Volumes com artigos sobre o economista paraibano são lana§ados pela Editora da Universidade Estadual da Paraaba

O economista brasileiro Celso Furtado osFotomontagem de Beatriz Abdalla/Jornal da USP sobre fotos de Arquivo Nacional/Domanio Paºblico e Eduepb
“Pensei em iniciar este texto de apresentação com a expressão ‘se vivo fosse, Celso Furtado completaria 100 anos em julho de 2020’. Mas como não afirmar que ele estãovivo hoje? Afinal, não hámelhor forma de permanecermos vivos que pelas ideias, pelas obrasâ€, escreve o reitor da Universidade Estadual da Paraaba (UEPB), Antonio Guedes Rangel Junior, na apresentação do livro Celso Furtado osA Esperana§a Militante (Interpretações), lana§ado no dia 2 de junho passado e disponavel gratuitamente, na antegra, no site da Editora da Universidade Estadual da Paraaba (Eduepb), que publica a obra. Segundo o reitor, o livro “éuma prova da atualidade do pensamento do paraibano mais destacado como pensador e intanãrprete do Brasil, que foi além da realidade brasileira, tornando-se uma referaªncia no mundo e, sobretudo, na Amanãrica Latinaâ€.
O volume éo primeiro de três que sera£o publicados pela Eduepb, dentro do Projeto Editorial 100 Anos de Celso Furtado. O segundo volume, Celso Furtado osA Esperana§a Militante (Depoimentos), serálana§ado nesta sexta-feira, dia 3. Já o terceiro volume, Celso Furtado osA Esperana§a Militante (Desafios), estãoprevisto para o dia 26 de julho, data em que se completa o centena¡rio de Celso Furtado, nascido em 26 de julho de 1920 em Pombal, na Paraaba, e morto em 2004, no Rio de Janeiro, aos 84 anos. “A trilogia éa maior e mais robusta obra já publicada sobre Furtado. Foi pensada com o propa³sito celebrar os 100 anos de nasciÂmento desse paraibano que se tornou um cla¡ssico do pensamento brasiÂleiro e, sobretudo, um militante da esperana§aâ€, afirma o professor Cidoval Morais de Sousa, docente do Programa de Pa³s-Graduação em Desenvolvimento Regional da UEPB e um dos organizadores da obra, ao lado de Ivo Marcos Theis e JoséLuciano Albino Barbosa. Os três são também os coordenadores do projeto editorial. “Celso Furtado foi um dos mais importantes economistas e cientistas sociais brasileiros. Sua obra atravessou o século 20 e chegou ao século 21 agendando, provocando e iluminando debates e proposições para a solução de problemas ainda cra´nicos no Brasil, como as desigualdades regionaisâ€, acrescenta Sousa.
Celso Furtado osA Esperana§a Militante (Interpretações) reproduz textos já divulgados em outros Espaços (livros, dossiaªs, peÂria³dicos, anais), criando novas oportunidades de divulgação, com a intenção de estimular leituras, discussaµes e instigar novas interpretações do pensaÂmento furtadiano, como explica Sousa. Segundo ele, a proposta desse primeiro volume éa de oferecer não um manual tanãcnico do tipo “para compreender Furtadoâ€, mas, sim, um guia cratico, que não conduz o leitor, necessariamente, por um mesmo caminho, que não embala e entrega uma compreensão pronta, fechada, definitiva de sua obra. “No ma¡ximo, indica pistas, recortes, trajetos inconÂclusos, projetos em curso e uma avalanche de desafios e questões que nos provocara£o ainda por muito tempo, dada a singularidade de sua obra. Por isso, este livro interessa, assim pensamos, tanto aos que desejam coÂnhecer quanto aos que pretendem realizar estudos mais aprofundados ou mesmo revisitar a obra de Furtadoâ€, completa.
O segundo volume, que também estara¡ disponavel gratuitamente no site da editora, reaºne entrevistas realizadas pelos organizadores, nos últimos cinco anos, com pessoas que trabalharam, estudaram e interagiram com Celso Furtado nos principais momentos de sua carreira acadaªmica e polatica, entre 1959 e 2003. Esse período envolve sua atuação na Comissão Econa´mica para a Amanãrica Latina e o Caribe (Cepal), na criação da Sudene e nos ministanãrios do Planejamento e da Cultura, além do exalio. “Entre os entrevistados estãoOtamar de Carvalho, o falecido socia³logo Chico Oliveira, o economista Osvaldo Sunkel, Gonzaga Belluzo, Oswaldo Martneer, a‚ngelo Osvaldo e o paraibano Juarez Farias, que foi a primeira pessoa contratada por Furtado para o projeto da Sudeneâ€, conta Sousa, informando ainda que as entrevistas são precedidas de apresentações, leituras e contextos que situam esses atores na história recente do Brasil e, sobretudo, na vida de Furtado.
John Kennedy e Celso Furtado na Casa Branca, nos Estados Unidos, em 1961,
discutindo o desenvolvimento do Nordeste brasileiro os
Foto: Arquivo Nacional/Domanio Paºblico
Sousa adianta que o terceiro volume, que serádisponibilizado no pra³ximo dia 26 com o subtítulo Desafios, foi produzido com a colaboração de pesquisadores que, inspirados em Furtado, atuam na área do desenvolvimento regional osum dos principais temas da obra do economista paraibano. “Estão contemplados, nesse conjunto, pesquisadores de todas as regiaµes do Paas que tem como linha comum de ação o desenvolvimento regional, em tema¡ticas que va£o da cla¡ssica industrialização, passando por questões relacionadas ao planejamento, desenvolvimento e subdesenvolvimento, atétemas como educação, cultura e desenvolvimentoâ€, informa.
Um militante da esperana§a
O primeiro volume da trilogia estãodividido em quatro partes osIdentidade, Pensamento e contribuições, Desenvolvimento e subdesenvolvimento e Desenvolvimento regional -, reunindo textos de mais de 20 pensadores do Brasil, de outrospaíses da Amanãrica Latina e de Portugal.
Segundo Cidoval Sousa, são textos produzidos nos últimos 30 anos por leitores atentos e privilegiados. “Atentos, porque pesquisadores, estudiosos dos problemas brasileiros, vinculados a insÂtituições de prestígio nacional e internacional e que tem a cratica como natureza de ofacio; privileÂgiados, porque conviveram com Celso Furtado em algum momento da sua vida pessoal, profisÂsional ou acadaªmica. Puderam, além de estuda¡-lo e ouvi-lo, testemunhar aquilo que nos parece a principal característica de seu legado: a prova de que teoria e prática são indissocia¡veis. A trilogia éum convite a leitura do cla¡sÂsico Furtadoâ€, diz o organizador.
A abertura do livro éfeita pela viaºva de Celso Furtado, a jornalista e tradutora Rosa Freire d’Aguiar. Ela traz um perfil intelectual do economista, que nasceu no sertão da Paraaba, onde passou os 20 primeiros anos de sua vida entre literatura, história, filosofia e ciências sociais. “O pai, dr. Mauracio, era advogado e professor de portuguaªs, e também maa§om, o que então significava ser anticlerical e aberto a ideias novas. Graças a essa abertura de esparito, bem jovem Celso teve em casa uma fornida biblioteca que lhe deu acesso a escritores como Swift e Defoe e a s primeiras leituras de ciências sociais, filosofia, história e atémesmo psicanáliseâ€, conta Rosa.
Capa do livro Celso Furtado osA Esperana§a Militante (Interpretações)
Foto: Editora da Universidade Estadual da Paraaba (Eduepb)
Rosa Freire d’Aguiar e Celso Furtado osFoto: Divulgação/Celso Furtado via Portal
Belo Horizonte
Mesmo com uma forte vertente litera¡ria osseu primeiro livro, publicado aos 25 anos, foi uma coleção de contos –, a formação em direito acabou levando Celso Furtado para outro lado. “Foi no terceiro ano da faculdade que, motivado pelo que aprendia nas aulas de direito administrativo, Celso prestou concurso para assistente de organização do Departamento de Administração do Servia§o Paºblico (Dasp). Um ano depois, fez outro concurso, desta vez para tanãcnico de administração do Departamento de Servia§o Paºblico do Estado do Rio de Janeiro. Nos dois, passou em primeiro lugar. A partir daa, embora continuasse os estudos de direito, a tema¡tica da organização e da administração pública entrou em seu universo intelectual, e foi tema de seus primeiros textos acadaªmicosâ€, recorda Rosa. Ela acrescenta que, atéterminar o doutorado na Frana§a, em 1948, Furtado escreveu diversos trabalhos sobre teoria da administração, Estado e democracia, organização e programação em empresas privadas e estatais, necessidade de criação e implementação do planejamento. “Ideias que seriam o embria£o de outras tantas aprofundadas adiante, quando chefiou a Divisão de Desenvolvimento da Cepal (Comissão Econa´mica para a Amanãrica Latina, órgão das Nações Unidas), em Santiago do Chile, e quando, ainda mais tarde, idealizou o Ministanãrio do Planejamento do Brasil, do qual foi o primeiro titularâ€, completa.
No livro, o socia³logo JoséLuciano Albino Barbosa revisita temas recorrentes na vida de Celso Furtado: a cratica do subdesenvolvimento, a luta contra as oligarquias nordestinas e a criação da Sudene (Superintendaªncia do Desenvolvimento do Nordeste) como expectativa de transformação de estruturas. “Celso Furtado investiu bastante esfora§o pessoal para a criação de um conhecimento de cunho tanãcnico e polatico orientado ao desenvolvimento do Nordeste e do Brasil, tomando como ponto de partida a cratica das estruturas arcaicas e antissociais que são a causa do nosso estado de subdesenvolvimento: as oligarquias, os coronanãis, a desigualdade regional e a exclusão e exploração do mais pobre. Ele não elaborou isso na Sorbonne ou em outro lugar de sua rigorosa formação acadaªmica. Tal ampeto patria³tico a que me refiro teve origem na infa¢ncia, quando viu, ele mesmo, a seca, os coronanãis, a violência, beatos e cangaceiros, a misanãria do povo, enfim.â€
Em outro texto presente no livro, o economista e cientista polatico Luiz Carlos Bresser-Pereira apresenta Manãtodo e Paixa£o em Celso Furtado, artigo publicado originalmente em A Grande Esperana§a em Celso Furtado (Editora 34, 2001). Segundo Bresser-Pereira, na segunda metade do século 20, nenhum intelectual contribuiu mais do que Furtado para a compreensão do Brasil. “Ele não ofereceu apenas explicações econa´micas para nosso desenvolvimento e nosso subdesenvolvimento. Mais do que isso, ele situou o Brasil no contexto do mundo, analisou sua sociedade e sua polatica, ofereceu soluções para os grandes problemas enfrentados. Para realizar essa tarefa tão ambiciosa quanto frustrante osporque, afinal, o Brasil ficou aquanãm de suas grandes esperanças –, Celso usou do manãtodo e da paixa£o. No manãtodo ele foi rigoroso, mas isso não o impediu de encarar com paixa£o seu objeto de estudo, que foi sempre também um projeto republicano de vida: o desenvolvimento do Brasil.â€
Teoria estruturalista
Professor do Departamento de Ciência Polatica da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, Bernardo Ricupero, em artigo também publicado em Celso Furtado osA Esperana§a Militante (Interpretações), foca sua reflexa£o na contribuição de Furtado para o pensamento social brasileiro. Segundo Ricupero, “a contribuição particular de Celso Furtado ao que ficou conhecido como teoria estruturalista da Cepal foi historiciza¡-la, mostrando como foi estabelecida, ao longo do tempo, a relação entre cola´nias e metra³poles,países desenvolvidos e subdesenvolvidos, centro e periferiaâ€. O artigo trata ainda da relação de Furtado com obras sobre a formação do Brasil. “Se éverdade que Furtado não cita, em profusão, em Formação Econa´mica do Brasil e em seus escritos posteriores, os ‘novos cla¡ssicos’ da modernidade brasileira, Gilberto Freyre, Caio Prado Jr. e Sanãrgio Buarque de Holanda, o mesmo não ocorre com sua tese de doutorado. Uma das possibilidades oferecidas pela leitura de Economia Colonial do Brasil nos Sanãculos XVI e XVII éprecisamente permitir iniciar o desvelamento do dia¡logo implacito de seu autor com o pensamento social brasileiro. A obra de Furtado faz parte, em particular, de um ‘quase’ gaªnero brasileiro: os livros sobre a formação de nossa sociedad
Para o economista e ex-ministro do Planejamento e da Fazenda Guido Mantega, o surgimento e a consolidação do pensamento econa´mico no Brasil estãoindissoluvelmente ligados a Celso Furtado. “O faro agua§ado de Furtado, para decifrar a problema¡tica socioecona´mica, advanãm não apenas de sua formação multidisciplinar, mas principalmente de sua participação direta nos acontecimentos mais importantes dessa anãpoca, como personagem e observador privilegiadoâ€, escreve. “Pode-se dizer que Furtado estava no lugar certo no momento certo, pois assistiu ao nascimento da Cepal e ajudou na sua consolidação, participou do BNDE, fundou a Sudene, foi membro destacado dos governos de Juscelino Kubitschek, Ja¢nio Quadros e Joa£o Goulard, de quem foi ministro do Planejamento, estudou na Frana§a e Inglaterra e depois lecionou nessespaíses. Enquanto expoente do desenvolvimento, Furtado éum dos pais do intervencionismo keynesiano no Brasil e o primeiro pensador brasileiro a desenvolver um modelo de análise baseado na heterodoxia estruturalistaâ€, analisa Mantega.
Um artigo do socia³logo Francisco de Oliveira, da USP, que morreu em 2019, também estãono livro lana§ado pela Editora da UEPB. Intitulado Subdesenvolvimento: Faªnix ou Extinção, o texto foi publicado originalmente no ano 2000, no livro Celso Furtado e o Brasil, organizado pela economista Maria da Conceição Tavares. Nele, Oliveira afirma que, “apesar de todos os possaveis predecessores que possam ser apontados como inspiradores da teorização cepalina do subdesenvolvimento, de que Celso Furtado éum dos autores, hápoucas daºvidas de que o conceito do subdesenvolvimento como uma formação singular do capitalismo ose não como um elo na cadeia do sequenciamento que vai do não-desenvolvido ao desenvolvido oséuma criação cuja densidade e cujo poder heurastico explicativo da especificidade da periferia latino-americana são foram plenamente alcana§ados com os trabalhos da Cepal e sua mais abrangente e aprofundada elaboração pelo nosso homenageadoâ€. Segundo Oliveira, todo o pensamento em torno da questãonacional e regional depaíses “atrasados†mudou a partir dos trabalhos da Cepal.
Entre os artigos de pesquisadores internacionais estãoo texto do portuguaªs JoséLuas Cardoso, Celso Furtado e as Encruzilhadas do Desenvolvimento. Ali Cardoso afirma que Furtado cruzou uma diversidade de ciências sociais, mostrando que a ciência econa´mica não pode ficar alheia, nem ignorar, as contribuições de outros domanios cientaficos que alargam e enriquecem a compreensão da realidade econa´mica e social. Segundo o autor, a atualidade e releva¢ncia dos temas da agenda de investigação de Celso Furtado justificam a atenção que continuam a suscitar sempre que se discutem os problemas do desenvolvimento econa´mico no mundo contempora¢neo.