Humanidades

Banalização das doenças mentais dificulta diagnóstico e tratamento
Diagnosticar a si mesmo e aos outros éa principal forma de banalizar os sofrimentos causados pelos transtornos mentais, diz a psica³loga Valanãria Barbieri
Por Vitória Pierri - 14/02/2021


“A banalização dos transtornos mentais éuma forma de apropriação pela população do conhecimento produzido a respeito deles” osReprodução

Tratar como comum, trivial, as experiências vividas por quem sofre com doenças mentais éuma forma de banalização desses transtornos. Um outro exemplo éouvir uma pessoa transitoriamente triste dizer que “estãocom depressão”. E estas situações contribuem para a desinformação e preconceito dos transtornos mentais, alerta a professora do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeira£o Preto (FFCLRP) da USP, Valanãria Barbieri.

“A banalização dos transtornos mentais éuma forma de apropriação pela população do conhecimento produzido a respeito deles”, explica a professora. Ao mesmo tempo que o acesso a  informação sobre o tema épositivo, corre-se o “risco de esvaziar o significado do diagnóstico dos transtornos”, avalia Valanãria sobre o lado negativo de tornar banal o  conhecimento.

Aspecto social e diagnóstico 

Para a psica³loga, outro fator relevante para analisar na banalização dos transtornos mentais pela sociedade éa exigaªncia de que a pessoa esteja sempre em sua “melhor forma”. Este fato, segundo Valanãria, transforma oscilações emocionais naturais, como a angaºstia e a ansiedade, em problemas que precisam ser erradicados. Muito ao contra¡rio, esclarece, esses sentimentos são constituem transtornos mentais quando se tornam incapacitantes para a pessoa durante um longo período de tempo.

Para entender a banalização, ao contra¡rio da pessoa sauda¡vel que se diz erroneamente deprimida por um sofrimento circunstancial, que vai desaparecer com o tempo, a professora cita outra pessoa, esta sim diagnosticada com transtorno depressivo e com sintomas mais graves e duradouros. Nesse caso, a pessoa sauda¡vel éincapaz de compreender a intensidade e permanaªncia do sofrimento do outro, “já que a depressão que ela diz ter experimentado não foi assim”. A consequaªncia da banalização dos transtornos mentais, nesses casos, éo afastamento, já que “a pessoa com transtorno perde cada vez mais esperana§a de ser compreendida e fica isolada”.

A principal forma de banalização das doenças psicológicas, no entanto, éa atribuição de diagnóstico a si mesmo e aos outros, afirma a professora. O problema éque, na maioria das vezes, o indiva­duo em sofrimento não consegue acessar informações sobre si mesmo. Segundo Valanãria, estas são informações inconscientes que somente são obtidas atravanãs de entrevistas profundas e testes psicola³gicos sofisticados, realizados por profissionais com formação especial e com experiência. “Saúde mental, se considerar apenas uma caracterí­stica ou um sintoma não quer dizer praticamente nada em termos da pessoa ter uma determinada doença ou um transtorno”, afirma a psica³loga.

Enquanto o menosprezo social atua sobre as doenças mentais, o sofrimento cresce. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a principal causa de incapacidade no mundo éa depressão, com uma estimativa de mais de 300 milhões de doentes. Além disso, cerca de 60 milhões de pessoas no mundo sofrem com transtorno afetivo bipolar. Já a esquizofrenia afeta em torno de 23 milhões de pessoas em todo o planeta.

Experiaªncia com a banalização dos transtornos mentais 

Va­tima da banalização das doenças mentais, a estudante de Jornalismo Anna Clara Carvalho, de 21 anos, sofre com Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG), doença que integra os transtornos ansiosos que atingem 9,3% da população brasileira, segundo o relatório Depressão e outros distúrbios mentais comuns: estimativas globais de saúde, divulgado pela OMS em 2017.

Para Anna Clara, a banalização de sua doença impede as pessoas de perceberem seu real estado de ansiedade (natural ou ansiedade fora do normal) e atémesmo quando estãoapenas sanãria. “Podemos estar ansiosos para uma viagem, para uma festa ou para um trabalho. E isso énormal das pessoas, do ser humano. O problema équando isso comea§a a ser por qualquer coisa e em todo o tempo do seu dia”, diz Anna Clara.

E o problema se agrava com a incompreensão que a jovem percebe nas pessoas com quem se relaciona. “Elas sempre falam que estãoansiosas, mas quando nosfalamos que estamos tendo uma crise de ansiedade ou estamos passando por um momento mais difa­cil nesse sentido, elas acham que vai passar ou que ésão um nervoso por alguma coisa.”

Para Anna Clara, a banalização da doença mental atrapalha o entendimento do transtorno e também a busca por tratamento. “O maior problema da ansiedade équando as pessoas comea§am a enxerga¡-la como um sentimento qualquer, que não precisa ser tratada; não tem valor e não precisa ser encarado com seriedade.”

Estigma e desinformação 

Segundo a professora Valanãria, existe ainda outra face da estigmatização dos transtornos mentais, que éa glamourização e a romantização. a‰ nas produções cinematogra¡ficas, sanãries de televisão e ma­dias sociais que esta face toma forma, atravanãs da romantização da questão. “O personagem que sofre de um transtorno mental écurado por outro que se apaixona por ele.” Para a professora, “esse tipo de imagem transmitida contribui para a desinformação” de doenças reais que devem ser tratadas com psicoterapia e, em alguns casos, com auxa­lio de medicação.

 

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