Humanidades

Por que tantos de nosassistimos a filmes como Outbreak (Epidemia)
Robichaud: Nosso gosto por histórias apocala­pticas mostra o que mais nos preocupa
Por Juan Siliezar - 07/05/2020


Dustin Hoffman e Cuba Gooding Jr. em "Outbreak", um filme de 1995 que tem médicos
do Exanãrcito lutando para encontrar a cura para um va­rus mortal que se espalha
por uma cidade da Califa³rnia. © 2020 Warner Bros. Entertainment Inc.

Mesmo antes da pandemia de coronava­rus, os filmes sobre mundos pa³s-apocala­pticos - geralmente provocados por va­rus mortais e de rápida disseminação - atraa­ram milhões de olhos. Agora, com milhões de pessoas em casa por causa do surto de COVID-19, muitas estãomigrando para essas narrativas. O thriller de 2011 "Contagion", que retrata a disseminação de um va­rus letal da China, tornou-se recentemente um dos filmes mais populares no iTunes, Amazon Prime Video e na biblioteca da Warner Bros. O sucesso de bilheteria de 1995 “Outbreak”, sobre um va­rus assassino nos EUA, fez parte da lista dos 10 mais assistidos da Netflix em mara§o.

Christopher Robichaud éprofessor saªnior de anãtica e políticas públicas na Harvard Kennedy School of Government e diretor de inovação pedaga³gica no Edmond J. Safra Center for Ethics. Como parte de seu trabalho, Robichaud analisa questões de filosofia moral e pola­tica na cultura pop. Ele falou ao Gazette sobre a atração dessas histórias e o que isso pode dizer sobre nós.

Perguntas e Respostas
Christopher Robichaud


No geral, por que as pessoas estãose voltando para essas narrativas relacionadas a pandemias e cata¡strofes agora?

Narrativas que se enquadram nessas categorias exploram coisas diferentes. Filmes como "Contagion" ou "Outbreak" tentam acompanhar a realidade e nos mostram um retrato do que significaria enfrentar algo muito, muito feio, ter nossas instituições e nossa infraestrutura desafiadas e ameaa§adas - talvez atélevadas ao ponto de ruptura - ao adicionar algum elemento humano a ele. Ambos os filmes não tratavam apenas dos conta¡gios de maneira abstrata, mas inseriam as pessoas, suas lutas e os dilemas morais que eles enfrentavam. Por exemplo, “Contagion” realmente enfrentou uma pergunta: vocêtoma alguma vacina possí­vel e a entrega a um ente querido, violando protocolos sobre quem éelega­vel para recebaª-la? Assim,

Que tal histórias menos realistas?

Nãoacho que esse interesse explique a obsessão de nossa sociedade por narrativas um pouco mais fanta¡sticas, como zumbis. Em algumas das aulas que dou, faa§o essa distinção entre literatura dista³pica e literatura pa³s-apocala­ptica. O que estou tentando apontar éque, em muita literatura dista³pica, instituições governamentais e infraestrutura do estado e coisas assim ainda estãoem vigor. Mas o que estãoacontecendo éhorra­vel. Pense em "O Conto da Serva". Compare isso a  ficção pa³s-apocala­ptica, cinema ou outras histórias, onde não hámais governo ou infraestrutura. O que essas histórias costumam fazer énos mostrar em nossonívelmais ba¡sico. Como sera­amos sem governo? Como sera­amos sem as instituições sociais que desenvolvemos ao longo do tempo? Como seria esse mundo?

"O que a literatura fanta¡stica nos permite fazer agora éolhar para outras pessoas em situações exageradas, mas similares - a uma distância suficiente - onde podemos processa¡-la."

- Christopher Robichaud

Mas essas histórias são tão arrepiantes. Nãoparece contradita³rio que gostara­amos de nos aprofundar ainda mais em sentimentos de medo e parana³ia?

Ha¡ um fasca­nio por essas perguntas, porque estamos vivendo um tempo na história em que as principais instituições e ideias que adotamos estãosendo desafiadas ou estãose revelando temporariamente. Estou pensando em filmes como "World War Z", baseados no livro absolutamente fanta¡stico de Max Brooks. Eu acho que esses filmes são atraentes para nós, porque vemos tudo a  distância. Em outras palavras, o componente fanta¡stico realmente nos ajuda a processar as coisas melhor. Vemos como seria viver o desenrolar de uma sociedade e como seria do outro lado. Um bom exemplo é"The Stand", de Stephen King, sobre uma gripe letal que varre o mundo e mata 99% da população. Nesse livro, podemos ver os dois lados. Temos uma longa sanãrie de pa¡ginas que descrevem como isso aconteceue o que aconteceu imediatamente. Então, éclaro, temos a anãpica batalha mitola³gica do bem contra o mal.

Então éuma oportunidade de descobrir angaºstia a uma distância segura?

Eu acho que sim. Como consumidores de entretenimento popular, gostamos de ver cenários em que a sociedade estãoameaa§ada e possivelmente em rua­nas. Gostamos de ver como as pessoas gerenciam isso. Para trazer de volta a esse momento atual: a boa nota­cia éque não estamos em uma situação como "The Stand". Nãoestamos em uma situação como a "Guerra Mundial Z". Nossa infraestrutura estãosob pressão; nosso modo de vida estãocertamente sob pressão. Mas nossas instituições estãoaguentando. No entanto, nossa vida mudou dramaticamente por um curto período de tempo, que éexatamente o que essas histórias enfatizam.

O que a literatura fanta¡stica nos permite fazer agora éolhar para outras pessoas em situações exageradas, mas similares - a distância suficiente - onde podemos processa¡-la. Se eu tivesse um tema para as duas primeiras décadas do século XXI e um dos muitos temas para este momento, seria que todas as coisas que estimamos são muito mais fra¡geis do que jamais imaginamos - que um modo de vida em que as pessoas trabalhavam todos os dias, onde estamos circulando pelo mundo em aviaµes e tudo o mais - tudo isso pode desaparecer, quase num piscar de olhos. Esse éum pensamento muito assustador, mas éimportante para nosenfrentarmos, porque espero que isso o force a todos nós, comea§ando comigo, a perceber como essas coisas são preciosas, quanto fra¡geis e vigilantes devemos seguir em frente para preserva¡-las. junto com a nossa saúde.

Isso ainda não representa uma visão sombria?

A maioria dessas narrativas tem conclusaµes esperana§osas - embora não ridiculamente esperana§osas. No entanto, háluz no fim do taºnel. Para ficar com a "World War Z", as coisas ficam horra­veis. O mundo cai, mas éclaro, Brad Pitt descobre a única fraqueza do zumbi e o mundo a usa em seu proveito, e vemos uma espanãcie de montagem no final, onde o mundo estãolutando para voltar. O filme termina com uma mensagem de: “Ainda não terminamos. Ha¡ mais o que fazer. Eu acho que estãocerto, e precisamos disso. a‰ o mesmo com filmes de invasão - qualquer coisa, desde o “Dia da Independaªncia” atéa sanãrie “Vingadores” da Marvel. Essas histórias empurram a humanidade atéo limite, e então revidamos. Ha¡ algo inspirador nisso. Ha¡ algo de muito humano nessa história de ser testado e ainda encontrar uma maneira de superar.

Houve algum momento dessas narrativas que ecoam o que estãoacontecendo agora com a pandemia de coronava­rus?

Existem alguns. Estou pensando nos primeiros momentos do drama hista³rico da HBO "Chernobyl" [que descreve as consequaªncias da explosão da usina nuclear de 1986 na antiga Unia£o Sovianãtica]. Isso mostrou ao governo claramente que não estava confrontando a realidade do que aconteceu, e eu me vi pensando regularmente nessas duas últimas semanas sobre aquelas cenas iniciais em que ninguanãm quer dar ma¡s nota­cias aos seus superiores ou subestimar a gravidade da situação no terreno. . Parece que não aprendemos nenhuma lição.

Em termos de momentos mais fanta¡sticos e de mudar para a nova versão de "World War Z", vemos diferentespaíses lidando com as coisas de maneira diferente e aderindo ao manual com o qual estãofamiliarizados, em vez de se adaptar, e indo a extremos quando tudo mais falha. A Coreia do Norte, por exemplo, ficou obscura em termos de comunicação e, na versão cinematogra¡fica, eles dizem que o governo norte-coreano removeu os dentes de todos para impedir a disseminação. A lição importante éque algunspaíses estãodispostos a fazer grandes esforços para evitar a propagação, jogando qualquer equila­brio pela janela.

Por fim, em "Vingadores: Ultimato", hámomentos em que vemos as consequaªncias do ataque de Thanos, que destruiu metade da população da Terra. Vemos que as pessoas seguiram em frente cinco anos depois, mas ainda estãosofrendo perdas. Vocaª vaª que, particularmente na sessão de terapia em grupo, o Capitão Amanãrica concorre para pessoas que ainda tentam lidar. Eu acho que isso seráalgo muito real para nosdaqui para frente. Vamos seguir em frente, mas estamos nos enganando se pensarmos que seremos capazes de resolver isso. Simplesmente não vai funcionar assim. Isso éuma perda. Nosso modo de vida provavelmente mudara¡. Para ser franco, muitas pessoas va£o morrer, e vamos sentir isso daqui para frente, semelhante ao que nos sentimos após o 11 de setembro.

Esta entrevista foi editada para maior duração e clareza.

 

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