Em cartaz no Museu de Arte Contempora¢nea da USP, exposia§a£o Universo Invisível, de Paulo Nenfladio, convida o paºblico a perceber a poanãtica da ciência no Espaço
A força invisível da gravidade em Experimento de Suspensão nº1 - Foto: Atalio Avancini
Um Universo Invisível movimenta o terceiro andar do Museu de Arte Contempora¢nea (MAC) da USP. Com visita agendada e protocolos de segurança, o paºblico pode caminhar e respirar na mais importante sede latino-americana de arte moderna e contempora¢nea.
A exposição de Paulo Nenfladio, inaugurada no dia 20 passado, acessa os sentidos do visitante, questiona a sua presença e traz a essaªncia do MAC como museu-laboratório osa valorização do jovem artista e a abertura para a arte experimental.
Universo Invisível reaºne seis obras produzidas especialmente para o espaço do museu e o momento que o planeta atravessa. O artista, graduado na Escola de Comunicações e Artes (ECA) da USP, propaµe a integração entre arte, natureza, tecnologia, física. E a ponte entre cultura e ciaªncia, entre o homem e o meio ambiente.
Com a curadoria de Helouise Costa, professora do Programa de Pa³s-Graduação Interunidades em Estanãtica e Hista³ria da Arte da USP, a exposição éum dos três projetos que foram selecionados pelo primeiro edital de exposições tempora¡rias do MAC. “A matéria-prima de Paulo Nenfladio encontra-se nos fena´menos invisaveis da física e da eletra´nica que fogem a nossa percepção, embora sejam parte indissocia¡vel da nossa vida cotidianaâ€, explica. “Como bem observou Vilanãm Flusser, a maioria de nosvive uma vida alienada diante dos aparelhos mais banais que utilizamos. Na verdade, pouco sabemos a respeito dos mecanismos que permitem o funcionamento das coisas que nos cercam. Na contrama£o dessa atitude, Nenfladio interroga as forças da natureza, promovendo a fusão entre conhecimento cientafico e experiência artastica, mediados por uma boa dose de surpresa e poesia.â€
 Reprodução/Projeto Tema¡tico Ciclo Curatorial
“Inventar ésimultaneamente criar e descobrir. E éde criação e descoberta que trata esta exposição.â€
A área ocupada por Universo Invisível écinza. O paºblico caminha e se movimenta para poder olhar as obras. Nãosão para ser tocadas. Leva instantes para perceber os finos fios que va£o desenhando o Espaço.
O visitante Ubiracy de Assis, agra´nomo, pergunta para a namorada, Gla³ria Alca¢ntara, veterina¡ria: “Sera¡ que esqueceram de instalar la¢mpadas? Nãoestou conseguindo ver direitoâ€. E ela argumenta: “Calma. a‰ que esta¡vamos no Parque Ibirapuera correndo sob o sol, e mudamos de ambiente e de luz. Nossos olhos ficaram acostumados a ver tudo com a luz do computadorâ€.
Gla³ria estãocerta. a‰ preciso reaprender a olhar o mundo, além do cinza da pandemia. As obras foram feitas no confinamento do artista em seu ateliaª, em Sa£o Bernardo do Campo, cidade onde vive e nasceu em 23 de julho de 1976. “A exposição estava programada para inaugurar em abril de 2020. Com a pandemia, a data de inauguração foi suspensa. Com isso, ganhei mais tempo de produçãoâ€, conta Nenfladio. “O maior desafio nesta exposição foi sair da minha zona de conforto. Criar obras que diferem da minha produção anterior. Sem som, sem movimento, sem eletricidade, e principalmente sem interatividade. Pensando nos cuidados com a covid, optei por obras que não podem ser tocadas.â€
Obra revela o artesão, poeta e inventor - Foto: Atalio Avancini
Cada trabalho foi nascendo para o Espaço. “Eu precisei reinventar meu processo de criação e expandir minha linguagem. Creio que não precisamos fazer a mesma coisa sempre. Somos livres pra criar novas identidades.â€
A experimentação éo caminho sem volta que Nenfladio decidiu trilhar a partir do MAC. Como bem define a curadora Helouise Costa, éum artista inventor. “A palavra invenção deve ser entendida aqui no sentido amplo que um dia teve no campo da arte, quando os saberes ainda não haviam sido compartimentados em áreas de conhecimento especaficas. Inventar ésimultaneamente criar e descobrir. E éde criação e descoberta que trata esta exposição.â€
“No Experimento de Suspensão nº1, a primeira obra que criei para esta exposição, trabalhei com a força invisível da gravidade. Um sistema composto pela rocha, roldanas e contrapesos que compõem um equilabrio de forças.â€
As seis obras falam do universo que o artista vai tornando visível. Mas que também alinham a sua própria história. Lembra: “Fiz colanãgio tanãcnico de eletra´nica, trabalhei três anos na indústria eletra´nica. Em seguida, cursei Artes Pla¡sticas na ECA. Em 2003, comea§a minha trajeta³ria como artista com a residaªncia da Bolsa Pampulha. Nesse período de um ano residindo em BH, produzi a obra Maºsica dos Ventos, trabalho que depois apresentei como obra de final de curso.â€
Com esse trabalho, Paulo Nenfladio recebeu o Praªmio Sanãrgio Motta de Arte e Tecnologia em 2005. Nãoparou mais. Produziu uma sequaªncia de obras que surpreendem pela técnica e criatividade. “Construa um teclado de madeira com dez teclas do qual saem cabos com 15 a 20 metros. Na extremidade dos cabos hámartelos que são conectados nas estruturas meta¡licas de um prédio. Quando se toca o teclado, os martelos percutem as estruturas, convertendo o prédio em material sonoro, em parte do instrumento.â€
Para o MAC, o inventor poeta criou o Monoca³rdio 1, uma instalação com corda de piano e pau-marfim. “Neste trabalho, optei por um desenho extremamente minimalista, em que movimento e som são substituados pela beleza de uma corda esticada, uma reta perfeita e parada no Espaço. Dois pontos formando uma reta.â€
Nenfladio segue explicando como povoou o seu universo. “No Experimento de Suspensão nº1, a primeira obra que criei para esta exposição, trabalhei com a força invisível da gravidade. Um sistema composto pela rocha, roldanas e contrapesos que compõem um equilabrio de forças.â€
Como o artista conseguiu mostrar uma rocha flutuando no espaço com a leveza de uma folha causa surpresa para o espectador. Ao mesmo tempo em que o conjunto sugere uma experiência cientafica de física, revela a leveza da arte. “Na natureza, tudo sempre tende ao equilabrioâ€, argumenta o artista.
“Paulo Nenfladio reinventou a arte. Tem uma genialidade que toca o visitante aberto a um novo tempoâ€
Um outro trabalho que intriga éAlinhamento nº1, uma instalação com cinco tripanãs que possuem agulhas de baºssola e são alinhados no sentido das agulhas. “Essa posição torna visível no espaço a linha magnanãtica invisível em u que percorre o planetaâ€, explica Nenfladio. “Um alinhamento com o eixo norte-sul magnanãtico. Apesar de ser exibida em espaço interno, pode ser considerada land art, pois conecta a obra com o planeta.â€
Uma sequaªncia de fios compaµe a instalação Intersecção nº2. A sensação éa de ver a partitura de uma sonata de Bach para violino. As cordas estãoali todas esticadas e afinadas. “Sa£o planos perfeitamente simanãtricos, se interseccionam no Espaçoâ€, observa Nenfladio. “A intersecção ocorre na nossa imaginação. Ao mesmo tempo, apesar de esta¡tica, esta éuma obra cinanãtica, pois leva o paºblico a se movimentar para melhor compreender. Ver a obra em movimento cria desenhos que somente são revelados ao percorrer a instalação.â€
Embora o visitante percorra o Universo Invisível aparentemente sem som, os fios, as cordas de um piano sugerem, como outras obras do artista, a arte sonora. Ou o som do silaªncio.
Aos 94 anos, Dulce Avancini estãofeliz por poder voltar ao MAC: caminha atenta
para observar cada obra - Foto: Atalio Avancini
Uma senhora de 94 anos, Dulce Avancini, toda vestida de azul, parece se integrar no Espaço. Caminha entre as obras, observando tudo. “Paulo Nenfladio reinventou a arte. Tem uma genialidade que toca o visitante aberto a um novo tempoâ€, opina. “Gosto muito de arte contempora¢nea. Estou feliz visitando de novo o MAC. Feliz também porque estou vacinada e espero que o planeta possa ter saúde com vacina, música e a natureza preservada.â€
A senhora Dulce se senta no banco. E, de repente, o Universo Invisível tem uma soprano cantando uma música que parece um hino:
Canãu de Itanhaanãm
Pontilhado de estrelas
Vislumbra o Cruzeiro do Sul, bem acima da janela
A lua que nasce reflete no rio e nos faz sonhar
O inesperado da canção ecoando no espaço logo junta os visitantes ao redor de dona Dulce. “Opa, não senti que estava cantando alto.†O vigia questiona de quem éa música. E ela responde com orgulho: “a‰ minha. Fiz para a minha cidade.â€
Se o artista Paulo Nenfladio estivesse por ali, na tarde de domingo passado, dia 21, ficaria satisfeito por ver o que a sua arte pode propiciar.
A exposição Universo Invisível, de Paulo Nenfladio, com curadoria de Helouise Costa, estãoem cartaz até23 de maio, de tera§a-feira a domingo, das 10 a s 21 horas, no Museu de Arte Contempora¢nea (MAC) da USP (Avenida Pedro alvares Cabral, 1.301, Ibirapuera, em Sa£o Paulo). Entrada gra¡tis. a‰ preciso agendar a visita antecipadamente por este site. Mais informações estãodisponíveis no site do MAC.