Crime organizado utiliza religião para legitimar o poder em prisões e periferias
Especialistas discutem como o discurso religioso tem sido usado pelas facções criminosas do País para obter apoio em áreas marginalizadas

A religião deixa de ser vista como algo para transformações pessoais e individuais e ganha um contexto de transformação política – Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil
A religião, mais especificamente a evangélica, sempre foi vista como uma porta de saída do crime organizado. Porém, nos últimos anos, o que se vê é uma mudança de mentalidade. Com o surgimento dos chamados “traficrentes”, especialmente no Rio de Janeiro, o que se vê é uma espécie de intersecção entre esses dois universos. É sobre esse tema que os pesquisadores do Núcleo de Estudos da Violência da USP Camila Nunes Dias e Bruno Paes Manso conversam no USP Analisa desta quinta (31).
Discursos religiosos
Bruno Manso abordou o assunto no livro A Fé e o Fuzil, quando se deparou com a realidade do Complexo de Israel, complexo de favelas cariocas comandadas por um traficante que, segundo o autor, utiliza um discurso religioso para justificar seu poder e legitimar sua autoridade.
“A religião deixa de ser vista como algo para transformações pessoais e individuais e ganha um contexto de transformação política. E o discurso religioso passa a ser usado para produzir obediência, para construir autoridade. Eu achei que era muito simbólico e significativo do próprio bolsonarismo, da própria chegada da religião na política dentro desse contexto de presidentes ungidos por Deus e que usam a religião como uma forma de legitimar sua própria autoridade”, explica.
Encontro de universos
Para Camila, a religião ainda é uma porta de saída do tráfico e até mesmo um espaço seguro de sociabilidade para jovens da periferia. Porém, segundo ela, com o crescimento das igrejas evangélicas e também da influência do crime organizado nas prisões e periferias, esses dois universos acabaram se mesclando em muitos pontos.
“E, obviamente, para o crime, a igreja é um negócio interessante para lavagem de dinheiro, para esconder a sua própria identidade, para fugir da vigilância policial. Então ela acabou também, em muitos casos, sendo instrumentalizada. E também é muito interessante que muitas vezes não há essa oposição moral, como a gente imagina. Eu cansei de entrevistar presos do PCC ou assaltantes de bancos que eram religiosos e diziam: ‘Eu rezo quando eu vou assaltar um banco para Deus me proteger’”, diz.