Estudo sobre políticas públicas baseadas em evidências ressalta conflito entre técnica e valores
'Os indicadores quantitativos e as estratégias de implementação não devem ser vistos como um retrato transparente da realidade', afirma o autor.
O artigo "Políticas Públicas Baseadas em Evidências: Um Debate Necessário", escrito por Daniel Pereira Andrade, professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo (FGV EAESP), publicado na Revista GV Executivo, analisa criticamente a ascensão das políticas públicas baseadas em evidências (PPBE) no contexto de governos populistas de extrema-direita e o subsequente retorno dessas práticas com a mudança de liderança política. Andrade argumenta que, embora as PPBE sejam valorizadas por sua transparência e objetividade, elas carregam implicações políticas e éticas que precisam ser analisadas com cuidado.
O texto enfatiza que as PPBE, frequentemente apresentadas como neutras e imparciais, na verdade, são influenciadas por visões implícitas de bem comum. "Os indicadores quantitativos e as estratégias de implementação não devem ser vistos como um retrato transparente da realidade", afirma o autor, ressaltando que "a produção de números é baseada em pressupostos teóricos e valorativos sobre o que e como medir". Dessa forma, os indicadores acabam legitimando determinadas visões de mundo e contribuindo para a perpetuação de relações de poder específicas.
O professor também critica o gerencialismo, uma abordagem que destaca a eficiência e o custo-benefício como critérios principais para a formulação de políticas públicas. Segundo ele, "o gerencialismo fomenta tacitamente determinado modelo de ordem social baseado na sociedade de mercado, buscando retirá-lo do escrutínio público por meio de seu positivismo tecnicista". Esse modelo, ao focar exclusivamente na eficiência, acaba ignorando a dimensão valorativa das políticas públicas, o que pode ser tão prejudicial quanto o negacionismo.
Para contrapor essa visão, o texto propõe a repolitização das PPBE, sugerindo a incorporação de saberes das ciências humanas, como a filosofia política, a ética e a sociologia, no debate sobre o desenho e a avaliação dessas políticas. "Mobilizar outros saberes além da racionalidade econômica predominante é essencial para desnaturalizar o modelo de mercado como a única alternativa possível", defende Andrade.
Além disso, o artigo sugere que a participação social deve ser ampliada na formulação das políticas públicas. "A consulta aos beneficiários não apenas ajuda as políticas a fazerem sentido na prática, mas também contribui para uma forma social da existência democrática", ressalta. Andrade argumenta que a eficiência econômica deve ser balanceada com a deliberação política, permitindo que diferentes modelos de sociedade sejam discutidos e avaliados democraticamente.
Em resumo, o artigo destaca que, embora as PPBE tenham seu valor, é crucial reconhecer as influências políticas e éticas que permeiam essas políticas. "Ter clareza sobre como as visões de bem comum estão imbricadas em diversos níveis das políticas públicas contribui para escolhas mais consequentes e para o escrutínio democrático das decisões tomadas", conclui Andrade, defendendo uma abordagem mais crítica e inclusiva na formulação de políticas públicas.
Para ler o artigo completo, acesse o site da FGV.