Humanidades

Para parar o policiamento violento, crie organizações policiais eficazes
O comportamento manãdio da pola­cia se torna bom. Um bom comportamento policial se torna a³timo. E o mais importante, o mau comportamento do policial ébastante mitigado.
Por Rodrigo Canales - 09/06/2020

Cortesia de Rodrigo Canales

Nos últimos três anos, Rodrigo Canales, professor associado de comportamento organizacional da Yale SOM, liderou um projeto estudando forças policiais no Manãxico e testando abordagens para criar departamentos mais eficazes e confia¡veis. Perguntamos a ele o que a pesquisa diz sobre como impedir o policiamento racista e violento nos Estados Unidos.

O que vocêaprendeu sobre a construção de organizações policiais eficazes e confia¡veis ​​em seu trabalho no Manãxico?

Existem dois conjuntos de ideias que parecem especialmente relevantes para o momento atual. A primeira éa importa¢ncia de conceituar as forças policiais como organizações e não como uma coleção de indiva­duos. A configuração estrutural, processos, rotinas, cultura e valores de uma organização policial determinam muito o comportamento do policial. a‰ claro que ainda hávariação de comportamento entre os indiva­duos, mas fatores estruturais alteram toda a distribuição de comportamentos dispona­veis, esperados, aceita¡veis ​​e comuns. O comportamento manãdio da pola­cia se torna bom. Um bom comportamento policial se torna a³timo. E o mais importante, o mau comportamento do policial ébastante mitigado. Mas as prática s organizacionais tendem a ser persistentes e a influenciar umas a s outras, de modo que a mudança do comportamento policial exige que vocêolhe para a organização como um todo e mude não apenas prática s especa­ficas,

"Se vocêésanãrio sobre como melhorar o comportamento dos policiais, precisa repensar como avalia e recompensa o comportamento dos policiais, o que define como objetivos e os valores que reforça".


Por exemplo, nossa pesquisa mostra que treinar policiais em justia§a processual melhora significativamente não apenas a maneira como os policiais pensam sobre o policiamento, mas também como eles se comportam nas ruas. Mas também descobrimos que os efeitos para os policiais policiais são muito menores se seus gerentes também não tiverem sido treinados em justia§a processual. Tambanãm descobrimos que quaisquer melhorias no comportamento são limitadas pela forma como os policiais (e especialmente seus sargentos) são avaliados: se vocêtreina policiais para se comportarem de maneira procedimental, apenas os recompensa por prisaµes e reduções de crimes violentos, então não surpreende. precisa se concentrar em prender as pessoas, em vez de construir a confianção dos cidada£os. Portanto, se vocêquer melhorar o comportamento dos policiais, também precisa repensar como avalia e recompensa o comportamento dos policiais,guerreiros que são duros com criminosos vs. nossomos protetores , confia¡veis por nossos vizinhos ”).

Isso estãorelacionado ao segundo insight principal. Descobrimos que diferentes forças policiais implicitamente ou explicitamente identificaram diferentes atores como seus “principais clientes”. Quando uma força policial estabelece explicitamente que os cidada£os são seu cliente central, eles se tornam muito mais focados em: a) entender como os cidada£os definem e entendem seus problemas de segurança (hiperlocal), b) construir confianção com os cidada£os, especialmente em comunidades marginalizadas, que podem levar a c) estabelecer relações de colaboração com os vizinhos para projetar melhores estratanãgias que visem esses problemas ed) criar mecanismos de responsabilidade bidirecional para que um contrato e uma relação de trabalho verdadeiros sejam estabelecidos entre os cidada£os e sua pola­cia. Esse foco érefletido naturalmente em rotinas, protocolos, treinamento e manãtricas de avaliação. E não posso enfatizar o papel da liderana§a nisso o suficiente. Por fim, o chefe de pola­cia éa voz de sua organização, tanto para os policiais quanto para o exterior. Quem escolhemos para posições de liderana§a, as mensagens que eles enviam e como eles os enviam tem um impacto desproporcional.

Por outro lado, descobrimos que outras forças policiais definem implicitamente o governo local como seu "cliente" (de fato, em geral, descobrimos que não identificar os cidada£os como o eleitorado mais importante leva a essa definição de fato). Nesta perspectiva, o que mais importa não são as experiências, percepções e comportamentos vividos pelos cidada£os. Em vez disso, as forças policiais se concentram inteiramente nas manãtricas agregadas do crime: taxas de crimes, prisaµes, taxas de liberação, "eficiência da pola­cia". Observe que nesta narrativa, o foco principal da pola­cia estãoem "criminosos" e crime. Todos os processos, protocolos, treinamento, manãtricas e avaliações são projetados em torno dessa minoria muito pequena de pessoas (algumas das quais são perigosas!). E quanto mais isso acontece, mais as forças policiais se voltam para dentro da reta³rica do "noscontra eles".

Procurando mais informações?

Quero ser muito claro: não estou de maneira alguma sugerindo que manãtricas e avaliações de desempenho não sejam importantes. Em vez disso, o que observamos éque as forças policiais tem objetivos diferentes, muitos dos quais estãoem tensão inevita¡vel (por exemplo, precisamos ter a capacidade de empregar força, mas são podemos fazer isso de forma eficaz se os cidada£os confiarem em nós). E quando essas tensaµes não são explicitamente reconhecidas e tecidas nos processos e sistemas da organização, uma (geralmente a implantação da força) tende a dominar as outras (geralmente a confianção e a responsabilidade do cidada£o).

Vocaª vaª casos de violência policial e racismo como decorrentes das ações de algumas maçãs podres ou como problemas sistemicos?

Essa dicotomia éextremamente prevalente. Mas também éfalso. Primeiro, éempiricamente verdade que praticamente todos os casos de mau comportamento policial são motivados por um número muito pequeno de policiais problemáticos. A esmagadora maioria dos policiais faz seu trabalho com cuidado, respeito e sincero comprometimento com os cidada£os a quem serve. (Alia¡s, o mesmo éverdadeiro de crime mais crime, e, especialmente, a violência, étipicamente conduzido por um muito pequeno número de indivíduos de alto risco, que tendem a pertencer a um pequeno número de grupos de alto risco, em poucos locais de alto risco). Ao mesmo tempo, ésomente dentro de sistemas permissivos que um pequeno número de policiais ruins pode continuar se comportando mal. A pesquisa mostrou que a maioria dos casos de ma¡ conduta policial grave (por exemplo, o assassinato de um negro inocente) érealizada por policiais que receberam inaºmeras queixas ao longo de sua carreira, inclusive por comportamento violento (o policial que assassinou George Floyd tinha 18 queixas registradas em seu registro).

O trabalho policial éextremamente difa­cil - provavelmente o trabalho mais difa­cil que já vi. a‰ de se esperar que algumas pessoas com boa aparaªncia no papel e na academia não saibam como usar bem seu poder e discrição. As organizações policiais, portanto, devem ter os sistemas e protocolos para identificar rotineiramente os policiais que não estãocumprindo seu mandato. Alguns podem precisar de apoio adicional para voltar aos trilhos (por exemplo, todo policial que eu conhea§o tem um trauma significativo; muito poucos procuram ajuda e, para alguns, isso se torna um grave obsta¡culo ao trabalho). Alguns podem precisar ser removidos da organização. E a organização, como sistema, não deve mostrar absolutamente nenhuma tolera¢ncia por ma¡ conduta policial. Caso contra¡rio, a mensagem que envia a todos os seus oficiais éextremamente alta e extremamente clara.

“No va­deo de George Floyd, um dos oficiais mais jovens estãoclaramente desconforta¡vel com o que estãoacontecendo. Mas ele não age. Isso diz muito sobre a organização da qual ele faz parte. ”


Ha¡ um momento revelador no va­deo que mostra a prisão e o assassinato de George Floyd. Um dos oficiais mais jovens em cena estãoclaramente desconforta¡vel com o que estãoacontecendo. Podemos ver a hesitação em seu rosto. Mas ele não age. E isso diz muito sobre a organização da qual ele faz parte. Como Chris Rock costumava brincar, “maçã podre” éum nome muito generoso para se dar a um assassino. “Eu comi maçãs podres. Eles são azedos. Eles não me sufocam atéa morte. E existem certos empregos em que vocêsimplesmente não pode permitir "maçãs podres". A pola­cia e os pilotos de avia£o são dois exemplos. As consequaªncias são muito graves.

Existem lições de sua pesquisa sobre como lidar com o racismo e a violência da pola­cia nos Estados Unidos?

Sim. Mudança épossí­vel. Vimos agaªncias policiais se transformarem radicalmente em períodos relativamente curtos. Na³s os vimos passar de organizações opressivas, corruptas e violentas a verdadeiras agaªncias ca­vicas que tem a confianção e a colaboração dos cidada£os a quem servem. Mas isso são aconteceu quando: a) háuma reformulação fundamental na missão da organização (que énosso "cliente" central); b) a organização éconcebida como um sistema de prática s, protocolos, sistemas, cultura e valores interconectados que precisam estar em coeraªncia; c) existe um envolvimento significativo da sociedade ca­vica em uma abordagem construtiva e colaborativa (incluindo empresa¡rios locais e lideres ca­vicos, grupos vizinhos, instituições educacionais) que, no entanto, possui mecanismos claros de prestação de contas; e d) existe apoio pola­tico da alta liderana§a para garantirmudanças e continuidade ao longo dos ciclos pola­ticos. Nãohásoluções rápidas. Nãoháintervenções simples e pontuais que va£o corrigir isso.

As forças policiais nunca devem tolerar ma¡ conduta policial e devemos responsabiliza¡-las por isso. Mas os policiais também não devem ser considerados inimigos. Assim como os policiais devem, inequivocamente, ser responsabilizados por mau comportamento, as forças policiais e os cidada£os também devem deixar claro que sempre teremos as costas daqueles policiais que agem de boa fée de acordo com nossos valores compartilhados. Sa³ podemos realmente conseguirmudanças quando os dois lados, a pola­cia e os cidada£os a quem servem, vaªem o outro como um parceiro necessa¡rio. Sa³ podemos fazer isso a partir de um local de respeito e empatia maºtuos . Sa³ podemos fazer isso ouvindo e trabalhando uns com os outros. Sa³ podemos fazer isso juntos.

 

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