Humanidades

Tratar todos os setores econa´micos como iguais? E os desiguais?
Como fica o setor editorial no Brasil com a possí­vel extina§a£o da imunidade a contribuia§aµes prevista pela reforma tributa¡ria
Por Vanessa Silva - 30/10/2020


 Ilustração: AndréLetria 

O livro éuma potente ferramenta de educação, cidadania e inclusão. Em uma sociedade marcada por abismos sociais, ele éuma arma contra a exclusão. Apresenta novas realidades, dissemina conhecimento, amplia a visão de mundo. Por reconhecer essa importa¢ncia, a Constituição Federal traz em seu texto, no artigo 150, a impossibilidade de instituir impostos sobre livros, jornais, peria³dicos e o papel destinado a  sua impressão. Essa isenção foi pleiteada ainda em 1946, pelo escritor Jorge Amado. A emenda constitucional buscava baratear o custo final e assim levar o produto a diversas camadas da população em um Brasil em que o analfabetismo era regra. Nos anos 1940, 56,1% dos brasileiros com mais de 15 anos eram analfabetos, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estata­stica (IBGE).  Em 2019, esse número caiu para 6,6%, de acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domica­lios (Pnad) Conta­nua. O Brasil ainda tem 11 milhões de analfabetos, pessoas com 15 anos ou mais que não são capazes de ler e escrever. 

Graças a um confuso ca³digo tributa¡rio, foi necessa¡ria outra lei osLei nº 10.865, de 30 de abril de 2004 ospara que o setor fosse isento também das contribuições para o Programa de Integração Social (PIS) e para Financiamento da Seguridade Social (Cofins). Atualmente a situação do mercado editorial corre o risco de sofrer um grande revanãs. Tramita no Senado Federal uma proposta de reforma tributa¡ria que pode acabar com a desoneração, trazendo impactos para o setor.

Fim da imunidade

Foram apresentadas ao Senado três propostas de reforma, uma delas pelo Ministanãrio da Economia. No texto, entre as modificações, estãoa criação da Contribuição Social sobre Operações com Bens e Servia§os (CBS), que, na prática , reuniria PIS e Cofins em uma única contribuição. Para o setor editorial essa mudança representaria uma oneração de até12%, ala­quota que pode ser ainda maior se considerada toda a cadeia de produção. Segundo Vitor Tavares, presidente da Ca¢mara Brasileira do Livro (CBL), se aprovado integralmente, o projeto de lei que institui a CBS tera¡ grande impacto em toda a cadeia: autores, editores, gra¡ficas, distribuidoras, livrarias e consumidor final. A suspensão da imunidade levaria a um aumento de 20% no prea§o final do produto.

Acabar com a imunidade tributa¡ria seráum desinvestimento para o crescimento futuro do Brasil, sem falar no desesta­mulo ao combate contra a desigualdade. Como se não bastasse, a proposta de taxar e provocar aumento do prea§o de livros vai na contrama£o da Lei nº 10.753/2003, que instituiu a Pola­tica Nacional do Livro e tem como objetivo garantir seu acesso e uso a todos os cidada£os.


Entidades representativas do livro no Brasil tem se posicionado de forma contra¡ria a  reforma, prevendo graves consequaªncias. Elas se uniram no movimento Em defesa do livro, que recentemente lançou um manifesto contra o projeto de taxação e vem realizando uma sanãrie de campanhas nas redes sociais para tentar barrar a prevista oneração. O manifesto pode ser conferido na a­ntegra aqui (https://bit.ly/37uOjMl).

Tavares diz que as entidades estãoplenamente conscientes da necessidade da reforma e da simplificação tributa¡ria, mas não concordam com o Projeto de Lei nº 3.887/2020,  que cria a CBS e não inclui os livros entre as isenções. Para ele, “a imunidade não éum privilanãgio osela éconcedida em muitospaíses como base no princa­pio de que o sistema tributa¡rio não deve tratar igualmente setores econa´micos desiguais”.

De fato, muitospaíses tem políticas de imunidade de impostos para livros. Segundo a International Publishers Association (Associação Internacional de Editores), os livros tem tributação zero na maioria dospaíses da Amanãrica Latina, como Argentina, Cola´mbia, Bola­via, Peru e Uruguai. As exceções são Chile e Guatemala. Seguindo as entidades representativas do setor no Brasil, a associação publicou em seu site um documento em que pede ao governo brasileiro que desista de impor a CBS sobre os livros. O texto cita, ainda, o impacto que a pandemia da COVID-19 teve sobre o mercado. “As editoras sofreram em todos os lugares, e o Brasil não éexceção. De acordo com os números da Nielsen Bookscan, no auge da crise (maio de 2020), o mercado brasileiro de livros estava 47,6% abaixo donívelde 2019. Apesar da recuperação, esse mercado ainda estão6,8% menor que no ano passado”, traz a publicação.

Mario Feija³, coordenador do curso de Produção Editorial da Escola de Comunicação da UFRJ, também se posiciona de forma contra¡ria a  criação da CBS. Para ele, o fim da isenção chega em um momento muito ruim para o mercado editorial, que ainda se recupera de uma crise financeira somada a tudo que a pandemia da COVID-19 trouxe.

Dois livros empilhados sobre uma mesa. Ao fundo háuma grande estante repleta de livros.
Setor editorial pode perder imunidade sobre contribuições conquistada hámais de 15 anos |
Foto: Artur Moaªs (Coordcom/UFRJ)

A recessão iniciada em fins de 2014 fez com que os anos de 2015 e 2016 fossem muito difa­ceis, levando as duas maiores redes de livrarias dopaís a entrarem em recuperação judicial. O mercado ainda estava se recuperando do calote dado por essas duas redes quando a pandemia de COVID-19 chegou, estrangulando o varejo de livros nopaís. Para piorar, enquanto planos eram feitos para uma retomada, o governo anunciou a possí­vel tributação do produto livro no Brasil, paralisando mais uma vez decisaµes e investimentos do setor editorial.


Prea§os mais altos e repasses para a ponta da cadeia

Segundo Feija³, a consequaªncia da oneração seria o repasse dos custos para o consumidor final oso produto livro ficaria mais caro e seria menos consumido, porque as pessoas estãocom pouco dinheiro.

“Quem comprava quatro livros passaria a comprar apenas três. Quem comprava um passaria a não comprar nenhum, ou teria de abrir ma£o de alguma outra coisa em sua vida.  O mercado consumidor encolheria, haveria menos leitores. E quanto menos leitores, menores as tiragens, empurrando novamente o prea§o final para cima.”

Feija³ ainda chama a atenção para outro problema que pode surgir: a seleção feita pelas editoras de quais temas publicar.  Segundo ele, com o aumento do consumo de livros, os prea§os caem e as editoras publicam mais. Ha¡ maior diversidade de ta­tulos, autores, temas, formatos. Com consumo baixo, o prea§o necessariamente sobe e a diversidade de ta­tulos cai, porque o risco de publicar algo realmente novo, diferente, fica alto. Cobrar impostos do produto livro afetara¡ a escolha do que publicar.

Questionado sobre a possí­vel manutenção da imunidade sobre as contribuições no texto da reforma, o Ministanãrio da Economia, por meio de sua assessoria de imprensa, respondeu:

 “Os livros gozam de imunidade a impostos prevista no art. 150, VI, “d” da Constituição Federal. Tal imunidade não se estende a s contribuições sociais, como a contribuição para o PIS/Pasep e a Cofins. Entretanto, por disposição legal, aplica-se ala­quota zero dessas contribuições sobre a receita de venda de livros. A CBS tem como pressuposto a não concessão de benefa­cios. Nesse sentido, foram eliminadas as hipa³teses de ala­quota zero (eram mais de cem) antes previstas para a contribuição para o PIS/Pasep e a Cofins. Assim, foi também eliminada a ala­quota zero que se aplicava nas operações com livros.”

 

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