Autor de “Dialanãtica da Colonizaa§a£oâ€, o professor da USP morreu nesta quarta-feira, dia 7, aos 84 anos, de covid-19
Alfredo Bosi: “Ele conseguiu ser um professor das multidaµesâ€, afirma o professor Paulo Martins, diretor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, onde Bosi atuou como docente desde 1959 osFoto: Divulgação/FFLCH-USP
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Galopando cada vez mais rápido, a covid-19 alimenta obitua¡rios e notas recordata³rias. Sa£o mais de 300 mil mortes, mas não da¡ para se acostumar.
Quem partiu nesta quarta-feira, dia 7, vatima dessa doena§a, foi o professor de literatura, crítico e ensaasta Alfredo Bosi, deixando as letras e a comunidade universita¡ria de olhos tristes. Professor Emanãrito da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, tinha 84 anos e estava internado em Sa£o Paulo.
Bosi, que nasceu em 26 de agosto de 1936, fez da Universidade de Sa£o Paulo uma presença incontorna¡vel em sua biografia. O começo foi em 1954, quando iniciou sua graduação em Letras Neolatinas na canãlebre Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL), cravada no centro de Sa£o Paulo, no prédio hista³rico da Rua Maria Antonia. Concluiu o curso em 1958, especializando-se, nos dois anos seguintes, em Filologia Roma¢nica, Literatura Italiana e Literatura Brasileira.
O inicio das atividades docentes foi na sequaªncia, em 1959, como assistente de Literatura Italiana na FFCL. Apa³s passar um período entre 1961 e 1962 especializando-se na Universita degli Studi di Firenze, na Ita¡lia, volta para a USP e reassume o ensino de Literatura Italiana de 1963 a 1970. a‰ nesse momento que defende seu doutorado sobre a narrativa de Luigi Pirandello (1964) e sua livre-docaªncia sobre a poesia de Giacomo Leopardi (1970).
a‰ ainda nos anos 1960 que o professor publica os livros O Pranã-Modernismo (1966) e Hista³ria Concisa da Literatura Brasileira (1970), obra que o coloca entre os grandes da cratica litera¡ria nacional, com apenas 34 anos. A partir de 1971, já na FFLCH, a sucessora e herdeira espiritual da FFCL, Bosi passa a se dedicar a literatura brasileira, chegando a professor titular. Data de 1977 outro de seus livros cla¡ssicos, O Ser e o Tempo da Poesia (1977).
O Instituto de Estudos Avana§ados (IEA) éoutra paisagem da USP na qual Bosi impa´s seu relevo. Fez parte do primeiro conselho deliberativo da unidade, em 1987, e dois anos depois tornou-se editor da revista Estudos Avana§ados, posto que sustentou por 30 anos. Foi ainda diretor do instituto de 1998 a 2001.
O professor Alfredo Bosi e sua esposa, professora Eclanãa Bosi (1936-2017) os
Foto: Cecilia Bastos / USP Imagens
Prêmios e reconhecimentos também assomam na biografia do professor. Recebeu o praªmio Jabuti duas vezes, por Dialanãtica da Colonização (1992) e Machado de Assis: o Enigma do Olhar (1999). Condecorações também foram duas: primeiro com a Ordem do Rio Branco, oferecida pela Presidaªncia da República em 1996, e depois com a Ordem do Manãrito Cultural, concedida pelo Ministanãrio da Cultura em 2005.
Tornou-se Professor Honora¡rio do IEA em 2006 e Professor Emanãrito da FFLCH em 2009. Bosi também ocupava, desde 2003, a cadeira número 12 da Academia Brasileira de Letras. Mas nem precisava dela para ser reconhecido como um imortal.
O reconhecimento em vida veio também por meio de obras dedicadas ao professor. Uma delas, publicada em 2018, éReflexa£o como Resistaªncia: Homenagem a Alfredo Bosi, organizada pelos professores da FFLCH Augusto Massi, Erwin Torralbo, Marcus Mazzari e Murilo Marcondes de Moura.
Seu último livro, Arte e Conhecimento em Leonardo da Vinci, havia sido publicado em 2018 (leia aqui matéria sobre esse livro publicada no Jornal da USP). Bosi foi casado com Eclanãa Bosi (1936-2017), Professora Emanãrita do Instituto de Psicologia (IP) da USP, e teve dois filhos, Viviana, também professora da FFLCH, e JoséAlfredo. Deixou os netos Daniel e Tiago.
O mais multifacetado dos craticos
Professores, colegas e ex-alunos lamentaram a morte de Bosi e recordaram seu legado. O diretor da FFLCH, Paulo Martins, que foi aluno de graduação de Bosi, considera o antigo mestre um professor excepcional e “o mais multifacetado dos craticos litera¡rios do Paasâ€.
“Ele conseguiu ser um professor das multidaµesâ€, comenta o diretor, referindo-se ao empenho e a habilidade de Bosi nos cursos iniciais da graduação, tradicionalmente assistidos por um número elevado de estudantes. “Ele éum professor que consegue atingir um paºblico muito jovem e tem a noção da dimensão do que éa Universidade: qual éa sua diferença em relação ao ensino manãdio e como essa transição pode ser feita de uma forma não tão dolorida.â€
Ao mesmo tempo, pontua Martins, Bosi se destacou também na formação de pa³s-graduandos. “O professor tem uma plaªiade de pupilos que foram para o magistanãrio superior, na USP e fora dela, que levaram o seu legado, sua metodologia e a maneira de ser generoso com seus alunos.â€
Outra das facetas recordadas pelo diretor éa do Bosi escritor. “Da mesma forma que ele consegue verticalizar, ele consegue horizontalizar, do ponto de vista de uma divulgação litera¡ria brasileira importanteâ€, explica Martins. Para o ex-aluno, Bosi se destacou tanto na composição de obras de apresentação e iniciação aos estudos litera¡rios oscomo éo caso de Hista³ria Concisa da Literatura Brasileira, volume que alcana§ou a fabulosa marca de 50 edições osquanto em textos mais complexos e “verticalizadosâ€, como o vencedor do Jabuti Dialanãtica da Colonização, traduzido para o espanhol, o francaªs e o inglês e considerado por Martins um “divisor de a¡guas†na cratica litera¡ria.
A terceira dimensão que o diretor lembra tem a ver com a figura polatica de Bosi. “Ele éum marxista e um cata³lico ose isso estãoem seu DNA. Ele tem a sua vida polatica associada aos movimentos da Igreja Cata³lica paulistana, aquela Igreja associada a dom Paulo Evaristo Arns, e participa de movimentos pelos direitos humanos na ditaduraâ€, comenta Martins. Dentre suas atuações, Bosi integrou a Comissão de Justia§a e Paz da Arquidiocese de Sa£o Paulo.
“Ele tem esses três matizes e não háum mais importante do que o outroâ€, reflete o diretor. “a‰ justamente a conjunção deles que compaµe a figura do professor Alfredo Bosi.â€
Exultação e agradecimento
O ensaasta, crítico litera¡rio e também professor da FFLCH Alcides Villaa§a, ex-orientando de Bosi, enviou ao Jornal da USP algumas observações pessoais escritas por ocasia£o do falecimento do Professor Emanãrito.
“Terminei meu curso de graduação em Letras com aquele professor moa§o de Literatura Brasileira, Alfredo Bosi, recanãm-egresso da área de Literatura Italiana, que acabara de publicar uma admira¡vel Hista³ria Concisa da Literatura Brasileiraâ€, conta Villaa§a. “Era 1971, eu me preparava para me bacharelar, me licenciar e sumir da Universidade. Mas aquele professor moa§o, com aquela erudição, aquela sensibilidade, aquela prática anãtica, aquele descortino polatico e aquele fino humor, que surgiu como um espantoso meteoro, me deu vontade de continuar meus estudos.â€
“Em 1972, eu me sentei diante de uma mesinha de seleção da pós-graduação para ver se ele me aceitava como seu orientandoâ€, prossegue Villaa§a. “Aceitou, e minha vida deu então uma guinada definitiva. Atéhoje preservo ou discuto valores que ele me transmitiu como orientador e grande amigo. Alia¡s, muitas cla¡usulas das discussaµes mais consequentes aprendi com ele. Ao acenar hoje para sua partida, exulto com o que ele deixou de mais vivo para mim, para nós, entre todos nós: a reflexa£o sensavel, o compromisso crítico com o peso misterioso, amoroso e poeticamente incalcula¡vel de cada pessoa.â€
O diretor do IEA, professor Guilherme Ary Plonski, também se manifestou, agradecendo postumamente ao professor, em nome de todo o instituto. “Neste momento de sua partida prematura, a comunidade do IEA se despede do professor Alfredo Bosi, seu anterior conselheiro, diretor e editor da revista Estudos Avana§ados, com uma palavra: Obrigado!â€, comunicou Plonski ao Jornal da USP. “Palavra que o professor Bosi caracterizou ‘a mais simples e ao mesmo tempo a mais densa. (…) Moeda corrente do cotidiano, traz, poranãm, no metal em que se fundiu o compromisso anãtico que lhe vem da ideia de obrigação. Dizaª-la étambém um dever’. Que a memória do querido professor Alfredo Bosi ilumine o caminho do IEA e de todos que com ele tiveram o privilanãgio de conviver.â€