Um dos maiores nomes da história da literatura mundial, poeta alema£o completa 250 anos de nascimento
O poeta alema£o Friedrich Ha¶lderlin (1770-1843) osFoto: Wikipedia
“Para que poetas em anãpoca mesquinha?†Esse verso tão atual osque aponta para a necessidade da arte em tempos de egoasmo, de falta de fée atémesmo de coronavarus osfaz parte do poema Brot und Wein (Pa£o e Vinho), escrito em 1801 pelo poeta alema£o Johann Christian Friedrich Ha¶lderlin (1770-1843). No dia 20 passado, completaram-se exatos 250 anos de Ha¶lderlin, que nasceu em 20 de mara§o de 1770, em Lauffen, no sul da Alemanha. A data se soma a outras duas efemanãrides ligadas a cultura alema£ celebradas neste ano osos 250 anos do compositor Ludwig van Beethoven (1770-1827) e do fila³sofo Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831).
Ha¶lderlin éum dos maiores poetas da literatura mundial, não apenas alema£, enfatiza o professor Marcus Mazzari, do Departamento de Teoria Litera¡ria e Literatura Comparada da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Ele destaca que Ha¶lderlin criou um dos mais importantes “romances de formação†(Bildungsroman) da tradição alema£, Hipanãrion ou O Eremita na Granãcia, publicado originalmente em 1797. “Romance de formação†écomo se chama a narrativa que descreve a formação física, moral e psicológica do protagonista, desde sua infa¢ncia atéa maturidade osgaªnero inaugurado pelo escritor alema£o Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832), com o seu Wilhelm Meisters Lehjahre (Os Anos de aprendizado de Wilhelm Meister), surgido a partir de 1777.
Redigido em prosa de grande musicalidade, Hipanãrion tem a particularidade de ser escrito em forma epistolar, analisa Mazzari. “Em 60 cartas, Hipanãrion narra ao seu amigo Belarmino fatos do passado em torno de dois eixos tema¡ticos: a paixa£o por Diotima, em quem o belo se corporifica como ‘o uno diferente em si mesmo’, numa expressão do fila³sofo grego antigo Hera¡clito, e o engajamento na luta do povo grego contra o domanio do impanãrio otomano.â€
Esses dois fios narrativos desembocam na frustração amorosa e no fracasso do engajamento na insurreição grega, continua o professor. “Hipanãrion passa então a percorrer o mundo. Chega por fim a Alemanha e pinta um quadro extremamente crítico da sociedade alema£ no final do século 18.†Esse quadro estãoexpresso, por exemplo, num trecho da penúltima carta do romance, em tradução de Mazzari: “Assim cheguei entre os alema£es. Nãoexigia muito e estava preparado para encontrar ainda menos. (…) Nãoposso imaginar um povo mais dilacerado que os alema£es. Artesãos éo que vaªs, mas não seres humanos, pensadores, mas não seres humanos, sacerdotes, mas não seres humanos, senhores e servos, mas não seres humanos, jovens e pessoas bem colocadas, mas não seres humanosâ€.
“Mas, quando o niilismo parece dominar tudo, a última carta de Hipanãrion esboa§a uma grandiosa imagem da vida e da natureza, uma superação dialanãtica da desilusão e da derrotaâ€, conta Mazzari, lembrando que Ha¶lderlin foi amigo de Hegel osum dos grandes pensadores da dialanãtica na modernidade osno semina¡rio protestante de Ta¼bingen. Como escreve Ha¶lderlin: “A reconciliação estãolatente na disputa, e tudo o que se separou volta a se encontrar. As artanãrias se separam e retornam ao coração, e a vida una, eterna e fervorosa étudoâ€.
No livro II de Hipanãrion, encontra-se um dos maiores poemas da literatura alema£, o Canto do Destino de Hipanãrion, aponta ainda Mazzari. “Esse ‘romance de formação’ ficou como o aºnico experimento de Ha¶lderlin na narrativa ficcional, pois poucos anos depois ele foi vitimado pela demaªncia, que perdurou atéa morteâ€, acrescenta o professor, citando outro verso famoso de Ha¶lderlin, presente no poema Recordação: “O que resta, poranãm, fundam-no os poetasâ€.
No Brasil, a recepção da poesia de Ha¶lderlin teve como um dos marcos mais importantes o ensaio A Mensagem de Ha¶lderlin, do crítico litera¡rio Otto Maria Carpeaux (1900-1978), que constitui um dos capatulos do seu livro Origens e Fins, publicado em 1943, informa Mazzari. “Os poemas de Ha¶lderlin citados por Carpeaux foram muito bem traduzidos por Manuel Bandeira.â€
A Torre de Ha¶lderlin (Ha¶lderlinsturm), a s margens do rio Neckar, em
Ta¼bingen: ali o poeta ficou confinado durante 36 anos, atésua morte
Foto: Wikimedia Commons
Carpeaux comenta a poesia de Ha¶lderlin em outra de suas obras, Hista³ria da Literatura Universal, de 1959. Nela, o crítico vaª no poeta alema£o o pessimismo e o fatalismo autenticamente gregos, o “lado noturno da Granãciaâ€, que Goethe e seu contempora¢neo Friedrich Schiller (1759-1805) esconderam ou ignoraram. Ha¶lderlin reaºne em si, diz Carpeaux, a diversidade de sua Suanãvia natal, regia£o ao mesmo tempo arquiluterana, pontilhada de seitas pietistas, apocalapticas e messia¢nicas, e sede do grecismo mais ortodoxo, representado pela Universidade de Ta¼bingen. “Ha¶lderlin encheu a filologia cla¡ssica que lhe transmitiram com o fervor mastico dos seus antepassados; também ficou impressionado pelo panteasmo a³rfico do seu condiscapulo e amigo de mocidade, Schelling, o futuro fila³sofo do Romantismo; e acabou acreditando literalmente na mitologia gregaâ€, escreve o cratico. “A consequaªncia foi a luta antima entre classicismo e cristianismo na alma do poeta, encontrando expressão definitiva na ode Patmos, na qual Cristo aparece entre os deuses do Olimpo grego.â€
Filho de uma enfermeira luterana, Ha¶lderlin estava destinado a carreira eclesia¡stica, como seu pai, pastor luterano que morreu quando o futuro poeta era ainda criana§a. Por isso, aos 18 anos, iniciou seus estudos de teologia na Universidade de Ta¼bingen. Recusando o pastorado, poranãm, Ha¶lderlin passou a se dedicar a profissão de tutor de famalias ricas. Nessa função, em 1796 ele conheceu Susette Gontard, esposa do banqueiro Jaca³ Gontard, de Frankfurt, que se tornou a sua grande musa inspiradora, a personificação de Diotima, protagonista de Hipanãrion.
Em 1802, data da morte de Susette, Ha¶lderlin já apresentava sinais de uma saúde debilitada. Traªs anos depois, recebeu o diagnóstico de insanidade. Em 1807, foi confinado a um quarto numa torre localizada a s margens do rio Neckar, em Ta¼bingen, onde permaneceu atésua morte, 36 anos depois, em 1843. Atualmente, a chamada Torre de Ha¶lderlin (Ha¶lderlinsturm) éum dos locais mais visitados de Ta¼bingen.