Editora da USP lana§a “Fragmentos de Poanãtica e Estanãticaâ€, do autor de “Pa£o e Vinhoâ€

O poeta alema£o Friedrich Ha¶lderlin osFoto: Wikimedia Commons
O poeta alema£o Johann Christian Friedrich Ha¶lderlin (1770-1843) esteve profundamente envolvido com os principais temas filosãoficos e estanãticos de sua anãpoca, criando um rico e intenso dia¡logo com as filosofias de Kant, Fichte, Schelling e Hegel. Em Ha¶lderlin, poesia e filosofia estãointimamente ligadas, tornando impossível distinguir uma da outra. Enquanto suas reflexões filosãoficas são expostas em linguagem poanãtica, sua poesia trata das principais questões da filosofia pa³s-kantiana. O autor de Brot und Wein (Pa£o e Vinho) personifica o ideal de um fila³sofo poeta ou de um poeta filosãofico.
Essas reflexões estãocontidas na introdução do livro Fragmentos de Poanãtica e Estanãtica, de Ha¶lderlin, lana§ado recentemente pela Editora da USP (Edusp), escrita pelo professor Ulisses Razzante Vaccari, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que também assina a tradução da obra.
Para Vaccari, a unia£o entre poesia e filosofia em Ha¶lderlin não se da¡ por mero diletantismo do poeta alema£o. Trata-se, antes, de uma tentativa de reconquistar a função educadora da cultura que, desde a Antiguidade grega, cabia aos poetas e foi obscurecida nos tempos modernos. “O poeta moderno carece de uma formação poanãtico-filosãofica que lhe ensine a grandiosidade e a importa¢ncia de Homero para a formação da polis e ao mesmo tempo lhe proporcione a consciência de sua própria função formadora diante da humanidade modernaâ€, escreve o professor na introdução, lembrando que énesse contexto que se deve entender o significado do famoso verso presente em Pa£o e Vinho: “E para que poetas em tempos de indigaªncia?â€.
Mesmo permeado pelo esparito filosãofico, esse fazer poanãtico pressupaµe a superação da filosofia, no seu sentido moderno osuma forma de pensamento centrada exclusivamente no intelecto e no entendimento. Essa racionalidade exacerbada éjustamente o que difere o homem moderno do homem grego antigo. Neste, “o intelecto gozava de uma relação imediata e harma´nica com a natureza e a sensibilidade, harmonia presente em sua relação com o divino, própria da poesia homanãricaâ€, como escreve Vaccari. Ao enxergar o mundo apenas por meio do entendimento filosofante, o homem moderno ressente-se da perda da presença reconfortante da divindade e da relação harma´nica com a natureza, acrescenta o professor. “Em vez de aproximar o homem da natureza, as filosofias modernas, centradas numa atividade abstrata de pensar, acabaram por acentuar o fosso entre ambos. Nuclear nas filosofias iluministas, o entendimento afinal se define por sua analiticidade, por sua função de separação e catalogação do Ser em conceitos e categorias abstratas, que espelha em última insta¢ncia a visão fragmentada do homem burguaªs do século 18, o homem de nega³cios.â€
Para Ha¶lderlin, épreciso fazer com que o poeta seja novamente mestre da humanidade, a maneira de Homero. “Tornar a poesia a educadora da humanidade significa reconquistar a força e o fogo da fantasia, relegados ao segundo plano em tempos de confianção exagerada no entendimento burguaªsâ€, escreve Vaccari. “Ecoando a filosofia pa³s-kantiana como um todo, Ha¶lderlin assume para si esse papel de crítico da sociedade do entendimento e da reflexa£o ao mostrar a necessidade de superação desse momento hista³rico determinado, o que, nos termos da história da filosofia, equivale a superação do Iluminismo.â€
O belo e o sublime
As reflexões de Vaccari podem ser confirmadas atravanãs da leitura dos 35 textos de Ha¶lderlin publicados no livro lana§ado pela Edusp oscada um deles precedido por breves comenta¡rios sobre sua origem, também escritos pelo professor. Tome-se como exemplo o fragmento A Lei da Liberdade, datado de 1794 e visto como um esboa§o de um texto sobre estanãtica em que Ha¶lderlin busca superar os conceitos de belo e sublime do fila³sofo alema£o Immanuel Kant (1724-1804). “Ha¶lderlin fala de dois estados da imaginação: um que se refere a anarquia das representações que o entendimento organiza e outro em que a imaginação épensada em unia£o com a lei da liberdadeâ€, comenta Vaccari. “Enquanto o primeiro se refere ao caos do belo sem conceito, o segundo se refere ao sentimento do sublime em toda sua conexão com o reino prático. Em todo caso, belo e sublime não são, para Ha¶lderlin, duas insta¢ncias apartadas, tal como na terceira cratica de Kant, mas dois estados poanãticos distintos da mesma imaginação, que ora estãovoltada para o belo, ora para o sublime.â€

A Antiguidade grega éuma das principais referaªncias na obra
de Ha¶lderlin osFoto: Reprodução
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Em outro fragmento, composto em 1800 e intitulado A Diferena§a dos Modos Poanãticos, Ha¶lderlin aborda os gêneros poanãticos oso larico, o anãpico e o tra¡gico. “Além de ser particularmente importante para o desenvolvimento da concepção ha¶lderliniana de traganãdia, esse texto traz a tona o conceito de meta¡fora em sua ligação estreita com o conceito de intuição intelectualâ€, comenta Vaccari. “Na segunda parte do texto, Ha¶lderlin insere ainda no debate poetola³gico o conceito, igualmente central, de sensação ou sentimento.â€
O livro traz aforismos em que Ha¶lderlin expaµe sua visão sobre a poesia e a estanãtica. Num deles, o poeta afirma: “O entusiasmo possui graus. Desde o jocoso, que éo mais inferior, atéo entusiasmo do general que, no meio da batalha, se apodera imponente da clareza de pensamento do gaªnio, háuma escala infinita. Subir e descer nessa escala constitui a vocação e a gla³ria do poetaâ€.
Fragmentos de Poanãtica e Estanãtica, de Friedrich Ha¶lderlin, tradução e introdução de Ulisses Razzante Vaccari, Editora da USP (Edusp), 288 pa¡ginas, 42 pa¡ginas.