Humanidades

Estudo mostra impacto da mudança climática em ecossistemas de águadoce neotropicais
Ao contra¡rio do que se poderia pensar, não são os organismos do topo da cadeia alimentar que mais sofrem com a instabilidade de chuvas, um dos efeitos esperados dasmudanças climáticas, mas sim os organismos da base, os menores.
Por Karina Ninni - 11/08/2020


Eles descobriram que, ao contra¡rio do que se poderia pensar, não são os organismos do topo da cadeia alimentar que mais sofrem com a instabilidade de chuvas

Com o objetivo de entender como asmudanças climáticas podem impactar diferentes ecossistemas, 27 pesquisadores do Brasil, Argentina, Cola´mbia, Costa Rica, Guiana Francesa e Porto Rico realizaram em sete lugares diferentes experimentos envolvendo o ambiente aqua¡tico existente no interior das bromanãlias osque serve de ha¡bitat para larvas de insetos e outros pequenos organismos.

Eles descobriram que, ao contra¡rio do que se poderia pensar, não são os organismos do topo da cadeia alimentar que mais sofrem com a instabilidade de chuvas, um dos efeitos esperados dasmudanças climáticas, mas sim os organismos da base, os menores. Os resultados da pesquisa, apoiada pela Fapesp, foram publicados na revista Nature Communications.

Segundo o eca³logo Gustavo Quevedo Romero, primeiro autor do artigo, estudos replicados geograficamente para entender como asmudanças climáticas podem afetar os ecossistemas são raros. Poranãm, necessa¡rios para melhor entender como cada regia£o geogra¡fica e cada ecossistema sera£o impactados. E os resultados observados nos experimentos com as bromanãlias contradizem parte dos estudos de ecologia com foco emmudanças climáticas e resiliencia das espanãcies já publicados.

“Manipulamos quantidade e frequência das chuvas nos microcosmos [interior de bromanãlias] seguindo modelos que preveemmudanças climáticas para as próximas décadas. No mesmo experimento, criamos tanto condições de seca quanto de enchente e um a­ndice de estabilidade hidrola³gica dentro de cada bromanãlia. Assim, na amostragem, havia bromanãlias com condições hidrola³gicas mais esta¡veis, cujo volume de águavariava pouco ao longo do tempo, e com condições mais insta¡veis. Verificamos que a instabilidade afetou negativamente os organismos menores. Eles ocorreram em maior quantidade nos microcosmos com condições mais esta¡veis. Já os predadores maiores ocorreram nas bromanãlias expostas a períodos de maior seca”, conta Romero, professor do Departamento de Biologia Animal da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Pela literatura, acrescentou, sabe-se que animais maiores sofrem mais com asmudanças climáticas, especialmente porque tem menos espaço para se alimentar. “Mas mostramos que, neste caso, a base da cadeia alimentar pode ser mais sensa­vel, emudanças nela podem modificar o restante dos na­veis tra³ficos acima”, explica o pesquisador.

O cientista afirma que, apesar de haver variações locais de suscetibilidade das espanãcies a smudanças climáticas, chamou a atenção dos pesquisadores o fato de encontrarem um padrãoaºnico, consistente, em todos os sete locais estudados: predadores são sempre beneficiados em ambientes mais secos, e organismos pequenos são prejudicados em ambientes pequenos e mais favorecidos em ambientes maiores, onde chove mais. “Fizemos experimentos em regiaµes mais a¡ridas, como a de Santa Fanã, na Argentina, e em regiaµes onde dificilmente ocorre aridez, como a Costa Rica e a Guiana Francesa. E esse padrãose manteve.”

Ele ressalta que o grupo encontrou consistaªncia geogra¡fica nos resultados do trabalho. “A razãoda biomassa de predadores em relação a  biomassa de presas, que representa pira¢mides ecola³gicas de biomassa, se repetiu para todas as áreas nas plantas estudadas, sendo consistente ao longo do espaço geogra¡fico, independentemente do pool de espanãcies e do fato de os organismos estarem mais ou menos adaptados a  seca.”

Instabilidade

A pesquisa mostra que asmudanças climáticas, principalmente quando associadas a  seca, causam instabilidade nas redes alimentares. “Quando mais predadores ocorrem em uma bromanãlia com menos volume de a¡gua, maior o efeito de predação, de cima para baixo, nas comunidades das presas. Assim, as redes alimentares se desestabilizam, o que pode gerar extinções locais das espanãcies, tanto de presas quanto de predadores.” Em resumo: apesar de os predadores se beneficiarem nos ambientes pequenos causados pela seca, esses ambientes são mais insta¡veis, mais propensos ao risco de extinção e colapsos das redes ecola³gicas.

O grupo trabalhou com três na­veis tra³ficos: os predadores de topo, os mesopredadores e os detrita­voros. Esses últimos são muito pequenos e alimentam-se de detritos. “Nãovimos nenhum efeito dasmudanças climáticas para os mesopredadores, que não foram afetados pelos tratamentos que fizemos”. No microcosmo das bromanãlias, eles são representados por larvas de insetos pequenos que se alimentam de outros pequenos organismos e, geralmente, são considerados como espanãcies oportunistas.

Quanto aos organismos menores, os detrita­voros e filtradores, embora se beneficiem com a chuva, também são afetados negativamente quando a instabilidade climática émaior e quando a quantidade de chuvas émuito grande. “Como exemplo, quando chove muito, seja numa lagoa, num lago, ou dentro de uma bromanãlia, o sistema transborda e lixivia os nutrientes e microrganismos. Mostramos em outros estudos que bactanãrias, microinvertebrados e nutrientes, como nitrato e fosfato, são grandemente lixiviados.”

Microcosmos

Romero explica que as bromanãlias são ambientes naturais em que os cientistas conseguem explorar diversos aspectos de um ecossistema: são pequenas, fa¡ceis de manipular e, muitas vezes, épossí­vel projetar os resultados obtidos nelas para sistemas maiores, como lagoas e lagos, pois estudos realizados nesses ambientes maiores apresentam resultados semelhantes aos realizados nos microcosmos das bromanãlias.

“As bromanãlias tem distribuição neotropical e, apesar de serem ambientes pequenos, podem acumular até50 mil litros de águapor hectare em florestas, servindo como fonte de águapara animais terrestres, como aves e mama­feros, e como ecossistemas inteiros para organismos que vivem em ambientes aqua¡ticos.”

Foi esse ambiente aqua¡tico das bromanãlias que o grupo de pesquisadores explorou. Romero explica que essas plantas são habitadas basicamente por insetos e pequenos crusta¡ceos. “Predadores de topo, principalmente larvas de libanãlulas, são animais maiores. E os detrita­voros são insetos muito pequenos, como mosquitos e grupos diversos de invertebrados, como os quinonoma­deos. Os predadores de topo se alimentam desses organismos menores que, por sua vez, se alimentam departículas em suspensão e detritos que caem das a¡rvores.”

Protocolo comum

O desenho do experimento foi decidido em duas reuniaµes realizadas pelo grupo. A equipe composta por pesquisadores da Frana§a, Canada¡, EUA, Porto Rico, Cola´mbia, Argentina e Brasil seguiu o mesmo protocolo nas sete áreas onde os experimentos foram conduzidos. Em campo, foram selecionadas 30 bromanãlias em cada um dos sete locais, em um total de 210. Como cada regia£o tem uma flora diferente de bromanãlias, os cientistas não conseguiram usar as mesmas espanãcies, utilizando as mais comuns de cada regia£o.

Essas plantas eram coletadas, lavadas e desinfetadas para retirada de todos os macro e microrganismos presentes, como bactanãrias, fungos e outros. “Lavamos e limpamos bem as bromanãlias, para que essas tivessem a sua biota aqua¡tica ‘comea§ando do zero’. Então, para reiniciar as cola´nias e comunidades nos ecossistemas experimentais, dividimos igualmente os detritos grossos e finos retirados previamente das 30 bromanãlias e recolocamos, em cada planta, a mesma comunidade de invertebrados e grupos funcionais que havia sido retirada. Depois disso, retornamos as bromanãlias para o campo e instalamos sobre elas coberturas pla¡sticas individuais, tipo guarda-chuva, para que as chuvas não impactassem os resultados.”

Os cientistas simularam o regime de chuvas de cada regia£o, conforme uma média de pluviosidade dos últimos cinco anos, estabelecendo uma média local com base no volume e na frequência das chuvas em cada sa­tio. “Manipulamos a quantidade de águae a frequência das chuvas ao longo de dois meses em cada local. Como ta­nhamos uma média para cada regia£o geogra¡fica, tudo o que variou para baixo foi considerado seca, e o que variou para cima foi considerado inundação. Manipulamos os extremos, seca e enchente, e ninguanãm tinha feito isso antes”, detalha Romero.

Apa³s dois meses, as plantas foram outra vez coletadas e levadas para o laboratório. Para saber o que havia no ecossistema, os pesquisadores removeram folha por folha de cada planta e as lavaram novamente. A pesquisa também foi apoiada por meio do projeto “Mudanças climáticas globais e funcionamento de ecossistemas em fitotelmatas”, bolsas de doutorado e pa³s-doutorado da Fapesp, além de uma bolsa de pesquisa no exterior.

Para o futuro, Romero afirma que háinteresse em trabalhar manipulando estressores ambientais, comomudanças em precipitação e aquecimento clima¡tico, bem como poluição ambiental, em diversos sistemas de águadoce.

 

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