Humanidades

Mapeando nossos mundos sociais
A professora Marissa King usa as ferramentas de dados da ciência de redes para obter novos insights sobre como as pessoas interagem e as ideias se espalham.
Por Marissa D. King - 08/03/2021


Reprodução

A professora Marissa King usa as ferramentas de dados da ciência de redes para obter novos insights sobre como as pessoas interagem e as ideias se espalham. Sua abordagem interdisciplinar desenvolve recomendações de políticas para problemas que va£o do abuso de medicamentos prescritos a  epidemia de solida£o. Em um novo livro, Social Chemistry: Decoding the Elements of Human Connection , ela explica como uma compreensão das redes sociais pode ajudar a resolver problemas enfrentados todos os dias por indiva­duos, organizações e sociedades.

Ha¡ algum problema que influenciou todo o seu trabalho?

Eu sou um cientista de redes. Quando eu olho para o mundo, vejo padraµes de interação social e redes sociais. Passei as primeiras duas décadas de minha carreira documentando epidemias sociais usando análises computacionais avana§adas.

Os processos de conta¡gio - doenças infecciosas, por exemplo - costumam ser modelados por meio de redes sociais. Estudo fena´menos que se propagam não por um mecanismo biola³gico, mas por conta¡gio social.

Seja o rápido aumento de casos de autismo, uso de medicamentos para saúde mental ou transtorno de uso de opioides, esses fena´menos, apesar de terem contextos radicalmente diferentes, exibem padraµes muito semelhantes - um rápido aumento de casos e uma grande quantidade de variação geogra¡fica. Essas duas coisas são a assinatura de epidemias sociais. Meu trabalho tem tentado entender como esses aumentos rápidos surgem do comportamento nonívelindividual. 

Como vocêdecidiu se tornar um acadêmico de rede?

Acho que estudamos e ensinamos o que precisamos. Em muitos momentos da minha vida, lutei contra a ansiedade social e a interação social. Crescendo, eu senti que não tinha entendido o manual de como tudo isso funciona, então eu queria decodifica¡-lo. 

No segundo ano do Reed College, tive uma introdução a s aulas de movimentos sociais. Ta­nhamos a designação de ir ver um movimento social. Eu fui ao protesto da OMC em Seattle. Eu vi como, quando vocêjunta um grupo de indivíduos interessados ​​no meio ambiente com membros de sindicatos que lutam por um sala¡rio digno, a química das redes que se unem cria o potencial de transformação emnívelsocial. Imediatamente, isso me pegou; Tenho estudado desde então.

Acho emocionante entender o que estãoacontecendo sob nossa pele, nonívelmolecular, quando estamos em conexão social, e como as pea§as se encaixam na dina¢mica dos fena´menos sociais em grande escala. As redes são um dos melhores caminhos para conectar o comportamento nonívelmicro a resultados sociais em larga escala.

Muito do seu trabalho se concentra na saúde. Onde éque isso veio?

Inicialmente, fui atraa­do pela área de saúde por causa da riqueza dos dados. O estudo dos processos de rede éfundamentalmente uma empresa anala­tica e orientada por dados. Mas espero estudar saúde pelo resto da minha vida, porque éum problema complexo e espinhoso. E responder a perguntas tem profundas implicações sociais para a capacidade dos pacientes de viver uma vida sauda¡vel e significativa. 

No ini­cio da minha carreira, estudei movimentos sociais - o movimento antiescravista e o movimento cooperativo agra¡rio na década de 1930. Tenho grande consideração pelo trabalho hista³rico e adoro isso, mas passei a estudar apenas os problemas contempora¢neos porque éfundamental sentir que meu trabalho estãoengajado com as políticas públicas de uma forma que tenha um impacto positivo na sociedade.

Seu novo livro, Quí­mica Social , édirecionado a um paºblico amplo.

Depois de anos documentando problema após problema, todos surgindo fundamentalmente de uma falta de conexão social, com a Quí­mica Social decidi buscar soluções.

“Espero que, ao comea§ar a entender as redes sociais, tenhamos a capacidade de abordar muitas das maiores questões sociais de nosso tempo - solida£o, questões raciais, desigualdade socioecona´mica, questões ambientais.”


O que espero éque, comea§ando a entender as redes sociais, tenhamos a capacidade de abordar muitas das maiores questões sociais de nosso tempo, seja a solida£o e a falta de conexão social, questões sobre raça, desigualdade socioecona´mica ou questões ambientais. Qualquer processo ou problema de natureza social - e como socia³logo, eu diria que isso étudo - exige que pensemos em soluções sociais.

Todos nostemos redes. Nossas redes são fundamentalmente apenas os vesta­gios de interação social que temos no dia a dia, seja por esbarrar em um barista ao tomar um cafépela manha£ ou nos relacionamentos mais duradouros com nossos amigos mais pra³ximos e familiares. 

Podemos pensar nessas conexões - nossas redes - como um mapa de onde estivemos no passado. Esse mapa de onde estivemos inevitavelmente tem implicações importantes para onde estamos indo. 

Se quisermos entender como funcionam as relações pessoais, organizações ou sociedades, precisamos entender a interação humana. Se eu precisar de mais apoio social, como faa§o para obtaª-lo? Se minha empresa precisa de mais inovação, como posso fortalecer as interações humanas que levam a  inovação? Se quisermos abordar a polarização pola­tica, como podemos aproveitar os processos sociais para fazer isso acontecer? A beleza das redes éque podemos elabora¡-las e altera¡-las.

Nossos relacionamentos estãoentre as coisas mais sagradas que possua­mos. A ideia de ser intencional em relação a eles émuitas vezes moralmente desanimadora. Mas o que espero fazer em meu livro échamar a atenção para o fato de que ser atencioso, proposital e intencional com eles pode nos transformar como indivíduos e nos permitir ser melhores cidada£os e membros da comunidade.

Todos os relacionamentos são iguais em algum na­vel, seja na familia ou no trabalho?

Meu relacionamento com meu marido éfundamentalmente diferente do que meu relacionamento com meus colegas, mas as estruturas sociais que os sustentam são as mesmas. Ao comea§ar a entender as regras que governam o comportamento social, isso me permite ter uma conversa mais significativa no final da noite com meus filhos ou meu marido. O mesmo entendimento me permite projetar uma organização que tenha maior inclusão racial.

As ferramentas são poderosas. Os alunos das minhas aulas pegam as coisas que ensino e as traduzem imediatamente emmudanças positivas em todos os tipos de organizações. Por exemplo, o Dr. Rohit Sangal estãono programa de MBA para Executivos e trabalha no Departamento de Medicina de Emergaªncia de Yale, que foi duramente atingido pela escala do COVID. Ele aplicou as discussaµes que tivemos em aula para implementar estratanãgias que promovam as equipes, o que por sua vez reduz o estresse e o esgotamento no departamento. 

Como vocêescolhe os tópicos para olhar?

Eu me considero uma pessoa ferramenta. Procuro problemas com impressaµes digitais, sugerindo que uma estrutura de rede pode ajudar a explicar a dina¢mica subjacente. Meu trabalho e minha maneira de ver o mundo são fundamentalmente interdisciplinares por natureza. Uma das alegrias da abordagem éque posso colaborar com pessoas em uma ampla gama de disciplinas. Eles tem experiência em um determinado problema; Tenho um conjunto de ferramentas de análise de sistemas e redes sociais.

O estudo de sistemas de grande escala com abordagens computacionais éuma estrutura anala­tica. Esta¡ necessariamente faltando uma perspectiva psicológica. Um dos benefa­cios de estar na Yale SOM éque não apenas tenho outros colegas usando abordagens computacionais, mas também tenho colegas que são psica³logos. Ser capaz de participar de semina¡rios com pessoas que estãopensando em coisas como emoção, ser capaz de fazer perguntas aos colegas como, o que realmente significa confianção ?, estar na sala de aula onde os alunos querem entender como unir as diferentes perspectivas - tudo isso adicionou camadas ao meu trabalho. 

E fui capaz de ser um corretor entre mundos diferentes que normalmente não falavam um com o outro. Isso surgiu do compromisso do nosso grupo na SOM em assumir uma perspectiva multidisciplinar. 

O que sabemos sobre a forma das redes sociais das pessoas?

Sabemos por quase três décadas de pesquisa nas ciências sociais que as redes da maioria das pessoas podem ser categorizadas como um dos três tipos: expansionista, convocador ou corretor. Os expansionistas tem redes extraordinariamente grandes; se vocêperguntar a eles quantas pessoas eles conhecem chamados Emily ou Adam, eles va£o te dizer dois ou mais, que éuma maneira de caracterizarmos o quanto grande éa rede de alguém . A maioria de nosconhece cerca de 650 pessoas; os expansionistas conhecem mais as magnitudes de ordem. Por causa disso, eles tem muita visibilidade, poder e influaªncia.

Muitas vezes, os convocadores viveram no mesmo local e trabalharam no mesmo emprego por um longo período de tempo. Os convocadores tendem a ser amigos uns dos outros. Investem muito em manter e fortalecer relacionamentos e por isso suas redes são imbua­das de muita confiana§a, reciprocidade e apoio social. As redes de convocação são boas na proteção contra a solida£o e os transtornos mentais.

A verdadeira força dos corretores éa inovação e recombinação. Os corretores tendem a estar no nega³cio de importação e exportação de ideias. Eles tem aquele aspecto camalea´nico de serem capazes de falar com grupos diferentes, o que lhes permite construir uma ponte efetiva entre mundos sociais que normalmente não existiriam.

Nãoexiste uma rede melhor, mas ao compreender essas estruturas sociais fundamentais, podemos melhorar os resultados. 

Qual éum exemplo?

Novas criações, sejam elas ideias ou produtos, muitas vezes são essencialmente a recombinação de ideias ou produtos existentes. Um dos meus exemplos favoritos éa prensa de impressão. Embora parea§a radicalmente novo, ésimplesmente um soco de moeda e uma prensa de vinho juntos. 

Passamos a maior parte de nossos dias conversando com pessoas que pensam como nose veem o mundo como nós. Isso inibe a capacidade de recombinar novas ideias e novas informações de maneiras que estimulam a inovação e a criatividade. Do ponto de vista da rede social, se queremos criatividade e inovação, o que precisamos fazer éestruturar as interações onde pessoas que normalmente não falavam umas com as outras entram em uma conversa.

Vocaª mencionou ter assistido a um movimento social nos protestos da OMC em Seattle. Como os movimentos sociais funcionam em uma perspectiva de rede?

Os movimentos sociais catalisam diferentes conexões sociais de corretores, convocadores e expansionistas. Eles recorrem a convocadores para espalhar ideias em uma rede coesa. Os corretores então unem grupos que normalmente não se conectariam, digamos, de grupos de baixa renda a grupos mais ricos. E os expansionistas adicionam alcance extraordina¡rio e um grau de espontaneidade e incerteza que permite uma disseminação realmente rápida.

Muitas décadas atrás, Stanley Milgram surgiu com a noção de que estamos todos conectados em seis graus de separação. Isso éconhecido na literatura como o efeito do mundo pequeno. Embora haja agora bilhaµes de pessoas a mais do que quando Milgram fazia seu trabalho, ainda existem apenas seis graus de separação entre duas pessoas quaisquer. Isso foi documentado novamente por Duncan Watts e seus colaboradores. 

Já estamos todos conectados. Os movimentos sociais descobrem como explorar as conexões de uma forma que permita que uma ideia ou comportamento se espalhe rapidamente e perdure. Se eu quero que algo realmente se espalhe em umnívelglobal, o truque éespalhar uma mensagem ao longo de um caminho que provavelmente garantira¡ que, quando chegar a alguém , eles adotem o comportamento ou a ideia.

Como o gaªnero atua nas redes sociais? 

O gaªnero éuma varia¡vel social central. Homens e mulheres naturalmente constroem redes que parecem muito diferentes, em parte devido a  predisposição, em parte devido a restrições sociais. As implicações são enormes e atuam no equila­brio entre a vida pessoal e profissional, o pagamento, a promoção e a retenção do emprego. 

As mulheres tendem a manter e fortalecer a conexão social por meio da conversa; os homens tendem a construir e manter seus relacionamentos fazendo coisas juntos. Durante a pandemia, as redes masculinas diminua­ram cerca de 30%; as redes femininas quase não encolheram. 

As mulheres tendem a ter redes sociais nas quais sua vida doméstica e social se diferenciam de sua vida profissional. Isso da¡ a eles mais equila­brio entre vida profissional e pessoal, mas também significa que eles estãoessencialmente mantendo duas redes. Eles tem que trabalhar em rede com mais força do que os homens para obter os mesmos resultados. 

No entanto, as mulheres são melhores na leitura de redes sociais. Pessoas sem poder são muito melhores na leitura de redes sociais e na compreensão da estrutura social. Isso porque, sem poder, ter mais empatia e ler as estruturas sociais com eficácia éfundamental para fazer as coisas. 

Uma das pea§as para a qual espero chamar a atenção em meu trabalho éa frequência com que somos vitimas de um conjunto de vieses cognitivos comuns que nos permitem interpretar mal os sistemas sociais. Pessoas no poder correm grande risco de fazer isso. Embora tenham a maior capacidade de alterar sistemas e promover a propagação em uma rede, eles frequentemente intervaªm de maneiras desvantajosas. 

Nãoseremos capazes de enfrentar as desigualdades sistemicas sem entender o capital social, que na verdade são apenas redes. Sabemos, por exemplo, que conseguir um emprego por meio de uma rede ébenanãfico para todos. Mas os negros a  procura de emprego precisam se conectar duas vezes mais para ter a mesma chance de conseguir um emprego do que os brancos.

Se não comea§armos a pensar em fornecer acesso antecipado a organizações ou criar programas de esta¡gio e redes que nivelem o campo, não seremos capazes de abordar a desigualdade econa´mica ou racial, porque essas são questões fundamentalmente sociais.

O seu pra³prio campo émoldado por gaªnero?

Dizer que o campo épredominantemente masculino éum eufemismo. a‰ muito raro ver uma mulher cientista de redes. Os valores que vão de minhas experiências como ma£e, como mulher navegando na academia, se refletem na Quí­mica Social . Atéa capa do meu livro - houve muita discussão em torno dela - tem um aspecto feminino e uma suavidade. A forma como apresento e falo sobre este trabalho foi muito importante para mim. Ao mesmo tempo, sou um cientista. O que era mais importante para mim era que a ciência do livro tinha que estar certa. 

Para onde vocêvaª o campo indo? 

“Mesmo cinco anos atrás, dados e restrições computacionais significavam que simplesmente não poda­amos analisar a conexão humana da maneira que fazemos agora. O campo estãomudando muito rapidamente. ”


Fazemos parte desse sistema social desde o ini­cio da história social moderna, mas são tivemos a capacidade de estuda¡-lo de forma real nos últimos 10 anos. 

Eu estudo como a interseção de como as redes sociais em grande escala afetam nosso comportamento a cada momento, usando sensores vesta­veis. Antes do advento dos sensores, esse trabalho não era possí­vel. Atécinco anos atrás, dados e restrições computacionais significavam que simplesmente não poda­amos analisar a conexão humana da maneira que fazemos agora. O campo estãomudando tão rapidamente. a‰ incra­vel.

 

.
.

Leia mais a seguir