Humanidades

Livro traz a paºblico cartas escritas por Antonio Candido
Imprensa Oficial publica os textos enviados pelo crítico litera¡rio ao editor Cla¡udio Giordano entre 1991 e 2015
Por Roberto C. G. Castro - 19/11/2020


O professor da USP e crítico litera¡rio Antonio Candido osFoto: Guilherme Maranha£o osASP174

“Prezado Sr. Cla¡udio Giordano.” a‰ assim que comea§a a maior parte das 20 cartas que, entre 1991 e 2015, o crítico litera¡rio e professor da USP Antonio Candido (1918-2017) enviou para o editor, tradutor e amigo que em 1990 fundara a Editora Giordano. Essas cartas estãoreunidas no livro Antonio Candido, Mestre da Cortesia osCartas a Cla¡udio Giordano, que a Imprensa Oficial do Estado de Sa£o Paulo lançou recentemente.

Geralmente curtas osa s vezes apenas algumas linhas de agradecimento por livros enviados pelo editor -, as cartas permitem conhecer um pouco da biografia, do pensamento e da personalidade de um dos maiores intelectuais da história do Brasil. Na carta datada de 10 de junho de 2004, por exemplo, Candido da¡ mostras do seu temperamento especulativo, curioso e abrangente. Descrevendo sua condição de leitor, o professor lembra que seu pai, “médico muito culto”, se alarmava com o filho a “borboletear de livro a livro, sem manãtodo”, recomendando que escolhesse alguns temas e se concentrasse neles. “Mas qual! O que eu queria mesmo, e sempre quis, foi divagar. Por isso nunca fui especialista em nada e passei a vida indo e vindo da sociologia a  cra­tica, da cra­tica a  história, da história a  cra­tica litera¡ria”, escreve Candido, valorizando o “espa­rito de passeio, que abre para a nossa inconsta¢ncia veredas tão agrada¡veis”.

Em resposta aos questionamentos de Giordano ossempre interessado em descobrir e publicar bons autores esquecidos ao longo do tempo -, Candido exerce em poucas linhas a sua vocação de crítico litera¡rio. Do escritor e ator mineiro Odilon Azevedo (1904-1966) osfilho de sua tia Leoncina Ca¢ndida de Mello e Souza -, destaca a publicação, em 1923, de Macegas, que teve algum sucesso e recebeu cra­tica favora¡vel de Monteiro Lobato. “a‰ sem daºvida bom, mas não creio, data venia, que possa ser considerado precursor de Guimara£es Rosa”, escreve na carta enviada em 29 de maio de 1999. “A linguagem não tem invenção e o mona³logo conta­nuo ocorria na literatura regionalista, como se pode ver em Afonso Arinos e Simaµes Lopes Neto.”

Em carta de 21 de dezembro de 1993, o professor admite ter sido “uma revelação” a leitura do livro Medicina Teola³gica, de Francisco de Melo Franco (1757-1822), então recanãm-publicado pela Editora Giordano. Manãdico nascido em Minas Gerais e formado em Coimbra, Melo Franco defende, nessa obra, que as doenças se devem a males do corpo e não aos pecados da alma, como os influentes clanãrigos da anãpoca pensavam. Segundo Candido, o livro “atrai pela marcha sinuosa da exposição, graças a  qual o autor se esgueira entre as malhas da censura do tempo”. Ele acrescenta: “a‰ curioso como ele vai procurando mostrar a base fisiola³gica dos va­cios e das perturbações da mente, enfrentados como simples falta de virtude pelos confessores, aos quais recomenda que estudem fisiologia e neurologia, completando o ministanãrio espiritual pela arte de formular”.

Aos amigos, Candido se refere sempre de modo cordial e afetuoso. A respeito do crítico de teatro e professor da USP Danãcio de Almeida Prado (1917-2000), que morrera seis dias antes, aos 82 anos, diz numa carta datada de 10 de fevereiro de 2000 que era “um incompara¡vel amigo de mais de 60 anos, ao longo dos quais pude ver bem que homem excepcional tive o privilanãgio de ter como parceiro de uma convivaªncia da qual são me vieram oportunidades de aperfeia§oamento e momentos de alegria”. Lembrando o grupo fundador da revista Clima ospublicada entre 1941 e 1944 por jovens intelectuais como Candido, Paulo Emilio Sales Gomes e Gilda de Mello e Souza, entre outros -, ele menciona que todos concordariam em considerar Almeida Prado “o melhor de todos”.

Em outra carta, o jornalista, professor e crítico litera¡rio pernambucano alvaro Lins (1912-1970), membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), échamado por Candido de “o maior crítico brasileiro”. “Ele era meu amigo e eu sempre tive por ele uma grande admiração”, escreveu o professor em 16 de junho de 2014.

Além das cartas, Antonio Candido, Mestre da Cortesia traz a seção Adendos, com textos referentes a temas citados nas cartas. Um deles reproduz a apresentação que Candido escreveu para o livro Sahumerio, do escritor peruano Luis Fernando Vidal, também publicado pela Editora Giordano, em 2010.

Outro texto da seção Adendos éum curioso relato de Giordano sobre uma suposta tradução feita por Candido. Acontece que, certa vez, o editor se deparou com uma antologia de textos de autores norte-americanos e, nela, havia a tradução de Loura e Grandalhona, da escritora Dorothy Parker (1893-1967), assinada por Antonio Candido. “Galhofamente pensei comigo: ‘Eis aqui um Antonio Candido tradutor bissexto'”, lembra Giordano, que telefonou para o professor a fim de confirmar a autoria da tradução.

Tudo foi devidamente explicado. Quando a antologia foi planejada, ficou combinado que cada tradutor são poderia contribuir com um trabalho. Como a tradutora Esther Mesquita osirma£ de Alfredo Mesquita (1907-1986), fundador da Escola de Arte Drama¡tica (EAD), hoje ligada a  USP osqueria publicar os dois contos de Dorothy Parker que havia traduzido, pediu que o professor emprestasse seu nome para figurar como tradutor de Loura e Grandalhona. “O interrogado não viu inconveniente, atéporque apreciava a competaªncia de Esther em seu ofa­cio”, escreve Giordano.

Mesmo não sendo o tradutor do conto de Dorothy Parker, Candido tem, sim, uma tradução de sua lavra em circulação, como revela Giordano: “Para os que desejarem conhecer a virtude de tradutor de Antonio Candido, impaµe-se saiam a  cata de uma pea§a de teatro, cujo nome ele me declinou, mas não anotei; para publica¡-la, em que pesasse ser sua a tradução, careceu assina¡-la em coautoria com um teatra³logo, por não pertencer aos quadros da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais”.

Antonio Candido, Mestre da Cortesia osCartas a Cla¡udio Giordano, Imprensa Oficial do Estado de Sa£o Paulo, 84 pa¡ginas, R$ 40,00.

 

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