


Unicamp e Washington University

Duas pesquisas da Unicamp em parceria com a Washington University estãoentre as onze iniciativas selecionadas em um edital de cooperação cienta­fica internacional voltado a  investigação dos impactos da pandemia do novo coronava­rus sobre a saúde pública, a economia e a sociedade.

Lana§ada em abril pela McDonnell International Scholars Academy osrede que reaºne cerca de 30 universidades de pesquisa de primeira linha de diferentes partes do mundo osa chamada teve como foco pesquisas interdisciplinares em duas áreas: questões de saúde pública decorrentes de doenças infecciosas como a covid-19, e o impacto social de longo prazo desta e de futuras pandemias. O objetivo érealizar pesquisas simultaneamente em diferentespaíses, na busca por respostas mais abrangentes aos desafios impostos pelo novo coronava­rus osos projetos va£o receber até50 mil da³lares para dar ini­cio a s atividades, recursos que sera£o administrados conjuntamente pelas instituições parceiras.

Covid-19 e gravidez

A médica obstetra Maria Laura Costa do Nascimento, professora do Departamento de Tocoginecologia da Faculdade de Ciências Manãdicas (FCM) da Unicamp, vai conduzir a pesquisa sobre as consequaªncias da infecção pelo coronava­rus na gravidez, com foco na coleta e análise de amostras da placenta de gestantes com teste positivo para a covid-19. O estudo seráfeito dentro do Centro de Atenção Integral a  Saúde da Mulher (Caism), onde atualmente todas as mulheres internadas para parto já são testadas para a doena§a, independente da apresentação de sintomas. O mesmo fara¡ a professora Indira Mysorekar no Barnes-Jewish Hospital, que fica na Washington University, em Saint Louis, no estado de Missouri, Estados Unidos. Elas pretendem relacionar dados clínicos e laboratoriais de ao menos 40 gestantes em cada universidade osalém da placenta, sera£o analisados outros materiais biola³gicos, como amostras do la­quido amnia³tico e do sangue do corda£o umbilical, das secreções respirata³rias dos bebaªs e do leite materno. Para Maria Laura, a parceria entre as duas instituições vai permitir estabelecer importantes comparativos entre os doispaíses que, juntos, representam hoje quase 50% dos casos confirmados de covid-19 no mundo.

“Nosso objetivo éinvestigar se tem va­rus detecta¡vel na placenta e quais são as vias implicadas na infecção. Existem poucos estudos publicados atéentão sobre a possibilidade de transmissão vertical, quando a infecção passa da ma£e para o bebaª, o que pode ocorrer antes, durante ou depois do parto, por meio da amamentação ou do contato”, explica. Como a placenta éuma das possa­veis vias de transmissão intraaºtero, a pesquisa busca entender se a infecção do órgão pode causar danos pela ação direta do va­rus, ou se são os efeitos da doença no corpo da ma£e que geram alterações na placenta que, por sua vez, podem comprometer a nutrição ou desenvolvimento do bebaª.

Segundo Maria Laura, embora atéo momento não haja inda­cios de que as gestantes são mais suscetíveis ao coronava­rus, quando infectadas já se sabe que complicações associadas podem ocorrer. “Aumenta o risco de parto prematuro, de rotura de bolsa, e de uma complicação grava­ssima para a gestação, que éhoje a principal causa de morte materna no Brasil: a pré-ecla¢mpsia (pressão alta durante a gravidez), cujos sintomas parecem estar associados aos da covid-19”.

A hipa³tese central do estudo éque tais complicações podem estar relacionadas a  presença na placenta de um receptor para o coronava­rus chamado angiotensina 2 (ACE2), que embora já amplamente descrito em outros sistemas, segue um enigma no a³rga£o. “Os estudos são controversos: tem estudo que mostra que a placenta expressa esse receptor, e tem estudo que não, e talvez isso seja atéum mecanismo de proteção para a transmissão vertical, isto anã, que possa estar relacionado ao fato de o coronava­rus não gerar danos mais graves, como a ma¡-formação fetal observada nos casos de infecção pelo zika va­rus, por exemplo”.  Segundo a pesquisadora, o ACE2 faz parte do sistema renina-angiotensina (SRA), cuja via de ativação desempenha importante papel no desenvolvimento placenta¡rio, na angiogaªnese (formação dos vasos sangua­neos) e na regulação da pressão arterial.

Para a análise das placentas, seráutilizado um protocolo adaptado a partir da pesquisa que Maria Laura vem realizando sobre o zika va­rus, em que são retiradas amostras de várias partes do a³rga£o. Diferente do protocolo tradicional do Ministanãrio da Saúde, que preconiza a coleta de apenas uma regia£o aleata³ria da placenta, o manãtodo que a pesquisadora aprendeu e aprimorou junto aos colegas da Washington University, além de aumentar a representatividade de amostras, também agrega medidas adicionais de biossegurança, o que, no caso do zika, permitiu um aumento significativo no número de diagnósticos positivos. “Tudo isso vai ser importante para investigar o coronava­rus e também para investigar o risco de transmissão vertical”, reforça a obstetra.

Para Maria Laura, ter o projeto selecionado num esfora§o internacional de pesquisa sobre a covid-19 éuma motivação importante num cena¡rio que tem exigido muito de todos os que atuam na assistaªncia a  saúde e na pesquisa cienta­fica. “Isso mostra o manãrito acadêmico da Unicamp, e a capacidade que a instituição tem de responder de maneira rápida diante das dificuldades. Fico feliz que o projeto esteja também fortalecendo uma parceria que já vem de muitos anos entre as duas universidades”.

Os efeitos da pandemia no cuidado a pessoas com HIV

Outra pesquisa que a Unicamp vai desenvolver em parceria com a Washington University pretende monitorar os impactos da pandemia de covid-19 na assistaªncia a  saúde de pessoas com HIV, envolvendo pacientes dos centros especializados de cada universidade.

Desde 2013, Ma´nica Jacques de Moraes, médica infectologista e pesquisadora do Grupo de HIV/AIDS da FCM, mantanãm parcerias com a equipe da Divisão de Doena§as Infecciosas da Washington University. No ano passado, durante sua última viagem a Saint Louis como fellow da instituição, pode estreitar relações com o infectologista Elvin Gang e a antropa³loga médica Shanti Parikh osantes mesmo da eclosão da pandemia, o três já vinham alinhavando uma pesquisa conjunta para monitoramento de políticas de saúde pública de HIV/AIDS, a qual foi prontamente adaptada a  chamada da McDonnel Academy.

“A gente vai analisar a interação entre essas duas epidemias, isto anã, se houve algum prejua­zo no cuidado a pessoas com HIV por conta da pandemia de covid-19, com todas as modificações no sistema de saúde que estãoocorrendo no momento”, conta Ma´nica. Ela ficara¡ responsável pelo monitoramento dos cerca de 2700 pacientes atendidos pelo Ambulata³rio de HIV/AIDS da Unicamp, enquanto Gang pelos quase 2 mil pacientes do programa de HIV da universidade americana (WU ID Clinic). Já Shanti ira¡ trabalhar com uma amostragem dos pacientes de cada universidade para realizar uma análise qualitativa do impacto da pandemia, atravanãs de entrevistas e outros procedimentos antropola³gicos.

O estudo pretende analisar diferentes parametros do cuidado a pessoas com HIV antes, durante e depois da eclosão da pandemia, ou seja, ira¡ abranger os seis meses anteriores a fevereiro deste ano , quando os diagnósticos começam a ser confirmados nos doispaíses, e os seis meses posteriores ao período pandaªmico, inicialmente estabelecido entre fevereiro e setembro de 2020. “Infelizmente, talvez esse período pandaªmico ainda se estenda por mais tempo nos doispaíses, então teremos que fazer alguns ajustes”, admite a pesquisadora. 

“Existem alguns indicadores de qualidade de cuidado em HIV, como por exemplo, quantas pessoas interromperam o tratamento no período, quantas pessoas foram diagnosticadas e começam o tratamento em cada período, quanto tempo demorou do diagnóstico ao ini­cio da medicação, qual o estado saúde do paciente quando iniciou o acompanhamento, e também as medidas de carga viral ao longo destes três períodos, que éum indicador de sucesso terapaªutico”, explica a pesquisadora. Já a parte qualitativa da pesquisa osque na Unicamp contara¡ com a colaboração da área de Psiquiatria da FCM, em especial do professor Paulo Dalgalarrondo osvai focar na experiência dos pacientes durante a pandemia, isto anã, se eles foram bem orientados ou se sentiram descuidados durante a pandemia, se tiveram problemas com o acesso aos tratamentos, se foram infectados ou tiveram familiares que adoeceram pelo coronava­rus e assim por diante. A estimativa dos pesquisadores éde que a coleta de dados tenha ini­cio em setembro, quando se espera a retomada das consultas de rotina presenciais, que foram adiadas em razãoda covid-19.

“O interessante éque Saint Louis e Campinas tem muitas semelhanças: são cidades praticamente do mesmo tamanho, o número de pacientes atendidos nos ambulata³rios de cada universidade équase o mesmo, assim como o perfil dos pacientes atendidos, geralmente da mesma faixa eta¡ria. Tem algumas diferenças osnostemos mais mulheres, eles mais homens; e la¡ háum número maior de pacientes usuários de substâncias intravenosas –, mas éum perfil muito parecido, e um tipo de tratamento antirretroviral também muito semelhante, o que permite ajustar bem os procedimentos pesquisa”, acredita Ma´nica.

No ini­cio de julho, um relatório da Unaids, programa conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS, alertou que as metas de 2020 não sera£o cumpridas e que hágrande risco da pandemia de covid-19 prejudicar as políticas públicas na área. Segundo o documento, uma interrupção completa de seis meses no tratamento do HIV pode causar mais de 500 mil mortes adicionais na áfrica Subsaariana até2021, o que representaria um retrocesso de 10 anos nos na­veis de mortalidade na regia£o. “Embora a gente esteja experimentando vários retrocessos no nossopaís, temos um programa de HIV muito bem-sucedido, que ao longo desses últimos 30 anos sempre tivemos muito orgulho de participar, porque éum programa de alto na­vel. Os efeitos da pandemia va£o variar de local para local, e a Unaids estãomuito atenta a  epidemia de HIV na áfrica, onde pode haver sim impactos maiores. Aqui no Brasil a gente acha que vai ter impacto também, principalmente em novos diagnósticos e no ini­cio do tratamento, mas esperamos que seja algo via¡vel de se recuperar logo em seguida”, comenta a infectologista.  Segundo ela, a situação vem sendo trabalhada pelos servia§os de HIV vinculados ao Ministanãrio da Saúde, que desde meados de mara§o já foram mobilizados para estabelecer protocolos que garantam a assistaªncia aos pacientes durante a pandemia.

Na Unicamp, Ma´nica conta que, por causa do coronava­rus, uma das primeiras medidas foi prorrogar a validade dos receitua¡rios, para facilitar o acesso aos medicamentos e a continuidade do tratamento. Além disso, todos os pacientes de HIV em acompanhamento tiveram seus exames de rotina checados e foram contatados por telefone para receber orientações da equipe, que pa´de assim identificar os casos que necessitavam de consulta por telefone ou presencial osapenas três deles com diagnóstico positivo para a covid-19, o que, segundo a infectologista, reforça os inda­cios de que não haveria um risco aumentado de contaminação dessas pessoas. “Era uma preocupação que a gente tinha, mas no mundo inteiro, os ambulata³rios de HIV estãoobservando um número relativamente pequeno de pessoas com HIV que tiveram a covid-19. Temos observado também que algumas pessoas que não estavam se cuidando, que estavam em abandono de tratamento, por medo da pandemia voltaram a se cuidar melhor”, observa.

“Acho que a cooperação entre as duas universidades fica mais sãolida a partir de um projeto conjunto como esse. Fico muito satisfeita, pois éum tema que demanda respostas que vamos poder contribuir para encontrar”, conclui Ma´nica.

 

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