Humanidades

Lutando para 'segurar o céu'
Advogado indígena brasileiro fala sobre luta pelos direitos indígenas, administração da terra em meio à mineração ilegal, mudanças climáticas na Amazônia
Por Liz Mineo - 20/10/2022


“No Brasil, quando falamos de direitos indígenas, estamos falando de direitos à terra. Todos os demais direitos à saúde, educação, etc., têm origem no direito às nossas terras ancestrais”, diz Luiz Eloy Terena, que representa as comunidades indígenas. Rose Lincoln/fotógrafo da equipe de Harvard

Luiz Eloy Terena deixou sua aldeia indígena no Brasil ainda criança, pensando que iria estudar educação ou biologia e voltar um dia para ajudar sua comunidade. Ele estava parcialmente certo. Terena tornou-se advogada com doutorado em antropologia social, sociologia e direito, e hoje atua como consultora jurídica da Associação dos Povos Indígenas do Brasil. Terena, 34, uma conhecida defensora dos direitos indígenas no Brasil, participou de um painel na quarta-feira sobre mineração ilegal na Amazônia e seus efeitos na saúde pública, meio ambiente e direitos indígenas patrocinado pelo David Rockefeller Center for Latin American Estudos. A Gazeta conversou com Terena via Zoom na semana passada sobre seu trabalho, os efeitos das mudanças climáticas, incêndios, desmatamento e mineração ilegal na Amazônia e os desafios para os direitos indígenas no Brasil. Ele falava em português de Campo Grande, capital do estado de Mato Grosso do Sul.

Perguntas e respostas
Luiz Eloy Terena


Como decidiu ser advogado?

TERENA: Nasci e cresci na aldeia de Ipegue no Mato Grosso do Sul. Naquela época, na minha aldeia, a escola era apenas até a quarta série. Minha mãe queria que continuássemos nossa educação, e a única maneira de fazer isso era deixando nossa aldeia. Ela se mudou para a cidade de Campo Grande para trabalhar como doméstica, e nós fomos com ela. Depois que terminei o ensino médio, fui para a faculdade. Faço parte de uma geração de jovens indígenas brasileiros que conseguiram ir para a faculdade graças às políticas de ação afirmativa promulgadas pelo ex-presidente Lula da Silva.

Meu objetivo sempre foi voltar para minha aldeia. Eu originalmente queria estudar educação ou biologia, mas fui influenciado por minha irmã, que queria se tornar advogada. Quando comecei a trabalhar em casos representando comunidades indígenas e lutando por nossos direitos, encontrei minha vocação.

“Proteger a Amazônia é uma responsabilidade global, não apenas de quem vive lá.”

— Luiz Eloy Terena

Você trabalha como advogado indígena no Brasil há 10 anos. Quais foram os ganhos para o movimento indígena nessa década?

TERENA: Nesses anos, houve lutas, mas também muitas conquistas. Já representei as tribos Terena, Guarani-Kaiowá, Kadiwéu e Kinikinau nas cortes, o que tem sido uma grande conquista para os indígenas. Por muitos anos no Brasil, os indígenas não eram autônomos porque estavam sob “tutela” de um órgão federal, a Fundação Nacional do Índio. As comunidades indígenas com reclamações legais tiveram que ser representadas por essa entidade nos tribunais. Foi somente quando a Constituição brasileira de 1988 reconheceu os indígenas como autônomos que pudemos nos representar e lutar por nossos direitos nos tribunais. Em 2013, representei uma comunidade indígena contra um grupo de fazendeiros,ou fazendeiros, que planejavam um leilão para financiar uma milícia privada para “proteger” suas fazendas. Sabemos que muitas dessas milícias privadas muitas vezes mataram líderes indígenas que tentavam proteger suas terras ancestrais. Em uma decisão histórica, a Justiça ficou do lado dos demandantes indígenas e declarou a ilegalidade do leilão.

Em 2020, como consultor jurídico de uma coalizão de organizações indígenas no Brasil, Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, apresentei uma petição ao Supremo Tribunal Federal pedindo ao governo que adote medidas para proteger as comunidades indígenas do COVID-19. A Suprema Corte decidiu a nosso favor, e essa foi a primeira vez que um advogado indígena recebeu uma decisão favorável da Suprema Corte do Brasil. Tem sido crucial para os indígenas litigarem nos tribunais exercendo seus direitos como pessoas autônomas.

Qual é a situação dos direitos indígenas no Brasil?

TERENA: No Brasil, quando falamos de direitos indígenas, estamos falando de direitos à terra. Todos os outros direitos à saúde, educação, etc., originam-se dos direitos às nossas terras ancestrais. Desde a conquista do Brasil pelos portugueses em 1511, normas para proteger os direitos dos povos indígenas existem no papel, mas nunca foram cumpridas. Em nome do progresso, os direitos indígenas sempre foram violados. A Constituição de 1988 reafirmou o direito original dos povos indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupavam, mas muito pouco foi feito na vida real. A partir de agora, há muitos casos de demarcação de terras em tribunais ainda a serem resolvidos. Centenas de comunidades indígenas foram expulsas de suas terras durante a ditadura militar [1964-1985] e agora estão nas mãos de empresas do agronegócio. O Brasil é signatário de tratados internacionais que protegem os direitos dos povos indígenas, mas nem a Constituição nem os tratados são respeitados. Nos últimos 30 anos, houve um esforço conjunto para restringir o direito à terra dos povos indígenas por grupos ligados ao agronegócio e produtores de gado e soja. Eles argumentam que, de acordo com a Constituição, apenas as terras que foram ocupadas por indígenas em 1988 podem ser reconhecidas como terras indígenas. Defendemos que os direitos dos povos indígenas são originais e anteriores a 1988. somente terras que foram ocupadas por indígenas em 1988 podem ser reconhecidas como terras indígenas. Defendemos que os direitos dos povos indígenas são originais e anteriores a 1988. somente terras que foram ocupadas por indígenas em 1988 podem ser reconhecidas como terras indígenas. Defendemos que os direitos dos povos indígenas são originais e anteriores a 1988. 

Qual é o tamanho da população indígena no Brasil e quais são seus principais desafios?

TERENA: De acordo com o Censo de 2010, são 830 mil indígenas. Eles pertencem a 305 comunidades diferentes e falam 274 idiomas. São 114 grupos que vivem isolados, mas os números podem ser maiores. Para nós, o problema mais urgente é a falta de demarcação e proteção dos territórios indígenas; algumas terras foram demarcadas, mas não estão protegidas. Muitas de nossas terras foram invadidas por garimpeiros , garimpeiros ilegais, fazendeiros de soja, pecuaristas e madeireiros ilegais. A situação se agravou com o governo de Jair Bolsonaro, que não tem mostrado respeito pelos direitos indígenas. O outro grande problema é o racismo contra os indígenas no Brasil. Existem várias cidades no interior do Brasil onde os indígenas são perseguidos, maltratados e mortos.

Uma mudança positiva é que o número de indígenas nas universidades aumentou devido às políticas de ação afirmativa, mas ainda há muitos desafios: alcoolismo, dependência de drogas, abuso sexual e suicídio entre os jovens.

Quais são os efeitos das mudanças climáticas na vida da Amazônia e dos povos indígenas?

TERENA: Os povos indígenas enfrentam os efeitos das mudanças climáticas todos os dias. Somos chamados de guardiões da floresta, mas não podemos esperar que carreguemos esse fardo sozinhos. Como disse Davi Kopenawa, xamã e líder do povo Yanomami: “Não sabemos por quanto tempo mais poderemos sustentar o céu”. A Amazônia está sendo ameaçada pelas mudanças climáticas, mas também pela mineração ilegal de ouro, desmatamento, extração ilegal de madeira e pela falta de demarcação de terras indígenas.

A Amazônia é importante para o planeta, mas para nós, indígenas, a Amazônia é nossa casa, nossa mãe. É a casa de nossos ancestrais e o lugar de onde vem nossa espiritualidade e força. Nos últimos anos, vimos vários povos indígenas na Amazônia serem extintos porque quando o último membro de uma comunidade indígena morre, sua língua e cultura também morrem. Queremos protegê-lo, mas não podemos fazê-lo sozinhos. O futuro dos povos indígenas e da humanidade está em jogo. Proteger a Amazônia é uma responsabilidade global, não apenas de quem vive lá.

 

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