Humanidades

O som da física, o equila­brio da natureza e a força da arte movimentam o MAC
Em cartaz no Museu de Arte Contempora¢nea da USP, exposia§a£o Universo Invisível, de Paulo Nenfla­dio, convida o paºblico a perceber a poanãtica da ciência no Espaço
Por Leila Kiyomura - 27/02/2021


A força invisível da gravidade em Experimento de Suspensão nº1 - Foto: Ata­lio Avancini

Um Universo Invisível movimenta o terceiro andar do Museu de Arte Contempora¢nea (MAC) da USP. Com visita agendada e protocolos de segurança, o paºblico pode caminhar e respirar na mais importante sede latino-americana de arte moderna e contempora¢nea.

A exposição de Paulo Nenfla­dio, inaugurada no dia 20 passado, acessa os sentidos do visitante, questiona a sua presença e traz a essaªncia do MAC como museu-laboratório osa valorização do jovem artista e a abertura para a arte experimental.

Universo Invisível reaºne seis obras produzidas especialmente para o espaço do museu e o momento que o planeta atravessa. O artista, graduado na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, propaµe a integração entre arte, natureza, tecnologia, física. E a ponte entre cultura e ciaªncia, entre o homem e o meio ambiente.

Com a curadoria de Helouise Costa, professora do Programa de Pa³s-Graduação Interunidades em Estanãtica e Hista³ria da Arte da USP, a exposição éum dos três projetos que foram selecionados pelo primeiro edital de exposições tempora¡rias do MAC. “A matéria-prima de Paulo Nenfla­dio encontra-se nos fena´menos invisa­veis da física e da eletra´nica que fogem a  nossa percepção, embora sejam parte indissocia¡vel da nossa vida cotidiana”, explica. “Como bem observou Vilanãm Flusser, a maioria de nosvive uma vida alienada diante dos aparelhos mais banais que utilizamos. Na verdade, pouco sabemos a respeito dos mecanismos que permitem o funcionamento das coisas que nos cercam. Na contrama£o dessa atitude, Nenfla­dio interroga as forças da natureza, promovendo a fusão entre conhecimento cienta­fico e experiência arta­stica, mediados por uma boa dose de surpresa e poesia.”

 Reprodução/Projeto Tema¡tico Ciclo Curatorial
“Inventar ésimultaneamente criar e descobrir. E éde criação e descoberta que trata esta exposição.”


A área ocupada por Universo Invisível écinza. O paºblico caminha e se movimenta para poder olhar as obras. Nãosão para ser tocadas. Leva instantes para perceber os finos fios que va£o desenhando o Espaço.

O visitante Ubiracy de Assis, agra´nomo, pergunta para a namorada, Gla³ria Alca¢ntara, veterina¡ria: “Sera¡ que esqueceram de instalar la¢mpadas? Nãoestou conseguindo ver direito”. E ela argumenta: “Calma. a‰ que esta¡vamos no Parque Ibirapuera correndo sob o sol, e mudamos de ambiente e de luz. Nossos olhos ficaram acostumados a ver tudo com a luz do computador”.

Gla³ria estãocerta. a‰ preciso reaprender a olhar o mundo, além do cinza da pandemia. As obras foram feitas no confinamento do artista em seu ateliaª, em Sa£o Bernardo do Campo, cidade onde vive e nasceu em 23 de julho de 1976. “A exposição estava programada para inaugurar em abril de 2020. Com a pandemia, a data de inauguração foi suspensa. Com isso, ganhei mais tempo de produção”, conta Nenfla­dio. “O maior desafio nesta exposição foi sair da minha zona de conforto. Criar obras que diferem da minha produção anterior. Sem som, sem movimento, sem eletricidade, e principalmente sem interatividade. Pensando nos cuidados com a covid, optei por obras que não podem ser tocadas.”

Obra revela o artesão, poeta e inventor - Foto: Ata­lio Avancini

Cada trabalho foi nascendo para o Espaço. “Eu precisei reinventar meu processo de criação e expandir minha linguagem. Creio que não precisamos fazer a mesma coisa sempre. Somos livres pra criar novas identidades.”

A experimentação éo caminho sem volta que Nenfla­dio decidiu trilhar a partir do MAC. Como bem define a curadora Helouise Costa, éum artista inventor. “A palavra invenção deve ser entendida aqui no sentido amplo que um dia teve no campo da arte, quando os saberes ainda não haviam sido compartimentados em áreas de conhecimento especa­ficas. Inventar ésimultaneamente criar e descobrir. E éde criação e descoberta que trata esta exposição.”

“No Experimento de Suspensão nº1, a primeira obra que criei para esta exposição, trabalhei com a força invisível da gravidade. Um sistema composto pela rocha, roldanas e contrapesos que compõem um equila­brio de forças.”


As seis obras falam do universo que o artista vai tornando visível. Mas que também alinham a sua própria história. Lembra: “Fiz colanãgio tanãcnico de eletra´nica, trabalhei três anos na indústria eletra´nica. Em seguida, cursei Artes Pla¡sticas na ECA. Em 2003, comea§a minha trajeta³ria como artista com a residaªncia da Bolsa Pampulha. Nesse período de um ano residindo em BH, produzi a obra Maºsica dos Ventos, trabalho que depois apresentei como obra de final de curso.”

Com esse trabalho, Paulo Nenfla­dio recebeu o Praªmio Sanãrgio Motta de Arte e Tecnologia em 2005. Nãoparou mais. Produziu uma sequaªncia de obras que surpreendem pela técnica e criatividade. “Construa­ um teclado de madeira com dez teclas do qual saem cabos com 15 a 20 metros. Na extremidade dos cabos hámartelos que são conectados nas estruturas meta¡licas de um prédio. Quando se toca o teclado, os martelos percutem as estruturas, convertendo o prédio em material sonoro, em parte do instrumento.”

Para o MAC, o inventor poeta criou o Monoca³rdio 1, uma instalação com corda de piano e pau-marfim. “Neste trabalho, optei por um desenho extremamente minimalista, em que movimento e som são substitua­dos pela beleza de uma corda esticada, uma reta perfeita e parada no Espaço. Dois pontos formando uma reta.”

Nenfla­dio segue explicando como povoou o seu universo. “No Experimento de Suspensão nº1, a primeira obra que criei para esta exposição, trabalhei com a força invisível da gravidade. Um sistema composto pela rocha, roldanas e contrapesos que compõem um equila­brio de forças.”

Como o artista conseguiu mostrar uma rocha flutuando no espaço com a leveza de uma folha causa surpresa para o espectador. Ao mesmo tempo em que o conjunto sugere uma experiência cienta­fica de física, revela a leveza da arte. “Na natureza, tudo sempre tende ao equila­brio”, argumenta o artista.

“Paulo Nenfla­dio reinventou a arte. Tem uma genialidade que toca o visitante aberto a um novo tempo”


Um outro trabalho que intriga éAlinhamento nº1, uma instalação com cinco tripanãs que possuem agulhas de baºssola e são alinhados no sentido das agulhas. “Essa posição torna visível no espaço a linha magnanãtica invisível em u que percorre o planeta”, explica Nenfla­dio. “Um alinhamento com o eixo norte-sul magnanãtico. Apesar de ser exibida em espaço interno, pode ser considerada land art, pois conecta a obra com o planeta.”

Uma sequaªncia de fios compaµe a instalação Intersecção nº2. A sensação éa de ver a partitura de uma sonata de Bach para violino. As cordas estãoali todas esticadas e afinadas. “Sa£o planos perfeitamente simanãtricos, se interseccionam no Espaço”, observa Nenfla­dio. “A intersecção ocorre na nossa imaginação. Ao mesmo tempo, apesar de esta¡tica, esta éuma obra cinanãtica, pois leva o paºblico a se movimentar para melhor compreender. Ver a obra em movimento cria desenhos que somente são revelados ao percorrer a instalação.”

Embora o visitante percorra o Universo Invisível aparentemente sem som, os fios, as cordas de um piano sugerem, como outras obras do artista, a arte sonora. Ou o som do silaªncio.

Aos 94 anos, Dulce Avancini estãofeliz por poder voltar ao MAC: caminha atenta
para observar cada obra - Foto: Ata­lio Avancini

Uma senhora de 94 anos, Dulce Avancini, toda vestida de azul, parece se integrar no Espaço. Caminha entre as obras, observando tudo. “Paulo Nenfla­dio reinventou a arte. Tem uma genialidade que toca o visitante aberto a um novo tempo”, opina. “Gosto muito de arte contempora¢nea. Estou feliz visitando de novo o MAC. Feliz também porque estou vacinada e espero que o planeta possa ter saúde com vacina, música e a natureza preservada.”

A senhora Dulce se senta no banco. E, de repente, o Universo Invisível tem uma soprano cantando uma música que parece um hino:

Canãu de Itanhaanãm

Pontilhado de estrelas

Vislumbra o Cruzeiro do Sul, bem acima da janela

A lua que nasce reflete no rio e nos faz sonhar

O inesperado da canção ecoando no espaço logo junta os visitantes ao redor de dona Dulce. “Opa, não senti que estava cantando alto.” O vigia questiona de quem éa música. E ela responde com orgulho: “a‰ minha. Fiz para a minha cidade.”

Se o artista Paulo Nenfla­dio estivesse por ali, na tarde de domingo passado, dia 21, ficaria satisfeito por ver o que a sua arte pode propiciar.

A exposição Universo Invisível, de Paulo Nenfla­dio, com curadoria de Helouise Costa, estãoem cartaz até23 de maio, de tera§a-feira a domingo, das 10 a s 21 horas, no  Museu de Arte Contempora¢nea (MAC) da USP (Avenida Pedro alvares Cabral, 1.301, Ibirapuera, em Sa£o Paulo). Entrada gra¡tis. a‰ preciso agendar a visita antecipadamente por este site. Mais informações estãodisponí­veis no site do MAC.

 

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