Pesquisa aponta que divulgaa§a£o ainda esbarra na habilidade comunicacional dos produtores e gestores de conteaºdo cientafico
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Autofagia éo ato do homem ou animal nutrir-se da própria carne. Na biologia esse termo refere-se ao processo de autodestruição da canãlula.
E éisso que a tese Autofagia acadaªmica: a divulgação de conteaºdos de C&T para além do ambiente cientafico observou: a autodestruição de informações produzidas no ambiente cientafico e que acabam sendo consumidas apenas pelos membros desse contexto.
Uma parte significativa da produção cientafica do Brasil não atinge a população em geral e a tendaªncia épensarmos que isso acontece porque as pessoas não se interessam por essa tema¡tica. Afinal, falar sobre artistas, rir de memes, compartilhar cata¡strofes ou discutir polatica émuito mais interessante do que falar de ciaªncia, certo?
A pesquisa Autofagia acadaªmica partiu desse princapio para determinar o porquaª de os conteaºdos tanãcnico-cientaficos terem tantas barreiras em sua promoção e chegou a uma conclusão bem diferente.
De autoria da jornalista e doutoranda em Desenvolvimento Humano e Tecnologias Tatiana de Carvalho Duarte e orientada pelo professor do Instituto de Biociências da Unesp de Rio Claro professor Afonso Anta´nio Machado, a tese provou que a falha de transmissão de informações dessa tema¡tica não estãono desinteresse populacional, mas sim na inadequada e ineficiente habilidade comunicacional por parte dos produtores e gestores de conteaºdo cientafico.
Esse processo comunicacional deficita¡rio leva ao que a autora chama de autofagia acadaªmica. “Essa autofagia acontece quando o conhecimento, que éproduzido pela academia cientafica acaba sendo consumido, majoritariamente, pelos membros da própria academiaâ€.
A hipa³tese inicial de que a caraªncia de interesse, cultura e letramento populacional era responsável por esse lapso na promoção de conteaºdo cientafico foi facilmente derrubada pela pesquisa sobre a percepção pública da C&T no Brasil (CGEE, 2015). Realizada pelo Centro de Gestãoe Estudos Estratanãgicos (CGEE) e pelo Ministanãrio da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), essa pesquisa revelou que 61% dos brasileiros tem interesse ou muito interesse em conteaºdos de ciência e tecnologia.
Pensando pela perspectiva do pesquisador, o reconhecimento e divulgação de sua produção cientafica éde grande importa¢ncia. Afinal, garantir que suas pesquisas atinjam e beneficiem um paºblico-alvo e sejam aºteis para sociedade éter certeza de que seus esforços foram va¡lidos.
Portanto, sendo de interesse da população e do pra³prio pesquisador, por que as pesquisas de educação, ciência e tecnologia são tão pouco disseminadas e limitam-se aos membros da academia?
Atores da divulgação cientafica
A transmissão do conhecimento sobre ciência depende do seu entendimento como algo intranseco a sociedade e que deve ser transmitido de forma clara e sanãria por diferentes atores, cada qual a seu paºblico. Esses atores integram um dos quadrantes do que Carlos Vogt (2005) chama de espiral da cultura cientafica.
Segundo o autor, para que conteaºdos cientaficos sejam divulgados de forma natural e orga¢nica, énecessa¡ria a participação e interação efetiva de todos atores participantes da espiral da cultura cientafica como pesquisadores, produtores culturais, estudantes, professores, jornalistas etc.
Quanto a participação dos pesquisadores na espiral, estes limitam-se a produção da pesquisa e não a sua divulgação. a‰ comum que, após submeterem seus artigos para sites ou revistas cientaficas, os pesquisadores deleguem a responsabilidade pela divulgação a jornalistas e aos editores de peria³dicos acadaªmicos.
E, mesmo quando submetem seus artigos para apresentação em congressos ou simpa³sios, limitam essa divulgação apenas a seus pares, paºblico-alvo de tais eventos.
Assim, ao isentarem-se da responsabilidade pela efetiva transmissão do conhecimento cientafico e a atribuarem a terceiros, os pesquisadores configuram-se como um dos principais responsa¡veis pela falha da espiral.
Com a responsabilidade da divulgação cientafica repassada aos gestores de conteaºdo e a editores de revistas da tema¡tica, estes deveriam utilizar dos mais diferentes e efetivos recursos para promoção cientafica. Poranãm a tese demonstrou que tal posicionamento das revistas cientaficas émais uma das falhas da espiral.
Sites de redes sociais para divulgação cientafica
Pensando nisso, Tatiana resolveu verificar atéqual ponto se estendem os esforços das revistas cientaficas brasileiras, indexadas ao SciELO Brasil, na promoção do conteaºdo de C&T. “Em meio a tantos novos recursos de marketing e comunicação, a ideia foi analisar quais revistas cientaficas utilizam estratanãgias que possam potencializar a divulgação cientafica de forma orga¢nica e gratuitaâ€.
Uma dessas estratanãgias éa utilização de sites de redes sociais. O Facebook, por exemplo, éum site de rede social que pode ser utilizado sem nenhum custo e possui uma plataforma acessavel. A rede conta com mais de 2,2 bilhaµes de usuários ativos mensalmente (segundo seu relatório de desempenho). Naºmero que representa um aumento de 13% ao ano.
O Brasil soma, atualmente, a marca de 127 milhões de usuários no Facebook. E, diante dessa releva¢ncia como plataforma em potencial para divulgação de informações, a autora analisou de que forma se da¡ a participação das revistas nesse ambiente.
Foram selecionadas 285 revistas brasileiras, indexadas ao SciELO, e analisadas quanto a sua participação no site da rede social Facebook. Dentre essas, foram contabilizadas 126 revistas presentes na rede social (com pa¡ginas ou perfis) e 159 fora da rede.
Se mais da metade das revistas analisadas não utiliza de um dos recursos de propaganda gratuitos mais populares dopaís, já épossível notar uma caraªncia de esforços no objetivo de divulgar a ciência E, dentro desse cena¡rio, as revistas que se arriscaram na rede social ainda se mostraram despreparadas para essa iniciativa.
Foram analisados aspectos como o número de edições publicadas por cada revista; se fazem uso de pa¡ginas ou perfis na rede social (lembrando que perfis são destinados apenas para pessoas físicas); o número de curtidas; o número de seguidores; a periodicidade das publicações; o tipo de linguagem utilizada; o idioma das postagens; e a utilização de recursos audiovisuais como imagens, vadeos, a¡udios, GIF’s, memes e/ou hiperlinks.
Dentre as 126 revistas inscritas no Facebook, a revista cientafica Ambiente & Sociedade foi a que apresentou maior número de seguidores e, mesmo assim, esse número era muito aquanãm diante das pa¡ginas mais populares da rede e que chegam a milhões de curtidas e seguidores.
Tambanãm foi observada a indeterminação na frequência de postagens das pa¡ginas, sem uma utilização adequada da análise dos insights da rede para determinação do melhor dia e hora¡rio para as publicações.
Quanto ao tipo de linguagem e ao idioma, 85% das revistas redigem suas postagens em portuguaªs, mas não as escrevem com a linguagem informal, ideal para ser utilizada na rede. Va¡rias revistas apenas postam trechos de seus artigos, frequentemente escritos em uma linguagem acadaªmica, inadequada para o Facebook.
E ainda temos 13% das revistas que fazem postagens apenas em inglês, excluindo grande parcela da população brasileira que não éfluente nesse idioma.
Recursos muitos utilizados para atrair a atenção dos usuários da rede são os audiovisuais. Publicações feitas com vadeos, GIF’s, imagens, memes, etc chamam muito mais atenção do que publicações que contam apenas com textos. Mesmo assim, foi observado que poucas revistas fazem uso desses recursos e costumam apenas divulgar o link dos seus artigos mais recentes.
Com publicações feitas sem planejamento, as pa¡ginas das revistas cientaficas acabam não atingindo o potencial, alcance e engajamento que poderiam ter. E assim limitam seu paºblico a poucos usuários da rede que, muitas vezes, já pertencem ao ambiente offline da revista.
Uma análise da estrutura das redes sociais das pa¡ginas comprovou essa “autofagia acadaªmica†ao demonstrar que tais redes são formadas por usuários interligados por fortes conexões ou laa§os fortes. Compaµem esse grupo de usuários os pra³prios integrantes do corpo editorial da revista, estudantes do núcleo ao qual pertence a publicação, pesquisadores da área da revista, enfim, pessoas pertencentes ao mesmo ambiente acadêmico no qual a revista éeditada ou que possuam uma relação direta entre si.
Os laa§os entre os usuários das pa¡ginas foram analisados, a fim de determinar porque o alcance das publicações limitava-se a um pequeno paºblico. Ao serem compartilhadas apenas entre integrantes do pra³prio grupo ou cluster, ligados por laa§os fortes, tais postagens tem seu alcance e engajamento significativamente limitados.
Quando uma publicação no Facebook éfeita visando grande alcance, esta deve ser compartilhada por usuários sem uma necessa¡ria ligação direta entre si, ou seja, ligados por laa§os fracos. Quando compartilhada por um número significativo de usuários, essa postagem pode atéganhar o status de viral.
“Essa viralização de um conteaºdo écapaz de torna¡-lo muito popular em poucas horas ou minutos, possibilitando que um conteaºdo rompa barreiras e atinja paºblicos diversos, sem limitar-se apenas aos usuários relacionados diretamente a tema¡tica da publicaçãoâ€.
a‰ imperativo, portanto, que as revistas cientaficas iniciem ou aperfeia§oem a gestãode suas pa¡ginas no site da rede social Facebook, assim como utilizem as demais tecnologias disponíveis (online e offline) a fim de ampliar seu paºblico e engajar seus esforços na promoção do conteaºdo tanãcnico-cientafico.
Tatiana ressalta que o site da rede social Facebook não étão importante por si são. “Diante da possibilidade de interação do Facebook com outras plataformas de comunicação, a difusão do conteaºdo se torna ainda mais efetiva. Vale lembrar que seu criador e CEO, Mark Zuckerberg, ainda éproprieta¡rio de plataformas de comunicação muito populares no Brasil como WhatsApp, Messenger e Instagramâ€.
A utilização do Facebook éapenas uma das possaveis iniciativas de promoção de conteaºdo cientafico. Pesquisadores, jornalistas, editores de revistas, gestores de conteaºdo e demais entusiastas e participantes da espiral da cultura cientafica devem se unir e atuar ativamente no compartilhamento do conteaºdo tanãcnico-cientafico para que este tenha maior difusão. Somente com essa atuação integrada e feita de forma adequada e harmoniosa serápossível romper as barreiras da academia e popularizar o conhecimento cientafico interrompendo a autofagia acadaªmica.
Poucas revistas fazem uso de recursos audiovisuais e costumam apenas divulgar o link dos seus artigos mais recentes
Para que conteaºdos cientaficos sejam divulgados de forma natural e orga¢nica, énecessa¡ria a participação e interação efetiva de todos atores participantes da espiral da cultura cientafica