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Negacionismo exige maºltiplas frentes de enfrentamento, defendem reitores e liderana§as estudantis
Sandra Goulart Almeida participou de debate promovido pela Associaa§a£o Nacional de Pa³s-graduandos
Por Ewerton Martins Ribeiro - 16/08/2020


Diferentes tipos de negacionismos e modos de sua operação tematizaram comunicações dos reitores - Reprodução: Raphaella Dias / UFMG

O mundo enfrenta hoje não um são negacionismo, mas negacionismos osque, por plurais, demandam também diferentes frentes de enfrentamento. Esse foi um ponto de consenso na mesa-redonda Negacionismo e o papel da ciência na Amanãrica Latina, promovida na tarde desta sexta-feira, dia 14, pela Associação Nacional de Pa³s-graduandos (ANPG), da qual participaram Sandra Regina Goulart Almeida, reitora da UFMG, Rodrigo Arim, reitor da Universidade da República (Udelar), do Uruguai, Franco Bartolacci, reitor da Universidade Nacional do Rosa¡rio (UNR), da Argentina, e Iago Montalva£o, presidente da Unia£o Nacional dos Estudantes (UNE).

Em sua fala de abertura, Sandra lembrou que essa a pluralidade ose a própria proliferação do negacionismo contempora¢neo osnão égratuita. Elas atendem a interesses específicos os“econa´micos, pola­ticos, religiosos” osnão raro voltados para a exploração do ser humano. “Como profissional das letras, interessa-me em especial o malabarismo reta³rico dessas estratanãgias de negacionismo. Esse malabarismo éuma marca discursiva muito forte dessas posturas”, afirmou a reitora, lembrando que o formato atraente dessas narrativas invera­dicas termina arregimentando grande número de pessoas. “Algo deu muito errado para termos chegado aonde chegamos”, lamentou Sandra.

Mediadora da mesa, Fla¡via Calanã, presidenta da ANPG e mestranda em Hista³ria Econa´mica na USP, afirmou que o negacionismo é“tema candente” do momento atual brasileiro e uma das razões de o Brasil ter alcana§ado a marca de mais de 100 mil mortos em razãoda pandemia de Sars-coV-2. Ela apresentou a reitora da UFMG como “uma das liderana§as do processo de resistência brasileira” aos equa­vocos da gestãopública da pandemia. 

Iago Montalva£o, por sua vez, lembrou que “não éuma coincidaªncia” que o fena´meno do negacionismo esteja ocorrendo e se desdobrando não apenas no Brasil, mas em diversas partes do mundo. “Esse movimento negacionista tem uma coordenação e conta com seus pra³prios pensadores, os seus incentivadores, que tem fontes e financiamentos muito bem localizados”, disse ele.

O presidente da UNE, que cursa Economia na USP, reiterou que, no contexto da atual pandemia, o movimento negacionista passou a ter uma consequaªncia direta e objetiva na realidade brasileira: o aumento do número de mortes. “O negacionismo também significa morte. Morte nessa perspectiva de não se investir na área correta, de negar aquilo que a ciência aponta como destinação de recursos", destacou. “Cem mil mortes registradas osha¡ que se falar também das mortes subnotificadas, que desconhecemos ospor conta do coronava­rus éuma estata­stica assustadora, se pensamos na relação entre o número de mortos pela covid-19 e o número de recuperados”, disse.

Tendaªncia autorita¡ria agrava negacionismo

Ao lana§ar um olhar sobre o negacionismo na Amanãrica Latina, o reitor da Udelar, Rodrigo Arim, vinculou o agravamento do problema a  tendaªncia autorita¡ria que tem tomado a regia£o. “Os grandespaíses do continente, os Estados Unidos e o Brasil, tem governos em que suas máximas autoridades, suas figuras referentes para a população osos seus presidentes osnegam sistematicamente algumas áreas do conhecimento”, disse ele, expandindo o seu racioca­nio para as Amanãricas como um todo.

Arim lembrou que o negacionismo éestratanãgia pola­tica dos governantes da regia£o para se sustentar no poder e alertou para os riscos que ameaa§am a produção de conhecimento relevante na Amanãrica Latina. “a‰ impossí­vel que universidades de qualidade convivam com autocracias e seus mecanismos de repressão do pensamento cienta­fico”, disse. Economista, o reitor ponderou que a crise, em princa­pio sanita¡ria, também éprofundamente social e econa´mica. “E éprova¡vel que asDimensões social e econa´mica [por causa da ma¡ gestãoda sua dimensão sanita¡ria] tenham consequaªncias de longo prazo muito mais profundas que a própria dimensão sanita¡ria”, disse.

Franco Bartolacci, por sua vez, delimitou as formas de operação do negacionismo contempora¢neo em cinco frentes. Primeiro, falou do fomento a s teorias da conspiração, em que a ciência pacifica algum entendimento como certo osestabelecido, o negacionismo argumenta que haveria um compla´ tentando disseminar aquele consenso. Em seguida, falou da estratanãgia de se mobilizar falsos especialistas, “pessoas que pretendem ser especialistas em uma área particular, mas de opiniaµes totalmente incompata­veis com o conhecimento estabelecido”. Nesse quesito, citou os “especialistas” mobilizados pelo negacionismo interessado em relativizar a ineficiência da hidroxicloroquina como tratamento para a covid-19.

O reitor da UNR osque écientista pola­tico osainda lembrou a “seletividade” (tendaªncia a desprezar todo o conteaºdo que reitera o consenso cienta­fico e a mobilizar apenas os discursos que, de pouco ou nenhum rigor cienta­fico, antagonizam com esse consenso) como forma de operação do negacionismo, o uso de tergiversações discursivas ou de fala¡cias lógicas e a criação de expectativas impossa­veis para a rigorosa investigação cienta­fica, que, por sua própria natureza, demanda um tempo processual que não éo mesmo das expectativas do senso comum.

"A batalha a que temos assistido, e que vem interpelando como nunca a ciaªncia, não ocorre são nos laboratórios e nos hospitais: ocorre também nos meios de comunicação, sejam eles formais [como os jornais e a imprensa, em geral] ou informais, como as redes sociais onde estãoos formadores de opinia£o", disse Bartolacci. 

Para finalizar, o cientista pola­tico reiterou, em tom de alerta: “O negacionismo nunca éinocente, ele sempre atua para alcana§ar um objetivo”.

 

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