Humanidades

Pesquisadora desenvolve livros ta¡teis para alunos com deficiência visual
Dissertaa§a£o de mestrado aborda a aprendizagem de criana§as com baixa visão ou cegueira a partir da elaboraça£o de materiais especializados
Por Mariana Bier - 05/10/2019

Foto: Gustavo Diehl/UFRGS
"Gatinho Adolfo" foi um dos livros confeccionado por Roberta Stockmanns em sua pesquisa 

Livros ta¡teis são livros ilustrados com diferentes materiais e texturas feitos para criana§as com deficiência visual. Ha¡ inda­cios de que os primeiros livros desse tipo surgiram na Ita¡lia, no ini­cio dos anos 1970. Com a intenção de auxiliar na aprendizagem de criana§as com baixa ou nenhuma visão, servem ainda como elemento de inclusão infantil. Isso acontece porque podem ser lidos também por criana§as com visão regular, promovendo interações entre os pequenos.

Em maio deste ano, a professora do Instituto Federal Catarinense Roberta Stockmanns defendeu sua dissertação de mestrado, intitulada “Livros ilustrados ta¡teis e o processo de letramento de criana§as com deficiência visual”. O estudo foi desenvolvido no Programa de Pa³s-Graduação em Educação da UFRGS e faz parte da linha de pesquisa Educação Especial e Processos Inclusivos.

Letramento, diferente do que o senso comum craª, não éo mesmo que alfabetização. Alfabetização éo desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita; já o letramento étodo processo que a pessoa desempenha com a comunicação durante a sua vida. Esse processo émuito importante, porque éa partir da comunicação que as prática s sociais se estabelecem e os laa§os afetivos se originam. No caso das criana§as, as amizades são um exemplo. Portanto, o letramento sugere o uso social da alfabetização.


Roberta conta que o tema da dissertação já era um interesse antigo. Desde a graduação, sempre se dedicou a estudar os processos de aprendizagem infantil. Antes do mestrado, realizou uma especialização em Educação Especial e Neuroeducação, que focava em criana§as com deficiências ou distúrbios de aprendizagem. Tambanãm a professora orientadora do projeto, Cla¡udia Rodrigues de Freitas, contribuiu para a intenção do estudo. Cla¡udia épesquisadora de livros para diversidade hános, o que instigou mais ainda Roberta a defender sua dissertação dentro da tema¡tica.

As etapas do projeto


A pesquisa que fundamentou o trabalho foi dividida em três etapas. A primeira consistiu na revisão bibliogra¡fica. Esse foi o período de estudar os livros ta¡teis já existentes osos produzidos no Brasil e na Ita¡lia ose pensar nos elementos a serem utilizados, como os materiais para as ilustrações. A partir dessa análise, a autora destacou problemas como a simplicidade de alguns modelos. Livros em braile sem recursos gra¡ficos, totalmente brancos, ou apenas com pontilhismo em volta dos desenhos não colaboram para a inclusão, já que criana§as que enxergam regularmente não tem interesse em laª-los.

A segunda etapa da pesquisa deu-se a partir de um curso de extensão de confecção de livros ta¡teis oferecido pela UFRGS. Direcionada a professores especializados em educação especial ou com  experiência no trabalho com criana§as com deficiências visuais, a atividade de extensão foi organizada dentro da linha de pesquisa Educação Especial e Processos Inclusivos e contou com oito encontros presenciais para a produção dos livros. O Conselho Nacional de Desenvolvimento Cienta­fico e Tecnola³gico (CNPq) financiou as aulas, disponibilizando recursos para a aquisição dos materiais utilizados. Foi durante esse período que Roberta confeccionou os  dois livros que utilizaria como objeto de pesquisa: Vova³ Esquecida e Gatinho Adolfo.

Na terceira etapa da pesquisa, a professora convidou duas criana§as para participarem do estudo. Francisco, de 8 anos, com cegueira, e Ricardo, de 11 anos, com baixa visão. Com a colaboração deles foi possí­vel observar a eficácia dos livros ta¡teis no processo de aprendizagem dos pequenos. Roberta avaliou que os resultados foram positivos: “as criana§as afirmaram, muito empolgadas, que estes foram os primeiros livros neste formato com que tiveram contato. Ter oportunizado isso éuma das minhas principais alegrias durante o processo”.

Ao longo da sua dissertação, Roberta destaca a importa¢ncia do fato de que os livros ta¡teis são acessa­veis para quem enxerga regularmente. A aprendizagem se da¡ também no processo de interação entre as criana§as quando se possibilita o contato entre todas elas. Portanto, o livro não deve conter apenas as imagens texturizadas, as palavras escritas também são importantes. A pesquisadora pa´de presenciar o benefa­cio que os livros proporcionam no pra³prio experimento: “Francisco, em todas as mediações de leitura, pediu para mostrar os livros aos colegas da turma. Nesses momentos de socialização, ele foi o protagonista, lendo e apresentando os livros para seus colegas bastante empolgado. As criana§as, encantadas e atentas, passavam as ma£os por cada imagem ta¡til, exclamando: ‘Ai que vova³ fofinha’, ‘Ela émacia’, ‘Que livro legal’, demonstrando que os livros são atrativos inclusive para criana§as sem deficiência”.

A inclusão dos alunos na aprendizagem


Hoje, no Brasil, os materiais oferecidos para o aprendizado de criana§as com baixa visão ainda deixam muito a desejar. Na maioria das vezes, os livros contem apenas escritas ampliadas sem cores nem esta­mulos sensoriais oso que não contempla os instintos infantis. Uma das constatações da pesquisa de Roberta foi que o interesse das criana§as édespertado antes pelas texturas dos desenhos do que pela escrita em braile. “Como qualquer criana§a, o interesse inicial évoltado para as imagens contidas nos livros. E essa oportunidade não éencontrada nos livros elaborados para criana§as com deficiência visual; estes em geral são totalmente brancos ou apenas com desenhos de apelo visual”, conta. Para a autora, todos os educadores deveriam ter conhecimento do sistema braile, mesmo não tendo alunos cegos. Todos tem direito de ter suas necessidades abrangidas com a devida importa¢ncia, e não deixadas de lado.

Na Constituição Brasileira de 1988 consta que alunos com deficiência tem direito ao ensino especializado, preferencialmente no ensino regular. Além disso, na Conferência Mundial sobre Educação Especial de 1995, realizada em Salamanca, Espanha, foi concedido a todas as criana§as o direito a  educação no sistema regular de ensino. A Declaração de Salamanca oscomo ficou conhecido o documento elaborado na conferaªncia osconsolidou a educação inclusiva como um direito.

O tema da dissertação também éestudado no projeto Multi, grupo de pesquisa da UFRGS do qual a professora fez parte. Ela conta que continua a pesquisar sobre o tema e a buscar meios de beneficiar cada vez mais as criana§as com cegueira ou baixa visão no processo de aprendizagem. “Para mim, inclusão litera¡ria équando um livro pode ser lido por qualquer criana§a, seja ela com ou sem deficiência”.

 

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