Humanidades

A consciência de uma nação
Lembrando John Lewis, a­cone dos Direitos Civis e contador de verdades
Por Christina Pazzanese - 21/07/2020


Representante dos EUA John Lewis no Harvard 2018 2018, onde foi palestrante principal.
Foto de arquivo de Rose Lincoln / Harvard Staff

Poucos lideres pola­ticos que fazem a transição com sucesso de ativistas para legisladores o fazem sem perder o fogo e se concentram nas causas que os levaram a  proeminaªncia. Mas o a­cone dos Direitos Civis e o deputado americano  John Lewis , democrata da Gea³rgia com 17 mandatos, era esse tipo de lider raro, nunca vacilando de sua missão original, ao ver que os negros na Amanãrica eram tratados com justia§a, igualdade e dignidade.

Ao contra¡rio de outros a­cones da era dos Direitos Civis, cujas mortes anos atrás comprimiram suas memórias em abstrações hista³ricas para as gerações posteriores, Lewis era um testemunho vivo, ofegante e sincero dos maus-tratos duradouros dopaís aos afro-americanos. Desde os Freedom Rides que ele tomou para desagregar os a´nibus, atéos golpes de corpo que sofreu em Selma, Alabama, e em outros lugares, atéas palavras emocionantes que ele convocou para pressionar pormudanças ousadas, para testemunhar em momentos de triunfo e revanãs nacional. incorporar o fa­sico, o pola­tico da nação. e luta espiritual pelos direitos civis.

Lewis, que falava em Harvard em 2018 e recebeu um diploma honora¡rio em 2012, morreu na sexta-feira aos 80 anos. Ele havia anunciado em dezembro que estava em esta¡gio 4 de câncer de pa¢ncreas.

"Opaís perdeu um grande lider e Harvard perdeu um grande amigo", disse o presidente Larry Bacow em comunicado no sa¡bado. “Ao longo de sua vida, John Lewis nos desafiou a sermos os melhores, a reconhecer a decaªncia e o valor de todo ser humano. Sua vida nos lembra o poder de um ser humano de mudar o mundo. Ele deixa esta nação em um lugar melhor e mais justo, mas onde ainda hámuito trabalho a ser feito. Honramos sua memória comprometendo-nos a sua busca incansa¡vel por justia§a, justia§a e oportunidade para todos. ”

Amplamente conhecido como “consciência do Congresso”, ele foi eleito pela primeira vez para a Ca¢mara dos EUA em 1986, representando o 5º Distrito Congressional da Gea³rgia, uma área majorita¡ria negra que abrange a maior parte do centro de Atlanta.

Lewis era o membro mais jovem e último sobrevivente dos "seis grandes", um grupo de lideres proeminentes da era dos Direitos Civis que inclua­a James Farmer, Martin Luther King Jr., Roy Wilkins, Whitney Young e A. Philip Randolph. Para ilustrar o quanto Lewis superou a anãpoca, Randolph nasceu em 1889 e sindicalizou os carregadores de ferrovias negras em 1925, oferecendo a eles e seus filhos um caminho da pobreza para a classe média.

Filho de um aprendiz de Alabama, Lewis era um estudante de teologia em Nashville quando se juntou a 12 outros ativistas para combater a desagregação no Sul, embarcando nos Freedom Rides em 1961. Como orador ardente e inspirador, ele co-fundou o Student Nonviolent Coordinating Committee (SNCC) e liderou as manifestações nos balcaµes de almoa§o "somente para brancos" em todo o sul em 1963. Ele foi preso dezenas de vezes. Ele também ajudou a organizar a marcante marcha em Washington para o Jobs and Freedom em 1963 e foi o orador final do evento.

Em 1965, ele co-liderou a  marcha  pela ponte Edmund Pettus em Selma, onde ele e centenas de manifestantes paca­ficos foram atacados por soldados brancos do estado com uma brutalidade implaca¡vel que o incidente chocou o sentimento do paºblico. Lewis sustentou um cra¢nio fraturado que quase terminou sua vida. Foi um momento decisivo na história dos Direitos Civis, um divisor de a¡guas conhecido como "Domingo Sangrento".

Além dos direitos civis, Lewis também acreditava no poder transformador da aprendizagem e procurava expandir o acesso ao ensino superior para afro-americanos e outros grupos historicamente sub-representados. Sua última declaração pública como congressista foi uma carta de 10 de julho a  Secreta¡ria de Educação Betsy DeVos, repreendendo um plano para impedir que estudantes internacionais freqa¼entassem a faculdade nestepaís, a menos que algumas aulas fossem realizadas pessoalmente. Harvard e Massachusetts Institute of Technology processaram para bloquear a nova pola­tica, e o governo Trump a retirou abruptamente em 14 de julho.

Lewis, além de receber um tí­tulo honora¡rio de Doutor em Direito em 2012, visitou Harvard frequentemente nos últimos anos. Como orador da Universidade em 2018, ele falou de maneira memora¡vel sobre a importa¢ncia da resistência justa ou sobre o que ele costumava chamar de “bons problemas, problemas necessa¡rios”.

"Minha filosofia émuito simples", disse Lewis a graduados e outros na plateia. "Quando vocêvaª algo que não estãocerto, não éjusto, não apenas, levante-se, diga algo e fale".

Lewis se juntou ao então presidente Drew Faust em 2016 para uma cerima´nia emocionante para reconhecer formalmente a complicada história da Universidade com a escravida£o, revelando uma placa que nomeou e homenageou quatro afro-americanos que viveram e trabalharam na Casa Wadsworth na década de 1700, quando eram de propriedade de Os presidentes de Harvard, Benjamin Wadsworth e Edward Holyoke.

O Centro de Liderana§a Paºblica da Harvard Kennedy School  homenageou Lewis em 2017 por seus 60 anos de carreira promovendo os direitos humanos.

Enquanto os americanos em 2020, na era da Black Lives Matter, demonstram uma nova disposição de enfrentar a história do racismo anti-negro dopaís, as palavras evocativas ditas pelo jovem Lewis na marcha de Washington ainda ressoam: “Nossas mentes, almas , e os corações não podem descansar atéque exista liberdade e justia§a para todas as pessoas. ”


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The Gazette entrevistou Lewis em 2017 sobre o trabalho de sua vida, seus sentimentos ao ver os ganhos dos Direitos Civis serem prejudicados e o que lhe deu esperana§a.

Perguntas e Respostas
John Lewis


Opaís se sente mais dividido hoje do que em algum tempo. Onde estãoa Amanãrica agora e para onde estamos indo?

Eu acho que estamos em um ponto de virada. Estou envolvido há60 anos, realmente. Eu já vi e testemunheimudanças inacredita¡veis. Digo aos jovens, especialmente a s criana§as pequenas, quando alguém me diz "nada mudou", sinto vontade de dizer "venha e ande no meu lugar". Eu vou te mostrar uma mudança.

Acho que estamos em um dos períodos mais difa­ceis da nossa história recente como nação e como povo. Existe esse sentimento de que étudo o que vamos fazer e não hámais nada ou um papel a desempenhar pelo governo nacional para ajudar a tornar reais as esperanças, sonhos e aspirações das pessoas. Mas, para realizar os sonhos de muitos - negros, brancos, asia¡ticos americanos, nativos americanos, latinos - não devemos deixar que esses sonhos e as esperanças de tantos sejam abandonados ou morram. Apesar de todo o progresso que foi feito - e fizemos progresso, percorremos uma distância - ainda temos uma distância a percorrer.

a‰ minha convicção que as cicatrizes e as manchas do racismo ainda estãoprofundamente enraizadas na sociedade americana e que as pessoas hoje no mais altoníveldo governo querem acender essas chamas. Algumas pessoas podem não estar conscientes de que estãofazendo isso, mas de maneiras estranhas ainda estãofazendo. A Lei dos Direitos Civis de 64, a Lei dos Direitos de Voto de 65 foram prejudicadas de muitas maneiras diferentes. A Suprema Corte, hálguns anos, colocou uma adaga no coração da Lei dos Direitos de Voto de 1965.

Ha¡ pessoas que querem contornar a lição, o efeito desses dois principais atos legislativos. Acho que ainda hánecessidade de pessoas em lugares altos, não apenas no governo, mas no setor privado, na comunidade acadaªmica, na ma­dia, nos nega³cios, para continuar sendo defensores, unindo pessoas e construindo o que Martin Luther King Jr. chamou "a comunidade amada".

“As criana§as pequenas são muito, muito inteligentes. E eles sera£o os lideres do século XXI. Eles va£o nos levar la¡. Então não tenho medo".


Na audiaªncia de confirmação do procurador-geral Jeff Sessions, vocêdisse: “Existem forças que querem nos levar de volta. Nãoqueremos voltar. a‰ desanimador que tantos dos problemas que vocêenfrentou há50 anos parea§am ter como alvo desvendar alguns?

Sim, vocêolha para a nomeação das pessoas para esta administração. Muitas dessas pessoas estãofora de sintonia com o futuro, com a abertura do processo pola­tico ou com a abertura da Amanãrica e com a entrada de pessoas. Na minha opinia£o, existe um espa­rito mesquinho movendo-se por todo opaís, e não podemos deixar que isso acontea§a sem levantar-se, falar, falar e resistir.

O que seria necessa¡rio para levar essepaís ao lugar que a Constituição previa, um lugar onde todas as pessoas são realmente criadas e tratadas como iguais?

Acho que precisamos continuar ensinando e pregando. Temos que continuar a inspirar as pessoas a dizer: "Na³s podemos fazer isso". A eleição do presidente Barack Obama deu muita esperana§a a s pessoas. E não podemos deixar que esse sentimento de esperana§a morra, e não podemos deixa¡-lo derrotado ou murchar nessa inacredita¡vel videira americana. Digo a criana§as pequenas - e adultos - que não devemos nos perder em um mar de desespero. Temos que ter esperana§a e ser otimistas. Seja corajoso, corajoso, corajoso e apenas levante-se, empurre e puxe.

Onde vocêvaª a esperana§a hoje?

Eu vejo isso entre nossos jovens, entre nossos filhos. Eles são tão inteligentes. As criana§as pequenas são muito, muito inteligentes. E eles sera£o os lideres do século XXI. Eles va£o nos levar la¡. Então, eu não tenho medo. Pode demorar um pouco mais para chegarmos la¡ por causa dos recentes contratempos. Quando me desloco e viajo pela Amanãrica, oua§o muitas pessoas, especialmente as de meia-idade e mais velhas, dizendo: “Congressista, sinto-me tão triste; Eu me sinto tão perdido. Vocaª tem uma palavra? Algumas pessoas dizem: "Eu preciso de um abraa§o." Eu digo: "Eu também preciso de um abraa§o." Tenho colegas que me procuram e dizem: "Qual éa palavra para o dia?" E direi: "Seja esperana§oso, seja corajoso, amor, paz".

John Lewis em Harvard em 2017
"Apesar de todo o progresso que foi feito - e fizemos progresso, percorremos uma distância - ainda temos uma distância a percorrer".
Foto: USATODAY

Vocaª lutou contra o sistema por fora e depois por dentro. Valeu a pena e onde vocêacha que foi mais eficaz?

Durante o final dos anos 50 e especialmente durante a década dos anos 60, foi um dos meus períodos mais eficazes porque, quando cresci, vi e provei os frutos amargos do racismo. Eu senti os golpes do a³dio. Era fa¡cil, era simples, ajudar a organizar uma manifestação em um balca£o de almoa§o em um restaurante ou liderar uma marcha ou sair e conduzir campanhas de registro de eleitores. a‰ lamenta¡vel, mas ainda hoje, temos que usar algumas dessas ta¡ticas e técnicas para dramatizar o problema, torna¡-lo claro e torna¡-lo real para que as pessoas possam vaª-lo e senti-lo.

Quando eu era estudante em Nashville, Tennessee, nos anos 60 e esta¡vamos planejando os protestos ou participando dos Freedom Rides, alguns de meus colegas disseram: "John, o que devemos fazer?" Precisamos encontrar uma maneira de dramatiza¡-lo, torna¡-lo real, torna¡-lo claro. E quando me mudei para Atlanta em 1963, aos 23 anos, e me tornei membro da igreja do pai do Dr. King - noso chamamos de "Papai Papai" - e o jovem Martin Luther King Jr. estava pregando e Papai Papai dizia: “Filho, deixe claro; torna¡-lo real. " Eu realmente acredito que a Marcha das Mulheres, no dia seguinte a  inauguração, enviou uma mensagem poderosa pela Amanãrica e pelo mundo. As pessoas entendem agora, e talvez mais do que nunca, o poder de votar com os panãs, e não apenas votar no dia das eleições.

Quando vocêolha para trás, sente que conseguiu o que se propa´s a realizar? Caso contra¡rio, o que mais resta a fazer e como isso pode acontecer?

O que eu acho importante éque ainda não criamos a “amada comunidade”. Nãoestavam la¡; ainda temos uma distância a percorrer. Os sinais que vi crescer, os sinais que vi em Nashville, em Atlanta e em todo o sul durante os anos 50 e 60 que diziam “homens brancos / homens de cor, mulheres brancas / mulheres de cor, meninos brancos / de cor meninos ”, esses sinais se foram. E o aºnico lugar em que esses sinais apareceriam hoje e nosos vera­amos seria em um livro, em um museu ou em um va­deo.

Mas temos esses sinais invisa­veis que discriminam ou derrubam as pessoas. Eu acho que éuma vergonha e uma desgraça hoje que na Amanãrica temos centenas, milhares e milhões de pessoas, e especialmente criana§as pequenas, vivendo com medo. Eles tem medo de ir para a escola, tem medo de deixar suas casas, tem medo de que suas ma£es, pais ou ava³s lhes sejam tirados e enviados para alguma prisão ou prisão ou a´nibus, avia£o e ser levado de volta para outra parte do mundo. Quando o Papa Francisco veio e falou a uma sessão conjunta do Congresso, ele disse que somos todos imigrantes; todos nosviemos de outro lugar. Precisamos lidar com toda a questãoda reforma da imigração e colocar as pessoas no caminho da cidadania.

O que vocêdiz aos jovens que querem trabalhar pela mudança, mas não sabem ao certo o que podem fazer ou onde podem ser mais eficazes?

Eu digo aos jovens o tempo todo, seja no ensino manãdio, na faculdade ou nos jovens da força de trabalho ou trabalhando no Capita³lio, digo que quando vocêvaª algo que não estãocerto, não éjusto, não éjusto, vocênão pode se dar ao luxo de ser silencioso. Vocaª tem que fazer alguma coisa. Onde quer que vocêse encontre, fale, fale e encontre uma maneira de atrapalhar o que eu chamo de "bons problemas, problemas necessa¡rios".

Quando eu era criana§a, e perguntava a minha ma£e, meu pai, meus ava³s e meus bisava³s sobre os sinais e a segregação, eles sempre diziam: “Nãose metam em confusão; não atrapalhe. ” Mas conheci Rosa Parks aos 17 anos e, no ano seguinte, aos 18 anos, conheci o Dr. King. E esses dois indivíduos me inspiraram a entrar no que chamo de "bons problemas". E eu estou tendo problemas desde então.

 

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