Humanidades

O mais antigo enterro de bebaªs femininos adornados na Europa, significativo para a compreensão da evolução da personalidade
O tratamento funera¡rio aparentemente
Por Arizona State University - 14/12/2021


A boca da caverna Arma Veirana, um local nas montanhas da Ligaºria, no noroeste da Ita¡lia. Crédito: Dominique Meyer

Dez mil anos atrás, logo após a última Idade do Gelo, um grupo de caçadores-coletores enterrou uma menina em uma caverna italiana. Eles a sepultaram com uma rica seleção de suas preciosas contas e pingentes, e uma garra de coruja-a¡guia, sinalizando sua tristeza e mostrando que mesmo as mulheres mais jovens eram reconhecidas como pessoas plenas em sua sociedade. As escavações e análises da descoberta são publicadas esta semana na Nature Scientific Reportse oferece uma visão sobre o ini­cio do período mesola­tico, do qual poucos sepultamentos registrados são conhecidos. Claudine Gravel-Miguel, pesquisadora de pa³s-doutorado do Institute of Human Origins da Arizona State University (ASU) e coautora do artigo, fez a análise dos ornamentos, que inclui mais de 60 contas de conchas perfuradas e quatro pingentes de conchas.

As prática s mortua¡rias oferecem uma janela para as visaµes de mundo e a estrutura social das sociedades do passado. O tratamento funera¡rio infantil fornece informações importantes sobre quem era considerado uma pessoa e tinha os atributos de um eu individual, agaªncia moral e elegibilidade para associação ao grupo. O tratamento funera¡rio aparentemente "igualita¡rio" desta criana§a, que a equipe apelidou de "Neve", mostra que já em 10.000 anos atrás na Europa Ocidental, mesmo as mulheres mais jovens eram reconhecidas como pessoas plenas em sua sociedade.

"A evolução e o desenvolvimento de como os primeiros humanos enterraram seus mortos, conforme revelado no registro arqueola³gico, tem um enorme significado cultural", disse Jamie Hodgkins, doutorado e paleoantropa³logo da ASU na Universidade do Colorado em Denver.

A escavação

Arma Veirana, uma caverna nos pré-Alpes da Ligaºria, no noroeste da Ita¡lia, éum local popular para as fama­lias locais visitarem. Os saqueadores também descobriram o local, e suas escavações expuseram as ferramentas do final do Pleistoceno que atraa­ram pesquisadores para a área.

A equipe de pesquisa começou a pesquisar o local em 2015 e descobriu os restos mortais durante a última semana da temporada de campo de 2017. A equipe de coordenadores do projeto inclui os colaboradores italianos Fabio Negrino, da Universidade de Gaªnova, e Stefano Benazzi, da Universidade de Bolonha, além de pesquisadores da Universidade de Montreal, da Universidade de Washington, da Universidade de Ferrara, da Universidade de Tubingen e do Instituto de Origens Humanas .

As duas primeiras temporadas de escavação foram passadas perto da boca da caverna, expondo camadas estratigra¡ficas que continham ferramentas com mais de 50.000 anos, tipicamente associadas aos neandertais na Europa (ferramentas Mousterianas). Eles também encontraram restos de refeições antigas, como ossos marcados de javalis e alces e pedaço s de gordura carbonizada. Além disso, eles encontraram ferramentas de pedra que eram muito mais recentes e que provavelmente estavam erodindo nas profundezas da caverna. Para entender melhor a estratigrafia da caverna e documentar sua história de ocupação, a equipe abriu novas seções dentro da caverna em 2017. Conforme a equipe explorava esta nova seção, eles começam a desenterrar contas de concha perfuradas, que Hodgkins examinou com mais cuidado no laboratório.
 
Poucos dias depois de encontrarem a primeira conta, uma das escavadeiras descobriu um pequeno pedaço da aba³bada craniana do bebaª.

“Estava a escavar na praça adjacente e lembro-me de ter olhado e pensado 'este éum osso esquisito'”, diz Gravel-Miguel. "Rapidamente ficou claro que não apenas esta¡vamos olhando para um cra¢nio humano, mas que também era de um indiva­duo muito jovem. Foi um dia emocionante."

Ilustração que mostra a colocação de contas e conchas junto com o cra¢nio.
Crédito: Claudine Gravel-Miguel

Usando ferramentas dentais e um pequeno pincel, os pesquisadores passaram aquela semana e a temporada de campo seguinte para expor cuidadosamente todo o esqueleto, que era adornado com linhas articuladas de contas de concha perfuradas.

“As técnicas de escavação são de última geração e não deixam daºvidas para as associações dos materiais com o esqueleto”, disse Curtis Marean, que não participou do estudo. Marean édiretora associada do Instituto de Origens Humanas e Professora da Fundação Escola de Evolução Humana e Mudança Social da ASU.

Mudanças importantes na pré-história humana

Em uma sanãrie de análises coordenadas por várias instituições e vários especialistas, a equipe descobriu detalhes cra­ticos sobre o antigo cemitanãrio. A datação por radiocarbono determinou que a criana§a viveu há10.000 anos, e a análise da protea­na amelogenina e o DNA antigo revelaram que a criana§a era uma mulher pertencente a uma linhagem de mulheres europeias conhecida como haplogrupo U5b2b.

"Ha¡ um registro decente de sepultamentos humanos antes de cerca de 14.000 anos atrás", disse Hodgkins. "Mas o último período do Paleola­tico Superior e a primeira parte do Mesola­tico são menos conhecidos quando se trata de prática s funera¡rias. Os enterros de bebaªs são especialmente raros, então Neve adiciona informações importantes para ajudar a preencher essa lacuna."

"O Mesola­tico éparticularmente interessante", disse o coautor Caley Orr, doutorando da ASU, paleoantropologista e anatomista da Escola de Medicina da Universidade do Colorado. "Seguiu-se ao fim da Idade do Gelo final e representa o último período na Europa em que a caça e a coleta eram a principal forma de ganhar a vida. Portanto, éum período realmente importante para a compreensão da pré-história humana."

Histologia virtual detalhada, ou estudo do tecido e da estrutura dos dentes do bebaª, mostrou que ela morreu 40 a 50 dias após o nascimento e que experimentou estresse que interrompeu brevemente o crescimento de seus dentes 47 dias e 28 dias antes de ela nascer. Ana¡lises de carbono e nitrogaªnio dos dentes revelaram que a ma£e do bebaª o nutria em seu aºtero com uma dieta baseada na terra.

A criana§a como membro da comunidade

Gravel-Miguel fez uma análise dos enfeites que adornam a criana§a, o que evidenciou o cuidado investido em cada pea§a e mostrou que muitos dos enfeites exibiam desgastes que comprovam que foram passados ​​para a criana§a pelos integrantes do grupo. Os detalhes desta pesquisa - junto com outros resultados - são o foco de um artigo separado, atualmente em revisão.

Citando um sepultamento semelhante de duas criana§as datadas de 11.500 anos atrás em Upward Sun River, Alasca, Hodgkins disse que o tratamento funera¡rio de Neve sugere que o reconhecimento das faªmeas infantis como pessoas plenas tem origens profundas em uma cultura ancestral comum que era compartilhada por povos que migraram para a Europa e aqueles que migraram para a Amanãrica do Norte. Ou pode ter surgido em paralelo em populações de todo o planeta.

 

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