Humanidades

Pa³s-primavera a¡rabe, polarização moldou caminhos diferentes para Tuna­sia e Egito
A Primavera arabe de 2011 colocou a Tuna­sia e o Egito em um caminho para a democratizaa§a£o, mas suas trajeta³rias logo divergiram.
Por Mike Cummings - 10/01/2021


Elizabeth nugent

A Primavera arabe de 2011 colocou a Tuna­sia e o Egito em um caminho para a democratização, mas suas trajeta³rias logo divergiram. 

Desde então, as elites políticas tunisianas tem cooperado na aprovação de uma constituição, na realização de eleições e na execução de uma transferaªncia de poder com sucesso. A transição democra¡tica do Egito desmoronou depois que suas elites políticas não conseguiram chegar a um acordo. 

O novo livro da cientista pola­tica de Yale Elizabeth Nugent, " After Repression: How Polarization Derails Democratic Transition ", (Princeton University Press) demonstra que legados de repressão - as experiências das elites na prisão e no exa­lio sob os respectivos regimes autocra¡ticos - moldaram os resultados divergentes dos doispaíses .  

Nugent descobriu que a repressão generalizada na Tuna­sia promoveu uma identidade compartilhada entre dissidentes de vários grupos, enquanto, no Egito, a Irmandade Mua§ulmana sofreu o pior da faºria do regime de Mubarak.

Nugent, professora assistente de ciência pola­tica na Faculdade de Artes e Ciências, conversou recentemente com a YaleNews sobre seu livro. A entrevista foi editada e condensada. 

Como a experiência de repressão entre os dissidentes tunisianos contribuiu para a transição dopaís para a democracia?

Afirmo que o sucesso da Tuna­sia tem sido menos sobre os laa§os pessoais diretos formados entre as elites nos vários grupos de oposição, embora obviamente isso importe, e mais sobre como os lideres da oposição foram capazes de ver uns aos outros como vitimas do regime. Suas experiências compartilhadas criaram uma identidade compartilhada. As experiências semelhantes de repressão moldaram a maneira como as pessoas pensam sobre si mesmas, com implicações para os outros grupos com os quais estariam dispostas a cooperar e com os quais transigiriam. Esta situação não existia no Egito, onde a Irmandade Mua§ulmana sofreu o impacto da repressão e não tinha identidade compartilhada com outros grupos de oposição.

O que vocêobservou que o levou a essa conclusão? 

Quando comecei meu trabalho de campo na Tuna­sia, fiquei impressionado com a maneira como grupos de oposição seculares e isla¢micos falavam muito mais cordialmente uns dos outros do que no Egito. Nãoéque a oposição tunisiana não tenha divergaªncias, mas essas divergaªncias foram menos intensas. Quando comecei a investigar essas relações, ficou claro que esses homens - e eles eram em sua maioria homens - se conheciam antes da revolução. Eles diziam coisas como: "Quando eu estava no exa­lio em Londres com esse sujeito," ou, 'Quando eu estava na prisão com aquele sujeito ... "e eu percebi que essas experiências essenciais, quer tenham estado no exterior ou na prisão, foram realmente importantes para o que aconteceu depois. 

No Egito, o mesmo tipo de pergunta gerou uma reta³rica muito mordaz das pessoas sobre sua competição pola­tica. E dentro da Irmandade Mua§ulmana, havia realmente esse sentimento de que o grupo foi exclusivamente vitimado e que, por se sair muito bem nas eleições pa³s-revoluciona¡rias, eles acreditavam que mereciam executar sua visão da sociedade e da pola­tica ega­pcia. 

Como vocêabordou seu trabalho de campo?

Comecei na Tuna­sia tendo conversas com pola­ticos em suas casas ou em seus escrita³rios e tentando construir confianção com eles, demonstrando que havia feito meu dever de casa e tinha um interesse genua­no em suas experiências. As coisas ficaram como uma bola de neve. Depois de construir a confianção de uma pessoa, ela estava disposta a me apresentar a outras pessoas. Todos tem os números de telefone uns dos outros. 

O Egito foi mais desafiador. Fiz várias viagens de pesquisa para la¡, mas em meados de 2018 ficou cada vez mais perigoso fazer pesquisas nopaís. Eu conduzi muitas entrevistas com membros da Irmandade Mua§ulmana que estavam no exa­lio. Existem pequenos grupos de exilados em todo o mundo concentrados em cidades como Nova York, Londres e Istambul. 

Como foi o processo pa³s-revolução em cadapaís?

No Egito, a Irmandade Mua§ulmana dominou o processo inicial de redação constitucional com efeitos desastrosos. Seus concorrentes basicamente desistiram devido a  abordagem intransigente da Irmandade. Essa constituição foi derrubada por um golpe militar de 2013, que deu ini­cio a uma contenção autorita¡ria. Nos últimos anos, as reformas constitucionais fortaleceram o poder executivo, dando ao presidente Abdel Fattah al-Sisi mais poder e diminuindo a supervisão de suas decisaµes.

O processo de transição da Tuna­sia foi muito mais bem-sucedido do que o do Egito desde o ina­cio. Para redigir a constituição, a Assembleia Nacional Constituinte foi dividida em grupos menores representativos de todo o espectro pola­tico. A constituição levou três anos para ser conclua­da, mas no final produziu um documento que consagra um equila­brio entre religia£o e pola­tica e também enfraqueceu significativamente o Executivo. 

Meus amigos tunisianos e entrevistados sempre me aconselham a ter cuidado para não exagerar no sucesso da Tuna­sia. Opaís continua a enfrentar uma sanãrie de desafios pola­ticos, econa´micos e de segurança muito assustadores, mas quando vocêtem uma identidade compartilhada e um senso de propa³sito compartilhado, éum pouco mais fa¡cil voltar a  mesa de negociações para resolver os problemas.

Vocaª entrevistou mais de 100 ex-membros da oposição de ambos ospaíses. O que essas pessoas sofreram?

Na Tuna­sia, especialmente entre o grupo isla¢mico, houve muitas prisaµes na década de 1990 e muitas pessoas foram presas até2005. Va¡rias pessoas de alto escala£o ficaram em confinamento solita¡rio na maior parte desse período. Estamos falando de 12 a 15 anos de tensão física e mental realmente terra­vel. 

A tortura tendeu a se concentrar no ini­cio da experiência, durante o processo de prisão. Muitas pessoas foram presas por longos períodos. Eles sentiram falta de ver seus filhos crescerem. Depois de serem libertados, eles enfrentaram uma sanãrie de problemas, como lutar para obter documentos de identidade ou manter bons empregos. Sem documentos de identidade, édifa­cil obter cuidados de saúde mental e física. 

Algum indiva­duo especa­fico com quem vocêfalou se destacou? 

Entrevistei um homem chamado Ali Laarayedh, que era um membro de alto escala£o do Ennahda - o principal partido isla¢mico da Tuna­sia - e serviu como primeiro-ministro após a revolução de 2013. Ele éum dos membros da oposição tunisiana que passou 15 anos na prisão, a maioria deles em confinamento solita¡rio. Ele foi uma figura proeminente na transição democra¡tica e foi muito eloquente ao discutir suas experiências de repressão e como elas informaram suas opiniaµes sobre democratização, supervisão civil das forças armadas e da pola­cia e uma sanãrie de outras questões. 

a‰ francamente nota¡vel a maneira como alguns desses homens foram capazes de entender coisas terra­veis que aconteceram a eles e colocar essas experiências em perspectiva de uma forma muito positiva que os tornou mais comprometidos com a democracia e os direitos humanos. 

Espero que este livro demonstre por meio dessas histórias individuais como éa repressão. Espero que os leitores vejam que a repressão éum grande trauma psicola³gico e fa­sico e, ao mesmo tempo, pode ter um efeito pessoal que realmente facilita a mobilização, a cooperação e a adoção de princa­pios democra¡ticos. 

Vocaª vaª alguma esperana§a para a democracia no Egito? 

Nunca vou excluir o Egito. O governo Trump tem apoiado muito o regime altamente repressivo e essencialmente dado a ele ranãdea solta com as violações dos direitos humanos, mas háexpectativas de ambos os lados da relação de pola­tica externa de que isso mudara¡ com o governo Biden. Na verdade, o regime se tornou tão repressivo que o argumento do meu livro pode entrar em jogo em algum momento. A repressão generalizada pode criar uma experiência compartilhada entre a Irmandade Mua§ulmana e outros grupos dissidentes que fomentam a cooperação e o compromisso. 

 

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