Humanidades

Por que os monumentos confederados estãocaindo agora
Como os monumentos e memoriais confederados são derrubados nos Estados Unidos, o historiador de Stanford James T. Campbell diz que éimportante pensar historicamente não apenas no passado, mas também no nosso tempo e no que as geraçaµes futuras
Por Melissa De Witte - 16/07/2019



Amedida que as pessoas nos Estados Unidos enfrentam o legado de escravida£o e racismo sistemico dopaís, monumentos e memoriais em homenagem a  Confederação se tornaram pontos de inflamação pola­ticos, com alguns exigindo sua remoção como sa­mbolos da opressão racial e outros alertando para uma tentativa de "apagar" a história e o patrima´nio .

De acordo com o historiador de Stanford James T. Campbell , a maioria desses memoriais - dos quais ainda existem mais de mil espalhados pelos EUA, muitos em estados que na verdade não se separaram - foram erguidos não imediatamente após a Guerra Civil, mas em os anos de 1890 entre 1915. Esse período, observa Campbell, foi a mesma anãpoca que viu a violenta restauração da supremacia branca no sul, a privação de eleitores negros, a segregação legal e um aumento drama¡tico nos linchamentos.

"A compreensão desse contexto hista³rico torna muito mais difa­cil afirmar que esses monumentos e memoriais são simplesmente 'patrima´nio', inocentes de qualquer significado racial", disse Campbell.

Aqui, Campbell discute o contexto hista³rico em que esses monumentos foram criados e como eles se tornaram procuradores em debates sobre injustia§a racial e racismo anti-negro hoje.

Campbell éo professor Edgar E. Robinson em Hista³ria dos Estados Unidos na  School of Humanities and Sciences . Sua pesquisa se concentra na história afro-americana e no legado da escravida£o na Amanãrica. Ele também examina as maneiras pelas quais as sociedades contam histórias sobre seu passado, não apenas em livros dida¡ticos e monografias acadaªmicas, mas também em locais hista³ricos, museus, memoriais, filmes e movimentos pola­ticos. 

Dificilmente se pode pegar um jornal hoje sem ler sobre outro monumento ou memorial sendo alvo de manifestantes ou removido pelas autoridades da cidade. Vocaª pode explicar o que estãoacontecendo?

Estamos meio que tendo um momento memora¡vel, não estamos? Como historiador, acho que háduas questões distintas aqui. O primeiro éentender a história de diferentes monumentos e memoriais - as circunsta¢ncias em que foram criados, as histórias que foram projetadas para contar ou suprimir. Mas também éimportante pensar historicamente sobre o nosso tempo. A maioria dos monumentos que caa­ram nos últimos anos - estou pensando particularmente em monumentos que honram a Confederação - permanece hámais de um século. Portanto, o fato de estarmos discutindo sobre eles agora sugere que algo mudou.

Como surgiram todos esses monumentos e memoriais confederados e por que se tornaram tão controversos agora?

Tem havido muitos trabalhos acadaªmicos sobre a Guerra Civil na memória americana, e sobre os monumentos da Guerra Civil em particular. Algumas dessas ideias se tornaram um conhecimento paºblico mais amplo no contexto de debates recentes. A maioria, ou pelo menos muitos, dos americanos agora entende o papel que os memoriais e monumentos confederados tiveram na consolidação da ideologia de "Causa Perdida", que foi uma campanha concertada para desviar a memória e o significado da Guerra Civil dos temas de escravida£o e emancipação. (que manifestamente foram a principal causa e consequaªncia da guerra) a coisas como "direitos do estado" e a galanteria de soldados comuns. As pessoas também estãocada vez mais conscientes de que a maioria dos monumentos e memoriais confederados não foram construa­dos logo após a guerra, mas uma geração depois, nos anos entre 1890 e 1915. Este foi o mesmo período em que houve a violenta restauração da supremacia branca nos estados do sul, incluindo a privação formal de eleitores negros, a criação de segregação legal e o horror horra­vel do linchamento. Compreender esse contexto hista³rico torna muito mais difa­cil afirmar que esses monumentos e memoriais são simplesmente "patrima´nio", inocentes de qualquer significado racial. 

Dado o que vocêacabou de dizer, suponho que a questãonão seja simplesmente por que esses monumentos estãocaindo hoje, mas por que demorou tanto tempo. Porque isto esta acontecendo agora?

A resposta curta éque as histórias contadas por esses monumentos - que a Guerra Civil foi um confronto roma¢ntico entre hera³is de azul e cinza, que a tentativa de estender a cidadania plena aos ex-escravizados durante a Reconstrução foi loucura, que a supremacia branca era a ordem natural das coisas - acreditava-se amplamente, e não apenas no sul. Demorou muito tempo para eliminar essas noções da cultura e da pola­tica americanas. Nãotenho certeza se ainda estamos completamente la¡.

O pedestal permanece, mas a esta¡tua do confederado George Davis, no
centro de Wilmington, Carolina do Norte, éremovida. 25 de junho de 2020.
(Crédito da imagem: Getty Images)

Quanto ao motivo pelo qual esses monumentos estãocaindo agora, acho que hámuitas causas próximas: as fotos que Dylan Roof postou on-line antes de seu tumulto assassino na Igreja Ma£e Emanuel AME de Charleston, segurando suas armas e a bandeira de batalha confederada; a marcha “Unite the Right” em Charlottesville, onde vimos bandeiras da Confederação misturadas com sua¡sticas nazistas; e agora o espeta¡culo de George Floyd sendo assassinado diante de nossos olhos. Todos esses incidentes, e muitos outros semelhantes a eles, provocaram um acerto de contas hámuito esperado com nosso passado racial, bem como com o fato bruto de injustia§a racial no presente.

Eu também acho que existem algumas explicações mais profundas aqui. Nos últimos duzentos ou trezentos anos, as reivindicações de direitos tem sido geralmente articuladas na linguagem do liberalismo, uma linguagem que éindividual e universal: 'Como ser humano, sou dotado de certos direitos inaliena¡veis, independentemente da cor da minha personalidade. pele, meu sexo "e assim por diante. Hoje, vemos reivindicações de direitos cada vez mais expressas na linguagem do reconhecimento, em demandas para que as identidades coletivas que estimamos sejam reconhecidas na esfera pública, incluindo nossas experiências coletivas de sofrimento e vitimização. Nesse tipo de clima pola­tico e intelectual, os sa­mbolos que celebram ou menosprezam tornam-se extremamente salientes - não apenas monumentos e memoriais, mas também coisas como museus, nomes de prédios e assim por diante.

A campanha para remover monumentos e memoriais controversos atraiu muitas cra­ticas - acusações de que estamos "apagando" a história ou impondo nossos pra³prios valores e perspectivas a s pessoas de outros tempos. Como vocêpercebe essas preocupações?

a‰ difa­cil para mim dar uma resposta geral a essa pergunta. Depende dos detalhes de diferentes monumentos e memoriais. Tambanãm depende, suponho, de quem estou discutindo na anãpoca. Certamente não sou uma pessoa que sente que precisamos preservar monumentos por si mesmos. Nãotenho nenhuma objeção de princa­pio a remover monumentos que honram pessoas e coisas que não consideramos mais honrosas. Mas me preocupo com o processo pelo qual essas decisaµes são tomadas. Tambanãm me preocupo com onde termina. Afinal, somos seres humanos, e nosso passado, individual e coletivo, inclui elementos que são graciosos e honrosos e outros que são dolorosos e horra­veis. Se apenas honrarmos os modelos, não teremos muitas esta¡tuas. Talvez seja uma coisa boa.

Quanto a manter as pessoas no passado nos padraµes atuais, acho que colocaria a questãode uma maneira diferente. Em que padrãoestamos nos mantendo? a‰ fa¡cil apontar um dedo acusador para Thomas Jefferson, dando um tapinha nas costas por nossa própria sabedoria e moralidade superiores no processo. Mas o que fazemos então? O que mudou? Qual éo nosso pra³ximo passo depois que o monumento foi derrubado? O verdadeiro desafio, parece-me, éusar essas incursaµes nos cantos mais sombrios de nosso passado coletivo para iluminar os cantos escuros de nosso presente coletivo, para reconhecer as maneiras pelas quais nostambém estamos envolvidos em uma grave injustia§a humana; injustia§a que muitas vezes inventamos para não ver. Simplificando, precisamos perguntar o que as futuras gerações dira£o sobre nós.

Como historiador, existem exemplos de memoriais ou monumentos que vocêacha que honram a história melhor do que outros?

O Vietnam Veterans Memorial, em Washington DC, Vietnam Memorial Wall,
foi projetado por Maya Lin e dedicado em 1982.
(Crédito da imagem: Getty Images)

Quanto mais eu trabalho nessas questões, mais comprometido sou com a ideia do "contra-memorial". Tomo esse termo de James Young, que o usa para descrever monumentos e memoriais projetados para não impor significado - “Esta éa minha geração dizendo ao seu o que pensar, sentir e valorizar” -, mas sim para induzi-lo, para provocar uma nova reflexa£o sobre quem nossomos e quem queremos nos tornar. O Memorial dos Veteranos do Vietna£ de Maya Lin tem um pouco dessa qualidade. O vizinho memorial da Segunda Guerra Mundial não, pelo menos na minha opinia£o.

Minha pesquisa atual me leva muitas vezes a  Filadanãlfia, Mississippi, local de um dos crimes mais nota³rios da era dos Direitos Civis, o assassinato orquestrado por Klan de três ativistas dos direitos de voto em 1964. Como outras cadeiras do condado do sul, a cidade tem um Confederado monumento no gramado do tribunal, erguido em 1912, um soldado solita¡rio no alto de um pedestal alto, com o rifle pronto. Alguns anos atrás, uma tempestade o explodiu, deixando um pedestal nu. Vocaª não podia olhar para aquele pedestal sem perguntar o que pertencia la¡ em cima. Vocaª deveria colocar o soldado de volta? Vocaª deveria colocar os trabalhadores assassinados dos Direitos Civis em seu lugar? Pareceu-me que a natureza havia produzido o memorial perfeito para a história ainda dolorosa, ainda não reconciliada desta pequena cidade. Eu disse isso a todos na cidade que quisessem ouvir - apenas deixe estar.

Eles ouviram?

Na£o. O soldado confederado estãode volta ao seu poleiro. Pelo menos por enquanto.

 

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