Humanidades

Bosi era “o mais multifacetado dos cra­ticos litera¡rios do Paa­s”
Autor de “Dialanãtica da Colonizaa§a£o”, o professor da USP morreu nesta quarta-feira, dia 7, aos 84 anos, de covid-19
Por Luiz Prado - 08/04/2021


Alfredo Bosi: “Ele conseguiu ser um professor das multidaµes”, afirma o professor Paulo Martins, diretor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, onde Bosi atuou como docente desde 1959 osFoto: Divulgação/FFLCH-USP
 
Galopando cada vez mais rápido, a covid-19 alimenta obitua¡rios e notas recordata³rias. Sa£o mais de 300 mil mortes, mas não da¡ para se acostumar.

Quem partiu nesta quarta-feira, dia 7, va­tima dessa doena§a, foi o professor de literatura, crítico e ensaa­sta Alfredo Bosi, deixando as letras e a comunidade universita¡ria de olhos tristes. Professor Emanãrito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, tinha 84 anos e estava internado em Sa£o Paulo.

Bosi, que nasceu em 26 de agosto de 1936, fez da Universidade de Sa£o Paulo uma presença incontorna¡vel em sua biografia. O começo foi em 1954, quando iniciou sua graduação em Letras Neolatinas na canãlebre Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL), cravada no centro de Sa£o Paulo, no prédio hista³rico da Rua Maria Antonia. Concluiu o curso em 1958, especializando-se, nos dois anos seguintes, em Filologia Roma¢nica, Literatura Italiana e Literatura Brasileira.

O ini­cio das atividades docentes foi na sequaªncia, em 1959, como assistente de Literatura Italiana na FFCL. Apa³s passar um período entre 1961 e 1962 especializando-se na Universita  degli Studi di Firenze, na Ita¡lia, volta para a USP e reassume o ensino de Literatura Italiana de 1963 a 1970. a‰ nesse momento que defende seu doutorado sobre a narrativa de Luigi Pirandello (1964) e sua livre-docaªncia sobre a poesia de Giacomo Leopardi (1970).

a‰ ainda nos anos 1960 que o professor publica os livros O Pranã-Modernismo (1966) e Hista³ria Concisa da Literatura Brasileira (1970), obra que o coloca entre os grandes da cra­tica litera¡ria nacional, com apenas 34 anos. A partir de 1971, já na FFLCH, a sucessora e herdeira espiritual da FFCL, Bosi passa a se dedicar a  literatura brasileira, chegando a professor titular. Data de 1977 outro de seus livros cla¡ssicos, O Ser e o Tempo da Poesia (1977).

O Instituto de Estudos Avana§ados (IEA) éoutra paisagem da USP na qual Bosi impa´s seu relevo. Fez parte do primeiro conselho deliberativo da unidade, em 1987, e dois anos depois tornou-se editor da revista Estudos Avana§ados, posto que sustentou por 30 anos. Foi ainda diretor do instituto de 1998 a 2001.

O professor Alfredo Bosi e sua esposa, professora Eclanãa Bosi (1936-2017) os
Foto: Cecilia Bastos / USP Imagens

Prêmios e reconhecimentos também assomam na biografia do professor. Recebeu o praªmio Jabuti duas vezes, por Dialanãtica da Colonização (1992) e Machado de Assis: o Enigma do Olhar (1999). Condecorações também foram duas: primeiro com a Ordem do Rio Branco, oferecida pela Presidaªncia da República em 1996, e depois com a Ordem do Manãrito Cultural, concedida pelo Ministanãrio da Cultura em 2005.

Tornou-se Professor Honora¡rio do IEA em 2006 e Professor Emanãrito da FFLCH em 2009. Bosi também ocupava, desde 2003, a cadeira número 12 da Academia Brasileira de Letras. Mas nem precisava dela para ser reconhecido como um imortal.

O reconhecimento em vida veio também por meio de obras dedicadas ao professor. Uma delas, publicada em 2018, éReflexa£o como Resistaªncia: Homenagem a Alfredo Bosi, organizada pelos professores da FFLCH Augusto Massi, Erwin Torralbo, Marcus Mazzari e Murilo Marcondes de Moura.

Seu último livro, Arte e Conhecimento em Leonardo da Vinci, havia sido publicado em 2018 (leia aqui matéria sobre esse livro publicada no Jornal da USP). Bosi foi casado com Eclanãa Bosi (1936-2017), Professora Emanãrita do Instituto de Psicologia (IP) da USP, e teve dois filhos, Viviana, também professora da FFLCH, e JoséAlfredo. Deixou os netos Daniel e Tiago.

O mais multifacetado dos cra­ticos

Professores, colegas e ex-alunos lamentaram a morte de Bosi e recordaram seu legado. O diretor da FFLCH, Paulo Martins, que foi aluno de graduação de Bosi, considera o antigo mestre um professor excepcional e “o mais multifacetado dos cra­ticos litera¡rios do Paa­s”.

“Ele conseguiu ser um professor das multidaµes”, comenta o diretor, referindo-se ao empenho e a  habilidade de Bosi nos cursos iniciais da graduação, tradicionalmente assistidos por um número elevado de estudantes. “Ele éum professor que consegue atingir um paºblico muito jovem e tem a noção da dimensão do que éa Universidade: qual éa sua diferença em relação ao ensino manãdio e como essa transição pode ser feita de uma forma não tão dolorida.”

Ao mesmo tempo, pontua Martins, Bosi se destacou também na formação de pa³s-graduandos. “O professor tem uma plaªiade de pupilos que foram para o magistanãrio superior, na USP e fora dela, que levaram o seu legado, sua metodologia e a maneira de ser generoso com seus alunos.”

Outra das facetas recordadas pelo diretor éa do Bosi escritor. “Da mesma forma que ele consegue verticalizar, ele consegue horizontalizar, do ponto de vista de uma divulgação litera¡ria brasileira importante”, explica Martins. Para o ex-aluno, Bosi se destacou tanto na composição de obras de apresentação e iniciação aos estudos litera¡rios oscomo éo caso de Hista³ria Concisa da Literatura Brasileira, volume que alcana§ou a fabulosa marca de 50 edições osquanto em textos mais complexos e “verticalizados”, como o vencedor do Jabuti Dialanãtica da Colonização, traduzido para o espanhol, o francaªs e o inglês e considerado por Martins um “divisor de a¡guas” na cra­tica litera¡ria.

A terceira dimensão que o diretor lembra tem a ver com a figura pola­tica de Bosi. “Ele éum marxista e um cata³lico ose isso estãoem seu DNA. Ele tem a sua vida pola­tica associada aos movimentos da Igreja Cata³lica paulistana, aquela Igreja associada a dom Paulo Evaristo Arns, e participa de movimentos pelos direitos humanos na ditadura”, comenta Martins. Dentre suas atuações, Bosi integrou a Comissão de Justia§a e Paz da Arquidiocese de Sa£o Paulo.

“Ele tem esses três matizes e não háum mais importante do que o outro”, reflete o diretor. “a‰ justamente a conjunção deles que compaµe a figura do professor Alfredo Bosi.”

Exultação e agradecimento

O ensaa­sta, crítico litera¡rio e também professor da FFLCH Alcides Villaa§a, ex-orientando de Bosi, enviou ao Jornal da USP algumas observações pessoais escritas por ocasia£o do falecimento do Professor Emanãrito.

“Terminei meu curso de graduação em Letras com aquele professor moa§o de Literatura Brasileira, Alfredo Bosi, recanãm-egresso da área de Literatura Italiana, que acabara de publicar uma admira¡vel Hista³ria Concisa da Literatura Brasileira”, conta Villaa§a. “Era 1971, eu me preparava para me bacharelar, me licenciar e sumir da Universidade. Mas aquele professor moa§o, com aquela erudição, aquela sensibilidade, aquela prática anãtica, aquele descortino pola­tico e aquele fino humor, que surgiu como um espantoso meteoro, me deu vontade de continuar meus estudos.”

“Em 1972, eu me sentei diante de uma mesinha de seleção da pós-graduação para ver se ele me aceitava como seu orientando”, prossegue Villaa§a. “Aceitou, e minha vida deu então uma guinada definitiva. Atéhoje preservo ou discuto valores que ele me transmitiu como orientador e grande amigo. Alia¡s, muitas cla¡usulas das discussaµes mais consequentes aprendi com ele. Ao acenar hoje para sua partida, exulto com o que ele deixou de mais vivo para mim, para nós, entre todos nós: a reflexa£o sensa­vel, o compromisso crítico com o peso misterioso, amoroso e poeticamente incalcula¡vel de cada pessoa.”

O diretor do IEA, professor Guilherme Ary Plonski, também se manifestou, agradecendo postumamente ao professor, em nome de todo o instituto. “Neste momento de sua partida prematura, a comunidade do IEA se despede do professor Alfredo Bosi, seu anterior conselheiro, diretor e editor da revista Estudos Avana§ados, com uma palavra: Obrigado!”, comunicou Plonski ao Jornal da USP. “Palavra que o professor Bosi caracterizou ‘a mais simples e ao mesmo tempo a mais densa. (…) Moeda corrente do cotidiano, traz, poranãm, no metal em que se fundiu o compromisso anãtico que lhe vem da ideia de obrigação. Dizaª-la étambém um dever’. Que a memória do querido professor Alfredo Bosi ilumine o caminho do IEA e de todos que com ele tiveram o privilanãgio de conviver.”

 

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