Humanidades

Como a caça ajudou a moldar a sociedade de elite
Novo livro do historiador do MIT examina o valor pola­tico dos primeiros reis e nobres europeus medievais encontrados em um ritual real.
Por Peter Dizikes - 10/09/2020


O novo livro do historiador do MIT Eric Goldberg, “In the Manner of the Franks”, examina o importante papel que a caça desempenhou na vida pola­tica e cultural do ini­cio da Europa medieval. Créditos:Foto cortesia de Eric Goldberg

O rei franco Carlos Magno liderou exanãrcitos na batalha, uniu grande parte da Europa medieval sob seu governo e foi coroado imperador pelo papa. No entanto, ele também tinha tempo suficiente para se tornar um caçador a¡vido, perseguindo veados, javalis, pa¡ssaros e outros jogos, muitas vezes em florestas e parques murados perto de seus pala¡cios.

Este não era um hobby ocioso. Para Carlos Magno, a caça teve vários benefa­cios, de acordo com o historiador do MIT Eric Goldberg. Por um lado, Carlos Magno usou a prática para demonstrar sua força masculina aos 60 anos, depois que parou de comandar exanãrcitos pessoalmente. A caça também foi uma justificativa real para apreender mais propriedades selvagens e torna¡-las florestas reais. E se tornou uma moeda cultural comum, compartilhada pelas elites em todo o reino de Carlos Magno.

“Carlos Magno e seus descendentes imediatos foram os primeiros governantes que transformaram a caça em um ritual que desempenhava vários papanãis na cultura do reino”, explica Goldberg. “a‰ sobre se ligar aos nobres e uma forma de demonstrar a saúde do rei. … a‰ um meio de articular o controle do territa³rio. Tambanãm pode ser uma maneira de o rei mostrar favor a outra pessoa. ”

Agora Goldberg examina a questãoem profundidade em um novo livro, “Na Maneira dos Francos: Caa§a, Realeza e Masculinidade na Europa Medieval Inicial”, publicado pela University of Pennsylvania Press. Nele, Goldberg detalha a história da caça na Europa de cerca de 300 DC, durante o final do Impanãrio Romano, até1000 DC, examinando como isso influenciou as relações políticas, sociais e jura­dicas entre as pessoas. Ao lana§ar luz sobre um assunto muito especa­fico, o livro ilumina grandes tendaªncias na história europeia.

“a‰ uma janela para estudar a cultura pola­tica e as elites governantes”, diz Goldberg, enquanto observa que a cultura da elite, por sua vez, afetou grande parte da vida pola­tica. “A caça era um espectro atravanãs do qual se via toda a sociedade.”

Uma herana§a romana

A sabedoria convencional afirma que a caça são se tornou uma atividade aristocra¡tica proeminente nos séculos 12 e 13, durante a “alta” Idade Manãdia. Mas, como Goldberg enfatiza, os primeiros reis e nobres medievais o adotaram diretamente dos romanos. De fato, tanto na caça quanto em outras esferas da vida, a alegada “Idade das Trevas” apresentou uma herana§a cultural romana significativa, mais sofisticação e mais variedade do que muitas vezes se supaµe.

“A caça no ini­cio da Idade Manãdia, na verdade, tem uma história”, diz Goldberg. “Nãoéa mesma coisa o tempo todo.” E a princa­pio, ele observa: “Quando os povos germa¢nicos conquistaram o final do Impanãrio Romano, eles não estavam tentando destruir a cultura romana. Eles queriam abraça¡-lo e fazer parte dele. Eles queriam morar em vilas, beber vinho e ir ao banho. E a caça era um desses rituais.

“A caça vem da cultura cla¡ssica tardia e émuito importante para tornar a masculinidade aristocra¡tica. a‰ uma forma de treinamento militar, ensinando hipismo, tiro com arco, uso de armas, coragem, paciaªncia, disciplina, coisas essenciais para os aristocratas que lhes da£o essa nova identidade como a classe dominante do Ocidente. ”

Quanto ao que os aristocratas caçavam, o veado vermelho e o javali estavam perto do topo da lista - mas muitas coisas eram uma caça justa, incluindo ursos marrons, a lebre europanãia veloz, os auroques (um tipo enorme de gado selvagem agora extinto ), e pa¡ssaros; alguns nobres europeus eram habilidosos em falcoaria, usando aves de rapina para ajudar na caça. Os nobres não caçavam porque precisavam, observa Goldberg; eles tinham bastante comida de outra forma. Caa§ar era um passatempo de luxo e um marcador de masculinidade de elite.

Entra Carlos Magno

Mas, embora a caça fosse uma atividade aristocra¡tica de longa data, ganhou mais importa¢ncia quando Carlos Magno se tornou rei dos francos, no que hoje éa Frana§a, em 768.

“Esta¡ claro que os primeiros reis medievais estavam caçando, mas era um passatempo de elite que eles compartilhavam com outros aristocratas”, diz Goldberg. “a‰ apenas com Carlos Magno que, pela primeira vez, comea§amos a receber poetas elogiando o rei como um grande caçador, ou a legislação real que trata das florestas reais e protege o jogo dentro delas.”

Os ca³digos romanos afirmavam que o jogo pertencia a qualquer um que pudesse mata¡-lo, mas Carlos Magno mudou a lei para que todos os animais de caça dentro de suas (em expansão) florestas reais pertencessem a ele. Havia penalidades financeiras draconianas impostas aos plebeus que iam caçar no territa³rio do rei - multas tão altas que virtualmente garantiam a escravida£o porque os plebeus raramente podiam pagar por elas.

Enquanto isso, Carlos Magno logo liderou seu impanãrio franco a vita³rias militares e uma expansão para a Alemanha moderna, Ita¡lia e além - a primeira vez que uma pessoa governou uma parte tão grande da Europa desde os romanos.

“a‰ realmente sob o comando de Carlos Magno e sua familia que a Europa surge como uma pola­tica clara”, diz Goldberg. E a  medida que Carlos Magno expandia seu impanãrio, a caça ajudou a unir um grupo heterogaªneo de nobres ao redor do rei.

“A Europa éum lugar muito diverso”, observa Goldberg. “Vocaª tem muitas la­nguas e tradições jura­dicas diferentes, mas todos estãocomea§ando a se chamar de francos. O que vocêvaª éCarlos Magno tomando um impanãrio muito diverso e forjando uma nova aristocracia, de várias maneiras, por meio de legislações, assembleias, padronizando o Cristianismo, mas também dando a eles essa cultura de caça. Um ba¡varo pode olhar um aquitano nos olhos e ver um franco ali, porque todos fazem parte da mesma cultura ”.

Lana§ando uma ampla rede

“Na Maneira dos Francos” atraiu elogios de outros estudiosos medievais. Helmut Reimitz, da Universidade de Princeton, o chama de "um livro excelente e perspicaz que servira¡ como trabalho de referaªncia padrãona caça por muitos anos".

“Tradicionalmente, os acadaªmicos não sabem realmente o que fazer com esse período”, diz Goldberg. “Edward Gibbon, no século 18, sentiu que éapenas um conto melanca³lico de decla­nio e queda. Mas agora os medievalistas pensam que esta éuma era de transformação muito mais interessante, com o surgimento de novas instituições e prática s culturais e novos impanãrios. O decla­nio não éuma maneira muito útil de pensar sobre isso. ”


Para conduzir sua pesquisa, Goldberg analisou uma variedade de materiais hista³ricos, desde manuscritos e crônicas medievais atébiografias reais, leis, decretos, iluminuras, poesia, arte e evidaªncias arqueola³gicas (como restos de ossos de animais, indicando de que tipo de jogo as pessoas comeram).

“Realmente exigia uma abordagem interdisciplinar das evidaªncias”, diz Goldberg. “Para usar uma meta¡fora de caça, tive que lana§ar minha rede amplamente.”

Goldberg também examina uma ampla gama de questões sociais associadas a  caça, incluindo papanãis de gaªnero. Nãohácasos documentados de mulheres caçando; em vez disso, ajudaram a presidir os banquetes e festas que se seguiriam.

“Parte disso éque a caça estava intimamente associada ao treinamento militar, e as mulheres não carregavam armas ou participavam da guerra”, diz Goldberg. “Certamente, em algum lugar, algumas mulheres foram caçar, mas ninguanãm fala sobre isso [nos documentos existentes]. Mas as mulheres vinham como espectadoras, e um ritual associado a  caça éo banquete [depois], uma parte muito cerimonial da caça. A rainha estava essencialmente encarregada dos banquetes. ”

Dito isso, Goldberg diz, estudando a caça e examinando a vida dia¡ria durante o ini­cio do período medieval, vemos que foi uma era muito mais viva e mutante na história do que a maioria das pessoas imagina. 

“Tradicionalmente, os acadaªmicos não sabem realmente o que fazer com esse período”, diz Goldberg. “Edward Gibbon, no século 18, sentiu que éapenas um conto melanca³lico de decla­nio e queda. Mas agora os medievalistas pensam que esta éuma era de transformação muito mais interessante, com o surgimento de novas instituições e prática s culturais e novos impanãrios. O decla­nio não éuma maneira muito útil de pensar sobre isso. ”

 

.
.

Leia mais a seguir