Humanidades

Como as pandemias moldam a sociedade
O socia³logo e historiador Johns Hopkins, Alexandre White, discute como as pandemias passadas, como o surto de gripe espanhol de 1918, repercutiram muito depois que a doença parou de se espalhar.
Por Relatório da equipe do Hub - 09/04/2020

HUB

Desde a peste buba´nica do século 14 atéo surto de gripe espanhol em 1918, as repercussaµes e efeitos das pandemias mudaram o funcionamento das sociedades. Embora as pandemias pressionem primeiro os sistemas de saúde, elas também enfatizam muitas outras partes da sociedade.

O Hub procurou Alexandre White , professor assistente de sociologia e história da medicina na Universidade Johns Hopkins, para aprender mais sobre as repercussaµes e consequaªncias sociais das pandemias passadas. Esta conversa foi editada para maior duração e clareza.

Como as respostas internacionais a  pandemia do COVID-19 se comparam com as das pandemias anteriores?

Essa éuma pergunta complicada em alguns na­veis. O COVID-19, de várias maneiras, éuma doença particularmente eficaz na desestabilização dos sistemas de saúde, bem como nos processos econa´micos globais. O fato de poder transmitir de forma assintoma¡tica e produzir sintomas razoavelmente leves em muitos casos significa que sua capacidade de disseminação ébastante alta e estãocolocando uma pressão real nos sistemas de saúde em todo o mundo.

Desde 1851, a ameaça de epidemia espalhada por doenças especa­ficas tem sido uma preocupação cra­tica para as nações e a comunidade internacional. As Conferaªncias Sanita¡rias Internacionais, iniciadas em 1851, visavam impedir a propagação de doenças infecciosas sem interromper o comanãrcio e o tra¡fego. Desde o final do século 19 atéa Segunda Guerra Mundial, o ISC [supervisionou a resposta internacional a ] propagação de três doenças - peste, ca³lera e febre amarela - atéque essas responsabilidades foram transferidas para o que hoje conhecemos como Organização Mundial da Saúde.

A resposta da OMS ao COVID-19 foi organizada rapidamente. Desde 2005, os regulamentos da OMS estabelecem protocolos e critanãrios para a prontida£o do sistema nacional de saúde e também para o que constitui uma "emergaªncia de saúde pública de interesse internacional", ou PHEIC. A OMS declarou um PHEIC para COVID-19 no final de janeiro, o que destacou a gravidade da ameaa§a. O objetivo era mobilizar agressivamente as respostas internacionais.

O que realmente vimos em resposta a  declaração PHEIC da OMS, particularmente nos EUA e na UE, foi uma capacidade limitada de testar casos em potencial, o que significa que aspectos de nossa capacidade de tratamento estãoenfraquecidos.

A pandemia de COVID-19 éfreqa¼entemente comparada a  pandemia de gripe espanhola de 1918 e ao surto de H1N1 de 2009. Essas são comparações justas?

Penso que, biologicamente, a comparação do COVID-19 com surtos anteriores de gripe éútil porque o processo de disseminação da epidemia pode ser semelhante. Como o COVID-19, os gripes geralmente são transmitidos por gota­culas. As diferenças surgem nas populações com maior risco. Ainda estamos aprendendo sobre o perfil das pessoas em maior risco para o COVID-19. Além disso, agora temos ferramentas de diagnóstico e respostas biomédicas mais eficazes do que em 1918, além de maior capacidade e conhecimento no setor médico. Isso nos coloca em uma posição melhor para enfrentar essa pandemia. No entanto, na ausaªncia de intervenção farmacola³gica, as prática s de distanciamento social e iniciativas de quarentena podem parecer semelhantes a s de 1918.

IMAGEM DE CRa‰DITO: ASSOCIATED PRESS / WIKIMEDIA COMMONS

Manãdicos e enfermeiros tendem a adoecer em uma fotografia envelhecida Legenda
da imagem:Manãdicos e enfermeiros tendem a adoecer em uma enfermaria convertida
em Fort Riley, Kansas, durante a pandemia de gripe espanhola de 1918

Uma epidemia amplamente negligenciada em comparação a esta éa mais recente epidemia de va­rus do Ebola na áfrica Ocidental, bem como a recente epidemia de Ebola na República Democra¡tica do Congo. Nessas epidemias, foram adotadas medidas agressivas de distanciamento social de longo prazo empaíses como Guinanã, Libanãria e Serra Leoa. Embora o Ebola seja biologicamente diferente em seu manãtodo de conta¡gio, ainda podemos ser capazes de analisar as estratanãgias efetivas de distanciamento social realizadas na áfrica Ocidental para encontrar soluções para esta pandemia atual.

Espero que possamos reconhecer que as medidas de distanciamento social são tomadas com uma abunda¢ncia de cuidados um com o outro, e devemos estar vigilantes sobre como essas prática s protegem aqueles que amamos e os profissionais de saúde que enfrentam esta doena§a.

Tem havido muitas postulações sobre como as medidas de saúde pública, como o distanciamento social, podem mudar a natureza da sociedade. Historicamente, quais são os efeitos remanescentes das pandemias globais nas sociedades?

Na Cidade do Cabo, em 1901, uma epidemia de peste produziu uma quarentena racial segregada muito agressiva que, de várias maneiras, se tornou o precursor e o modelo para futuras cidades e comunidades segregadas na áfrica do Sul do apartheid. a‰ um exemplo gritante de como o racismo e o fanatismo podem gerar respostas muito agressivas e opressivas contra os mais marginalizados de uma sociedade.

Epidemias são crises. Durante as crises, muitas crena§as comuns são questionadas e o status quo também pode ser questionado. Espero que possamos ver como a saúde pública e as disparidades socioecona´micas estãose ampliando como resultado da pandemia do COVID-19. Idealmente, isso nos levara¡ a criar melhores sistemas no futuro.

Houve alguma indicação de que a pandemia do COVID-19 estãoexacerbando essas desigualdades?

Infelizmente sim. O enquadramento perigoso dessa pandemia em particular como um "va­rus chinaªs" ou "va­rus Wuhan" leva a um grande estigma para qualquer pessoa da China ou de ascendaªncia asia¡tica. Isso leva a  violência, assanãdio, a³dio e intolera¢ncia, como já vimos. As maneiras pelas quais essa pandemia exacerbou essas prática s especa­ficas de ideologia racista e preconceituosa não são surpreendentes durante uma epidemia, mas são uma sanãria ameaça a respostas eficazes a  saúde.

Vimos várias vezes, nas respostas ao HIV / AIDS nos anos 80 ou internacionalmente a  peste buba´nica do ini­cio dos anos 1900, que o estigma e o fanatismo - especialmente quando as doenças se associam a certas pessoas e comunidades - tem o efeito de criando uma resposta potencialmente vingativa a  saúde pública. Nãoqueremos afastar as pessoas doentes dos cuidados de saúde de que necessitam, porque tem medo de serem perseguidas ou estigmatizadas por sua doena§a.

O segundo aspecto que eu gostaria de abordar écomo as epidemias destacam a desigualdade. Estamos comea§ando a vaª-lo agora nas altas taxas de desemprego que estãoampliando as capacidades de nossa rede de assistaªncia social existente nos Estados Unidos. Atéagora, existem muito poucas iniciativas nacionais para pessoas que foram demitidas do servia§o, como funciona¡rios de restaurantes, hospitalidade e recreação.

Tambanãm estamos vendo agora como as desigualdades raciais e as disparidades existentes em saúde estãocolocando certas pessoas em maior risco de sintomas e complicações graves. Esses são os produtos da desigualdade social e da dina¢mica epidaªmica. Isso precisa ser resolvido em breve e éemblema¡tico do decla­nio da rede de assistaªncia social nos Estados Unidos.

 

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