Humanidades

A arte éinevita¡vel no Brasil de hoje, diz fila³sofo
Entrevista Guilherme Mautone, doutorando em Filosofia comenta o significado da arte e dos impulsos de censura para a natureza humana
Por Emerson Trindade Acosta - 19/10/2019

Pixabay

A arte tem vários papanãis: em a¢mbito coletivo, de retratar o tempo hista³rico ou de ser a vanguarda da sociedade; na esfera pessoal, de expressar emoções, fomentar a identidade e criar laa§os com outros indiva­duos. De qualquer forma, a arte éuma constante na história da humanidade, embora atravesse períodos de censura e incertezas. Em entrevista, o doutorando em Filosofia com aªnfase em arte Guilherme Mautone reflete sobre a natureza da arte, seu contexto atual e a repressão que sofre.

A arte éinescapa¡vel ao ser humano?

Interessante a formulação de que a arte éinescapa¡vel ao ser humano. Parece que a arte éuma entidade auta´noma, que se autorregula. Mas acho que a preocupação de fundo dessa pergunta ése a arte tem alguma vinculação essencial com a ideia de humanidade. Acredito que sim, de duas maneiras: tem um fato empa­rico, objetivo, antropola³gico, de que o homem desde o paleola­tico produz determinadas coisas especificamente, e essas expressaµes sempre estiveram ao longo da história da humanidade. Mas eram diferentes do que a gente entende hoje em dia como arte. No entanto, o que interessa para a filosofia não éa releva¢ncia desse fato, mas como a gente justifica, entende e argumenta a respeito da existaªncia desses objetos ao longo da história. Nesse sentido, eu acho que éinteressante pensar a arte como inescapa¡vel, algo que nos inquieta e promove pensamento, como a Filosofia. Podemos continuar essa discussão com a seguinte afirmação: não épossí­vel não fazer arte. Especialmente no momento em que a gente ta¡ vivendo, acho que éinevita¡vel fazer arte.

Por que existe o medo da arte?

A arte movimenta posições diferentes e não se posiciona de uma maneira muito clara em relação a s questões políticas, econa´micas e sociais. Ela fica no “entre”, trabalha com a ambiguidade. Por não tomar partido, causa espanto e também trata de elementos mais sombrios da natureza humana. Platão, no século V a.C., oferece dois argumentos para a expulsão dos artistas da cidade ideal: um argumento metafa­sico, ontola³gico, sobre a natureza da arte; e um argumento moral, dizendo que a arte estimula as partes mais vulgares da alma dos homens, e os homens não podem se dar a essas emoções complicadas, tem que estimular a parte racional da sua alma. Podemos entender isso como um pouco de medo desse encontro que a arte proporciona com a natureza mais sombria do ser humano. Isso toca no tema da censura e retoma como entendemos a arte atrelada a  humanidade, porque se pode dizer que a arte proporciona o encontro e o dia¡logo e, no momento em que a censuramos, também cerceamos essa possibilidade. Se éisso que nos faz humanos, a gente ta¡ perdendo um pouco da nossa humanidade também.

Defina arte.

Definir arte éum problema filosãofico interessante. Quando a gente sobrepaµe a história da arte e a história das filosofias que procuraram pensar a arte, temos uma história das definições de arte. Para os gregos, a arte éimitação, mimesis. Depois temos conceitos de arte como representação, expressão, mais contemporaneamente como experiência e estanãtica, depois como forma significativa. Mas a definição sempre éum trabalho de estabilização. a‰ possí­vel estabilizar esse tipo de coisa que éa arte se estãosempre mudando? a‰ interessante pensar o quanto as definições também limitam a criatividade dos artistas. Taªm teóricos e artistas contempora¢neos trabalhando essa noção de que talvez seja difa­cil, e academicamente empobrecedor, discutir uma definição de arte.

Definir équase uma forma de censurar?

Nãosei se censurar, mas limitar. Isso não énecessariamente ruim; a filosofia trabalha com definições. Agora, existem outras maneiras de identificar a arte. Em 1964, Andy Warhol apresenta como arte as Brillo boxes oscaixas de saba£o idaªnticas a s dos supermercados. Então o fila³sofo Arthur Danto se da¡ conta de que existe algo que determina a obra de arte que não depende mais de aspectos que são manifestos aos olhos, aos ouvidos, que não são mais estanãticos, mas que dependem de um contexto. E cria o conceito de Mundo da Arte, que trabalha com essas ideias todas desse contexto maior no qual os objetos aparecem. Passa da necessidade de uma definição essencialista que diz “olha, esse objeto tem uma propriedade x que o faz arte” e comea§a a dizer “olha, esse objeto agora participa desse contexto e se torna arte”. 

Foto: Fla¡vio Dutra
Guilherme Mautone 

Nãose usam mais definições para falar de arte, mas também arte não équalquer coisa. Danto diz ainda: “Tudo pode ser arte, isso não significa dizer que tudo éarte”. Então, se essas coisas ingressam nesse mundo da arte, ingressam nesses contextos pelo trabalho de artistas e acabam se tornando obras de arte.

Um governo que se pretende autorita¡rio tende a querer controlar também a arte?

Acho que a censura a  arte éum inda­cio do crescimento do autoritarismo. Essas iniciativas nos levam a uma sociedade que não consegue partilhar sensivelmente as produções arta­sticas, as expressaµes diversas que produz, comea§a a não ter mais paciaªncia ou interesse em proporcionar o encontro que a arte e a filosofia produzem. O debate, o dissenso, o contradita³rio são jogados no lixo, e isso vai descaracterizando o que conhecemos como sociedade democra¡tica.

Qual a importa¢ncia dessas diferentes expressaµes para a construção de um coletivo?

Essencial. Tem uma discussão a respeito de racismo na obra da Tarsila do Amaral, por exemplo, sobre a representação de figuras negras descaracterizadas, sem traa§os que demonstram subjetivação. Mas no momento que tem artistas como a Rosana Paulino, que trabalha com essas questões também, as pessoas comea§am a olhar e se sentir representadas. Eu trouxe, mais ao gosto filosãofico, uma questãoda arte como proporcionadora de encontro e discussão. Mas se tu levar para a análise de uma teoria social, da¡ para a gente pensar nas expressaµes da cultura também como agregadoras sociais, como colas desse tecido social.

 

.
.

Leia mais a seguir