Como o significado da Declaração de Independaªncia Americana mudou ao longo do tempo
Nas décadas seguintes a Declaração de Independaªncia, os americanos começam a ler a afirmação de que "todos os homens são criados iguais" de maneiras diferentes das que os autores pretendiam, diz o historiador de Stanford Jack Rakove .
A cada geração, as palavras expressas na Declaração de Independaªncia se
expandiram além do que os pais fundadores pretendiam originalmente quando
adotaram o documento hista³rico em 4 de julho de 1776, diz o historiador de
Stanford Jack Rakove. (Crédito da imagem: Getty Images)
Em 4 de julho de 1776, quando o Congresso Continental adotou o texto hista³rico elaborado por Thomas Jefferson, eles não pretendiam que isso significasse igualdade individual. Em vez disso, o que eles declararam foi que os colonos americanos, como povo , tinham os mesmos direitos de autogoverno que outras nações. Como eles possuaam esse direito fundamental, disse Rakove, eles poderiam estabelecer novos governos dentro de cada um dos estados e coletivamente assumir sua "posição igual e separada" com outras nações. Foi somente nas décadas após a Guerra Revoluciona¡ria Americana que a frase adquiriu sua reputação convincente como uma declaração de igualdade individual.
Aqui, Rakove reflete sobre essa história e como agora, em um momento de maior escrutanio dos fundadores dopaís e do legado de escravida£o e injustia§as raciais que eles perpetuavam, os americanos podem entender melhor as limitações e falhas de seus governos anteriores.
Rakove éo professor de Hista³ria e Estudos Americanos William Robertson Coe e professor de ciência polatica, emanãrito, na Escola de Humanidades e Ciências. Seu livro, Significados Originais: Polatica e Ideias na Criação da Constituição (1996), ganhou o Praªmio Pulitzer de Hista³ria. Seu novo livro, Além da crena§a, além da consciência: o significado radical do exercacio livre da religia£o serápublicado no pra³ximo maªs.
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Com os EUA enfrentando sua história de racismo sistemico, existem problemas com os americanos hoje em dia que remontam a Declaração de Independaªncia e a Constituição dos EUA?
Eu vejo a Declaração como um ponto de partida e uma promessa, e a Constituição como um conjunto de compromissos que tiveram consequaªncias duradouras - algumas preocupantes, outras transformadoras. A Declaração, em sua nota¡vel concisão, nos da¡ verdades evidentes que formam as premissas do direito a revolução e a capacidade de criar novos governos apoiados no consentimento popular. A Constituição original, por outro lado, envolvia um conjunto de compromissos polaticos que reconheciam o status legal da escravida£o nos estados e tornavam o governo federal parcialmente responsável por manter "a instituição peculiar". Como argumentou meu falecido colega Don Fehrenbacher , a Constituição estava profundamente implicada no estabelecimento de "uma república de proprieta¡rios de escravos" que protegia a escravida£o de maneiras complexas até1861.
Mas as emendas da reconstrução de 1865-1870 marcaram uma segunda fundação constitucional que repousava em outras premissas. Juntos, eles fizeram uma definição mais ampla de igualdade como parte da ordem constitucional e deram ao governo nacional uma base eficaz para desafiar as desigualdades raciais nos estados. Infelizmente, demorou muito tempo para a Segunda Reconstrução da década de 1960 implementar esse compromisso, mas, quando o fez, foi um cumprimento da visão original da década de 1860.
Amedida que as pessoas examinam criticamente a história fundadora dopaís, o que elas podem se surpreender ao aprender com sua pesquisa que pode informar sua compreensão da história americana hoje?
Duas coisas. Primeiro, a pergunta mais difacil que enfrentamos ao pensar nos piva´s fundadores da nação sobre se o Sul, dono de escravos, deveria ter sido parte dele ou não. Se vocêacha que deveria ter sido, édifacil imaginar como os autores da Constituição poderiam ter atingido esse objetivo sem fazer algum conjunto de “compromissos†que aceitassem a existaªncia legal da escravida£o. Quando discutimos a Convenção Constitucional, muitas vezes elogiamos o compromisso de conceder a cada estado um voto igual no Senado e condenamos a Cla¡usula das Traªs Quintas, permitindo que os estados do sul contassem seus escravos para fins de representação polatica.
Segundo, a maior traganãdia da história constitucional americana não foi o fracasso dos conspiradores em eliminar a escravida£o em 1787. Essa opção simplesmente não estava disponavel para eles. A verdadeira traganãdia foi o fracasso da Reconstrução e o surgimento da segregação Jim Crow no final do século 19, que levou muitas décadas para derrubar. Essa foi a grande oportunidade constitucional que os americanos não conseguiram aproveitar, talvez porque quatro anos de Guerra Civil e uma década de ocupação militar do Sul simplesmente esgotassem a opinia£o pública do norte. Mesmo agora, se vocêolhar para questões de supressão de eleitores, ainda estamos lutando com suas consequaªncias.
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Vocaª argumenta que, nas décadas seguintes a Declaração de Independaªncia, os americanos começam a entender a afirmação da Declaração de Independaªncia de que “todos os homens são criados iguais†de uma maneira diferente da que os autores pretendiam. Como os pais fundadores encaravam a igualdade? E como essas interpretações divergentes surgiram?
Quando Jefferson escreveu “todos os homens são criados iguais†no prea¢mbulo da Declaração, ele não estava falando sobre igualdade individual. O que ele realmente quis dizer foi que os colonos americanos, como povo , tinham os mesmos direitos de autogoverno que outros povos e, portanto, podiam declarar independaªncia, criar novos governos e assumir sua "posição separada e igual" entre outras nações. Mas depois que a Revolução teve sucesso, os americanos começam a ler essa famosa frase de outra maneira. Tornou-se agora uma declaração de igualdade individual que todos e todos os membros de um grupo privado poderiam reivindicar por si mesmos. A cada geração que passa, nossa noção de quem essa declaração aborda se expandiu. a‰ essa promessa de igualdade que sempre definiu nosso credo constitucional.
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Thomas Jefferson esboa§ou uma passagem na Declaração, mais tarde golpeada pelo Congresso, que culpava a monarquia brita¢nica por impor a escravida£o a colonos americanos pouco dispostos, descrevendo-a como "a cruel guerra contra a natureza humana". Por que essa passagem foi removida?
Em diferentes momentos, os colonos da Virgania tentaram limitar a extensão do tra¡fico de escravos, mas a coroa brita¢nica havia bloqueado esses esforços. Mas os virginianos também sabiam que seu sistema escravo estava se reproduzindo naturalmente. Eles poderiam eliminar o comanãrcio de escravos sem eliminar a escravida£o. Isso não era verdade nas Antilhas ou no Brasil.
A razãomais profunda para a exclusão dessa passagem foi que os membros do Congresso Continental estavam moralmente envergonhados com o envolvimento volunta¡rio das cola´nias no sistema de escravida£o. Fazer qualquer reclamação dessa natureza os abriria a acusações de hipocrisia hiera¡rquica que seria melhor deixar sem declaração.
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Se os pais fundadores, incluindo Thomas Jefferson, pensavam que a escravida£o era moralmente corrupta, como eles se reconciliavam com os pra³prios escravos e como ainda era incorporada a lei americana?
Dois argumentos oferecem o inicio de uma resposta a essa pergunta complicada. A primeira éque o desejo de explorar o trabalho era uma característica central da maioria das sociedades colonizadoras nas Amanãricas, especialmente aquelas que dependiam da exportação de mercadorias valiosas como açúcar, tabaco, arroz e (muito mais tarde) algoda£o. Ma£o-de-obra barata em grandes quantidades foi o fator crítico que tornou essas mercadorias lucrativas, e os plantadores não se importaram com quem a fornecia - a população indagena, os empregados brancos e, eventualmente, os escravos africanos - desde que estivessem la¡ para serem explorados.
Dizer que esse sistema de exploração era moralmente corrupto exige que se identifique quando argumentos morais contra a escravida£o começam a aparecer. Tambanãm épreciso reconhecer que havia duas fontes de oposição moral a escravida£o, e elas são surgiram após 1750. Uma veio de seitas protestantes radicais, como os quakers e os batistas, que perceberam que a exploração de escravos era inerentemente pecaminosa. O outro veio dos revoluciona¡rios que reconheceram, como Jefferson argumentou em suas Notas sobre o Estado da Virgania, que o pra³prio ato de possuir escravos implantaria um "despotismo incessante" que destruiria a capacidade dos proprieta¡rios de escravos de agir como cidada£os republicanos. A corrupção moral com a qual Jefferson se preocupava, em outras palavras, era o que aconteceria aos proprieta¡rios de escravos que se tornariam vitimas de suas próprias "paixaµes violentas".
Mas o grande problema que Jefferson enfrentou - e que muitos de seus craticos modernos ignoram - éque ele não conseguia imaginar como os povos negros e brancos poderiam coexistir como cidada£os livres em uma república. Ele argumentou na Consulta XIV de suas anotações que já havia muita história imunda dividindo esses povos. E pior ainda, Jefferson supa´s, em termos proto-racistas, que as diferenças entre os povos também condenariam esse relacionamento. Ele achava que os afro-americanos deveriam ser libertados - mas colonizados em outros lugares. Esse éo aspecto do pensamento de Jefferson que achamos tão angustiante e deprimente, por razões a³bvias. No entanto, também temos que reconhecer que ele estava tentando lidar, penso sinceramente, com um problema real.
Nenhum relato hista³rico das origens da escravida£o americana jamais satisfaria nossa consciência moral hoje em dia, mas, como tentei repetidamente explicar aos meus alunos de Stanford, a tarefa de pensar historicamente não éfazer julgamentos morais sobre as pessoas no passado. Nãoéum trabalho a¡rduo se vocêquiser fazer isso, mas sua condenação, por mais justificada que seja, nunca explica por que as pessoas no passado agiram como agiram. Esse éo nosso verdadeiro desafio como historiadores.