A desinformaa§a£o éum conceito que extrapola o significado de 'fake news' Embora amplamente difundido, o termo 'fake news' éconsiderado ambaguo ou impreciso por alguns autores.

Estudos sobre os impactos da desinformação e iniciativas de divulgação cientafica buscam reduzir os danos sociais das madias digitais e aprimorar o uso dessas ferramentas de comunicação
A pandemia de Covid-19 impulsionou uma intensa produção de publicações cientaficas no mundo todo. Conforme um levantamento a partir das informações da plataforma Dimensions, realizado pela Agência USP de Gestãoda Informação Acadaªmica (AGUIA), atéo dia 17 de outubro de 2020 haviam sido produzidas e registradas 168.546 publicações sobre Covid-19. Paralelamente, a ciência também se dedicou a compreensão e ao enfrentamento de outra ameaa§a, que se propaga exponencialmente pelas redes sociais: a desinformação.
A desinformação éum conceito que extrapola o significado de “fake newsâ€. Embora amplamente difundido, o termo ‘fake news’ éconsiderado ambaguo ou impreciso por alguns autores. Para examinar a complexidade da desordem da informação são estabelecidos critanãrios de classificar as mensagens, como o modelo proposto por Wardle e Derakshan (2017), que diferencia a desinformação (“dis-informationâ€), criada propositalmente para prejudicar um indivaduo, um grupo, uma organização ou uma nação, a informação errada (“mis-informationâ€), que éproduzida sem a intenção de provocar danos, e a informação maliciosa (“mal-informationâ€), que embora seja baseada em fatos, édivulgada na esfera pública para causar prejuazos a uma pessoa, organização oupaís.
O Grupo de Estudos da Desinformação em Redes Sociais (EDReS) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) reaºne pesquisadores de diferentes áreas do conhecimento para tentar entender e reduzir os efeitos da desinformação sobre a sociedade. “Estamos trabalhando no limite entre o conhecimento acadêmico formal e as suas aplicaçõesâ€, explica Leandro Tessler, integrante do EDReS e professor do Instituto de Fasica da Unicamp. No inicio da pandemia, o grupo criou um canal no Whatsapp para receber notacias falsas disseminadas pelas redes sociais, formando um extenso banco de dados. “A análise de dados depende do estudo que estãosendo feito. Pode ser intensiva, com a participação humana (assistir muitos vadeos sobre um assunto) ou mais baseada em ma¡quina (correlacionar todos os tuates sobre vacinas em langua portuguesa num determinado intervalo de tempo)â€. Um dos objetivos dos estudos éclassificar as notacias e compreender como elas evoluem no tempo. Em geral, as notacias analisadas classificam-se em 3 grandes grupos, relacionados a minimização da gravidade da doena§a, a s teorias conspirata³rias e a negação das vacinas, destaca Tessler. ‘’Dentro de cada grupo hávariantes. Na verdade, hátoda uma hierarquia de desinformação, quase da¡ para fazer uma classificação filogenanãticaâ€.
Em Maceia³, uma pesquisa coordenada por Priscila Muniz de Medeiros, professora do Curso de Jornalismo da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) busca estudar a influaªncia da desinformação sobre a pandemia de covid-10 nas atitudes e comportamentos da população. Com base nas informações de oito agaªncias de checagem, o estudo fez uma cartografia das notacias falsas que circularam no Paas entre mara§o e outubro de 2020. O pra³ximo passo, diz a pesquisadora, éentender como essas notacias impactaram os esforços de contenção do varus. Os dados já analisados indicam que as notacias falsas buscam ajustar os fatos a visão de mundo do grupo polatico que as estãopropagando “As notacias falsas operam no sentido de conservar para aquele grupo a narrativa do hera³i infalavel, o mito, o salvador, que nunca erra. Ao mesmo tempo que qualquer um que se oponha ao hera³i se torna antagonista nessas narrativas ficcionais. A manutenção dessa coeraªncia narrativa éessencial para a conservação do ama¡lgama que une o grupoâ€, avalia Medeiros.
A fraqueza das instituições fortalece a ignora¢ncia
A desinformação e o negacionismo (versão articulada e institucionalizada da desinformação), não se restringem ao Brasil. Em parceria com colegas da Columbia University e da University of Vienna, o pesquisador Renan Leonel, pa³s-doutorando no Health Ethics and Policy Lab da ETH Zurich, Suia§a, busca analisar e comparar os efeitos da produção da ignora¢ncia e do negacionismo sobre o enfrentamento da pandemia de Covid-19 no Brasil, nos Estados Unidos e no Reino Unido. O grupo selecionou os principais jornais impressos dos trêspaíses e levantou mais de 36 mil artigos relacionados ao tema de interesse. Ferramentas computacionais permitiram identificar quais palavras-chaves apareceram com mais frequência nos jornais por período da pandemia e revelaram que os discursos negacionistas se concentraram, num primeiro momento, em desqualificar o conhecimento sobre a transmissão do varus. No período entre as duas ondas da pandemia, a circulação em Espaços paºblicos e a reabertura de estabelecimentos comerciais ganha atenção, e quando a vacina se tornou realidade, passou a ser o alvo do negacionismo. Em relação a s particularidades dos discursos negacionistas nopaís, Leonel aponta que as notacias da madia brasileira deram maior aªnfase a questãodos medicamentos sem eficácia comprovada e também a polaªmica da reabertura do comercio para a retomada da economia.
Comparando a situação do Brasil e dos EUA, Leonel ressalta a importa¢ncia das instituições democra¡ticas para redução dos efeitos do negacionismo. A despeito do discurso negacionista do Trump, órgãos e instituições estadunidenses seguiram seus projetos na pandemia, o Congresso aprovou medidas de estamulo a economia, as vacinas foram produzidas. “No caso do Brasil, faltou uma infraestrutura de ciência articulada com os instrumentos democra¡ticos e que pudesse dar conta de um caminho alternativo. Nossas instituições já estavam muito enfraquecidas e infelizmente o nosso Congresso Nacional também compartilhava grande parte das percepções negacionistas do Presidente da República, então o caos polatico no Brasil alcana§ou umnívelmuito superior e a adesão a desinformação foi muito maior do que naquelespaíses.â€
Iniciativas de combate a desinformação
A resposta a pandemia no Brasil não se destaca apenas pelas falhas políticas, mas também por manifestações e iniciativas promovidas por grupos da sociedade civil para garantir o acesso a informação de qualidade. Cientistas de todo opaís concentraram esforços para criar Espaços de comunicação em plataformas e redes sociais, promoveram webinários e conferaªncias, dedicaram-se a checagem de mensagens que circulavam na internet. O site ciência popular, que mapeia algumas iniciativas das universidades brasileiras na pandemia, registrava a ocorraªncia de 535 iniciativas de disseminação de informações e divulgação cientafica em 15 de mara§o de 2021.
Referaªncia de iniciativa independente no combate a desinformação, o Observatório Covid-19 BR reaºne 85 pesquisadores associados a 28 instituições e fornece dados atualizados, análises estatasticas e previsaµes sobre a pandemia. Pesquisadores e instituições também se organizam em coletivos e redes de divulgação e combate a desinformação, como a Rede Nacional de Combate a Desinformação e #TodosPelasVacinas, da qual o Observatório faz parte. “O trabalho do Observatório évolunta¡rio, não háporte de nenhum meio. Pretendemos, no futuro, manter o grupo multidisciplinar de análise de questões que envolvem a saúde pública e seus impactos sociais e continuar a atuar na proposição de políticas públicas baseadas em evidaªnciasâ€, diz Flavia Ferrari, bia³loga co-responsável pela divulgação cientafica do Observatório Covid-19 Br.
A ampliação dos canais de comunicação entre ciência e sociedade éuma tendaªncia importante. “De fato, o ambiente digital éhoje o principal ambiente disseminação da desinformação, mas também éo espaço onde as pessoas buscam conhecimento e informação qualificada, então uma estratanãgia de comunicação eficaz deve ser forte no ambiente onlineâ€, reflete Leonel. “O grande desafio que percebo éo de manter os ganhos trazidos pelas madias digitais, especialmente no que concerne a ampliação de vozes no debate paºblico, mas reduzindo os enormes danos sociais que os aspectos negativos vão promovendoâ€, conclui Medeiros.Â