Humanidades

Seis em cada dez lares brasileiros apresentam insegurança alimentar, aponta pesquisa
Estudo conduzido em parceria da UnB mostra que 125 milhões de pessoas nopaís estiveram sem garantias de alimentaa§a£o adequada na pandemia
Por UnB - 30/04/2021


Pesquisa aponta que as desigualdades alimentares foram agravadas durante a pandemia

Quase seis em cada dez domica­lios brasileiros (59,4%) passaram por uma situação de insegurança alimentar durante a pandemia. a‰ o que aponta estudo realizado em parceria com a Universidade de Brasa­lia. Conduzida pelo Grupo de Pesquisa Alimento para Justia§a: Poder, Pola­tica e Desigualdades Alimentares na Bioeconomia da Universidade Livre de Berlim (FU Berlin), a pesquisa procurou entender os efeitos da pandemia em relação a  situação de segurança alimentar e consumo de alimentos no Brasil. Pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) também contribua­ram com a iniciativa.

O estudo parte de inquietações sobre os efeitos da insegurança alimentar neste momento pandaªmico, com base em alertas e denaºncias de organismos internacionais, pesquisas nacionais e no exterior e informações de movimentos sociais brasileiros. Em junho de 2020, a Organização das Nações Unidas (ONU) divulgou estimativas de que, atéo fim de 2020, cerca de 130 milhões de pessoas em todo o mundo poderiam estar em situação de insegurança alimentar, ou seja, sem acesso regular ou permanente a alimentos de qualidade e em quantidade suficiente para que suas necessidades sejam atendidas.

 A UnB juntou-se a  equipe responsável pela pesquisa para contribuir com a expertise nas áreas de opinia£o pública e comportamento pola­tico, especialidades do professor Laºcio Renna³, do Instituto de Ciência Pola­tica (Ipol). O docente colaborou na elaboração e supervisão do desenho de pesquisa e metodologia. Ele foi um dos responsa¡veis pela construção do questiona¡rio aplicado, que inovou ao abranger aspectos relacionados a  segurança alimentar, comportamento pola­tico e valores sociais. A parceria também acontece com a análise dos dados e com publicações, trabalho que segue em andamento.

Uma amostra probabila­stica nacional foi considerada para a coleta de dados, tendo inclua­das áreas urbanas e rurais. Foram entrevistados 2.004 cidada£os brasileiros maiores de 18 anos, entre agosto e dezembro de 2020. A pesquisa constatou que 125 milhões de brasileiros não tiveram alimentação adequada neste período. Os dados informados pela pesquisa medem o acesso da população a  alimentação.

“Os entrevistados foram selecionados de forma aleata³ria, a partir de banco de dados de números telefa´nicos fixos e ma³veis, combinado com informações do cadastro de todos os telefones de acordo com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel)”, pontua Laºcio Renna³.

O professor do Ipol comenta que as entrevistas foram realizadas por meio da plataforma Raptor, que permite unir discagem automa¡tica em massa com toda a operação de um projeto de pesquisa, programação de filtros e pulos, gravação das entrevistas, auditoria em tempo real e controle de cotas. “Foram implantadas estratificações de gaªnero, idade, escolaridade e local de moradia na seleção dos entrevistados”, conta.

DADOS COLETADOS osO estudo avaliou a situação de insegurança alimentar enfrentada por domica­lios brasileiros, ou seja, a existaªncia de uma preocupação com a falta de alimentos e de dinheiro para poder adquiri-los e a necessidade das pessoas pularem refeições. No quesito da insegurança alimentar, a expressão mais grave se apresenta em uma experiência de fome.
 
Para entender o consumo alimentar da população, foram utilizados marcadores de alimentos sauda¡veis e não sauda¡veis do Sistema de Vigila¢ncia de Fatores de Risco e Proteção para doenças crônicas não transmissa­veis por inquanãrito telefa´nico (Vigitel) do Ministanãrio da Saúde. Cereais, leguminosas, carnes, leite, hortalia§as, frutas, ovos, queijos e tubanãrculos são marcados como alimentos sauda¡veis. Massas, panificados, industrializados e doces, como alimentos não sauda¡veis.

O objetivo da avaliação foi conseguir informações que pudessem mostrar se os entrevistados contavam com o consumo regular osmais de cinco vezes na semana osou irregular osmenos de cinco vezes na semana osdos alimentos dos dois grupos.

“Na³s descobrimos que, mesmo antes da pandemia, já havia o consumo irregular de marcadores de alimentação sauda¡vel, sendo o consumo de tubanãrculos mais baixo. Ou seja, a insegurança alimentar pelo comprometimento da qualidade da alimentação já estava em curso no Brasil”, destaca Marco Antonio Teixeira, socia³logo e coordenador cienta­fico do Grupo de Pesquisa Alimento para Justia§a.

Ao analisar os três na­veis de insegurança alimentar, percebeu-se que 31,7% dos domica­lios estãoem insegurança alimentar leve, 12,7% em moderada e 15% em grave. Esses resultados mostraram uma alta frequência de insegurança alimentar entre os entrevistados.

Com a pandemia, foi identificada uma queda no consumo regular de alimentos sauda¡veis, o que compromete a qualidade da alimentação. Em 44% dos domica­lios houve redução no consumo de carnes, pouco mais de 40% diminua­ram o consumo de frutas e queijos e 36,8%, de hortalia§as e legumes. Os ovos foram os alimentos que sofreram a menor alteração no consumo: houve queda em 17,8% dos lares, enquanto que em 18,8% houve aumento. Esse crescimento pode indicar a substituição do consumo de carne.

Gra¡fico aponta predomina¢ncia da insegurança alimentar no Brasil em tempos de pandemia.
Imagem: Reprodução/Grupo de Pesquisa Alimento para Justia§a
  
“a‰ importante observar que este percentual [de consumo de ovos] émuito mais elevado entre os domica­lios em situação de insegurança alimentar, que tiveram uma redução de mais de 85% no consumo de alimentos sauda¡veis”, frisa Teixeira. Domica­lios em insegurança alimentar são, na maioria, chefiados por pessoas de raça ou cor parda ou preta, de sexo feminino, com renda per capita inferior a R$ 1 mil e habitantes de áreas rurais, nas regiaµes Norte e Nordeste. Entre domica­lios em segurança alimentar, a redução no consumo regular de alimentos variou de 7% a 15%.

CONSEQUaŠNCIAS osCom esses dados, o estudo chega a  conclusão de que a alimentação da população brasileira durante a pandemia tem sido irregular em quantidade e qualidade de alimentos sauda¡veis. A falta deles pode ter diversas implicações, como comprometer o crescimento e o desenvolvimento cognitivo de criana§as, diminuir a imunidade e aumentar o risco de agravos como a obesidade.

“Considerando os vários na­veis de insegurança alimentar, podemos afirmar que parte da população precisou pular algumas refeições, enquanto outra parte sequer teve alimentos suficientes para fazer refeições dia¡rias”, enfatiza Marco Antonio Teixeira.

O professor Laºcio Renna³ pontua que a comparação de forma estrita com dados coletados em pesquisas anteriores, que demonstram piora nos a­ndices, não deve ser feita, uma vez que hádiferenças significativas em amostras e questiona¡rios nos diferentes levantamentos “Contudo, a tendaªncia observada reforça padrãojá antecipado em pesquisas anteriores, dando inda­cios sobre a convergaªncia dos resultados encontrados”, diz.

QUESTa•ES SOCIAIS osMelissa de Araaºjo, nutricionista e pesquisadora da UFMG envolvida no trabalho, pontua que a insegurança alimentar e nutricional (IAN) émultidimensional, ou seja, égerada por fatores diversos, o que pode ocasionar diferentes efeitos. Para a pesquisadora, as desigualdades alimentares osa insegurança alimentar éuma dasDimensões ossão resultado de um conjunto de fatores oriundos de questões políticas, sociais e econa´micas.

“Sendo assim, não podemos ter uma compreensão superficial do fena´meno e ésensa­vel afirmar que a IAN pode agravar problemas sociais. A ausaªncia de vontade pola­tica para tratar o fena´meno poderia agravar problemas sociais, porque a raiz da causa émaior do que o resultado, nesse caso da insegurança alimentar e nutricional”, observa.

 

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