Humanidades

Discriminação pelos números
Para a economista Phyllis Wallace, a discriminação no emprego estava em toda parte — mas os números que a provavam não.
Por Christina Sofá - 13/02/2022


Phyllis Wallace (centro) na Conferência Internacional sobre Tanãcnicas de Input-Output em Genebra, outubro de 1961.
PAPa‰IS DE PHYLLIS WALLACE, DEPARTAMENTO DE COLEa‡a•ES DISTINTAS, BIBLIOTECAS DO MIT

Quando Phyllis Ann Wallace chegou a  Universidade de Yale, em meados da década de 1940, estava acostumada a enfrentar obsta¡culos e prosseguir de qualquer maneira. Nãose esperava que as mulheres fossem para a economia, especialmente nonívelde pós-graduação, e para mulheres negras como ela, entrar no campo décadas antes de escolas, a´nibus ou locais de trabalho serem legalmente integrados era praticamente inanãdito. 

Na anãpoca, as mulheres negras tinham acabado de entrar nos programas de doutorado nos EUA. As primeiras mulheres afro-americanas a obter doutorados nos EUA se formaram em 1921, 60 anos depois que os homens brancos o fizeram ose nenhuma mulher negra jamais obteve um doutorado em economia em Yale. Alguns sistemas que mantinham as mulheres e as minorias de fora eram ta¡citos, mas muitos eram a³bvios e codificados. Estudantes de pós-graduação, por exemplo, não competiam por bolsas — o dinheiro que sobrava ia para as mulheres somente depois que os estudantes do sexo masculino eram financiados. As mulheres não trabalhavam ao lado de professores seniores e eram relegadas a corrigir trabalhos em vez de dar aulas como os homens.

“Foi são quando me levantei na frente de uma turma e comecei a dar alguns cursos noturnos no City College em Nova York que me livrei do medo de não conseguir”, disse Wallace ao Boston Globe em 1975. “Acho que consegui me forçando a não ter medo, apenas seguir em frente e fazer e, felizmente, fui bom.”

Wallace, que morreu de ataque carda­aco em 1993, passou sua carreira lutando contra sistemas que impediam (e ainda impedem) grupos minorita¡rios de prosperar no mercado de trabalho. Seu trabalho mudaria a forma como a discriminação era estudada e quantificada. 

A discriminação foi o que levou Wallace a  economia. Crescendo na segregada Baltimore, ela foi a oradora de sua escola secunda¡ria totalmente negra - a mesma frequentada por Thurgood Marshall e Cab Calloway anos antes - mas foi impedida de estudar na Universidade de Maryland, toda branca. A lei estadual oferecia apoio de ensino de fora do estado para estudantes negros que queriam se especializar em uma disciplina oferecida na Universidade de Maryland, mas não no Morgan State College, uma instituição são para negros nas proximidades. Wallace pegou cata¡logos de ambas as escolas e escolheu a economia como seu ingresso. Em breve, ela estaria na Universidade de Nova York, onde ganhou reputação como a garota que levava livros escolares para festas. Ela se formou magna cum laude.

Wallace planejava lecionar no ensino manãdio depois da NYU, mas um professor a encorajou a se inscrever em Yale e continuar estudando economia. Esse pequeno impulso na carreira, e outros que se seguiriam, solidificaram sua percepção de que a mobilidade econa´mica émuitas vezes determinada por mecanismos ta¡citos que da£o a certas pessoas vantagens em suas profissaµes osincluindo, a s vezes, ela. Depois de concluir sua dissertação sobre acordos internacionais e domanãsticos de açúcar e obter seu doutorado em 1948, Wallace conseguiu seu primeiro emprego em economia depois que um professor ligou para o National Bureau of Economic Research (NBER). 

Seu livro MBAs on the Fast Track relatou como as experiências de homens e mulheres com educação igual são diferentes e por que as mulheres trabalham mais horas pela mesma remuneração.


“Mulheres e negros comea§ando nos nega³cios geralmente escrevem uma carta para o pessoal e em seis meses recebem uma resposta dizendo que não háemprego”, disse Wallace mais tarde. “Eles não conhecem o jogo informal da mesma forma que seus colegas homens brancos.”

Wallace continuou pesquisando comanãrcio internacional enquanto também ensinava no City College de Nova York. Ela assumiu um cargo de professor na Universidade de Atlanta em 1953, mas saiu quatro anos depois para ajudar uma “agaªncia federal relacionada a  defesa” sem nome osrumores de ser a CIA osa enfrentar o maior problema econa´mico do mundo na anãpoca: a Guerra Fria.

Exatamente o que Wallace fez durante os nove anos que ela passou analisando as economias sovianãticas para a inteligaªncia dos EUA éamplamente desconhecido, mas quando o Movimento dos Direitos Civis varreu opaís, ela voltou sua atenção para os Estados Unidos, juntando-se a  recanãm-criada Comissão de Oportunidades Iguais de Emprego (EEOC) em meados de -'anos 60. A chance de fazer a pesquisa mostrando exatamente por que os trabalhadores minorita¡rios raramente chegaram a posições corporativas poderosas não ficou muito atrás.

Para muitos, a EEOC era uma piada. Com recursos insuficientes e falta de pessoal, a organização não tinha como investigar acusações ou aplicar punições. Organizações de direitos civis o chamaram de “tigre sem dentes”. Mas a EEOC poderia coletar dados e logo exigiu que as grandes empresas divulgassem a discriminação por sexo e raça de seus trabalhadores por categoria de trabalho.

Armado com esses novos dados, Wallace, então vice-diretor de pesquisa, projetou a agenda de pesquisa da EEOC. Acreditando que as questões de emprego enfrentadas por mulheres e minorias são “tão psicológicas quanto econa´micas”, ela recrutou cientistas sociais e jovens economistas brilhantes, oferecendo-lhes oportunidades valiosas para publicar pesquisas no ini­cio de suas carreiras. O objetivo era descobrir quanto segregados eram os empregos ose identificar as prática s formais e informais que perpetuavam essa segregação. 

Os artigos publicados sob Wallace quantificaram padraµes de preconceito nas indaºstrias taªxtil e farmacaªutica e mostraram como políticas como testes de contratação prejudicam candidatos de minorias. Embora Wallace tenha deixado a EEOC em 1969, supostamente em parte porque ela estava frustrada porque alguém com menos experiência em pesquisa foi escolhido para chefiar a divisão de pesquisa da organização, seu trabalho serviu de base para casos de discriminação marcantes, incluindo Griggs v. Duke Power (1971) , que limitou o uso de testes de aptida£o na contratação e estabeleceu o precedente legal para casos de “impacto desigual”, onde políticas aparentemente neutras prejudicam desproporcionalmente uma classe protegida de trabalhadores.

O talento de Wallace para reunir equipes interdisciplinares também deu frutos. No ini­cio dos anos 1970, quando a EEOC lançou um processo por discriminação sexual contra a AT&T, então a maior empresa do mundo, eles a contrataram para recrutar economistas, psica³logos e pesquisadores de discriminação no emprego como testemunhas especializadas. O caso resultou em um dos maiores acordos de direitos civis da história dos EUA, canalizando US$ 45 milhões em sala¡rios atrasados ​​e ajustes salariais para mulheres e funciona¡rios de minorias, além de mais US$ 30 milhões de um segundo acordo no ano seguinte. Isso fora§ou a AT&T a redesenhar suas políticas de recrutamento e contratação.

Mas a essa altura, Wallace estava no MIT. Ela chegou como professora visitante na Sloan School e rapidamente se tornou a primeira professora da escola, em 1975. Em seu escrita³rio com vista para o rio Charles, ela escreveu livros e artigos sobre mulheres na força de trabalho, particularmente mulheres negras, muitas vezes convidar os alunos para coautor ou coeditar. Ela trabalhou para garantir que os estudantes do MIT do sexo masculino estivessem cientes das questões de equidade, acreditando que “se vocêrealmente puder educa¡-los agora, espero que eles saiam e fazm a revolução onde quer que estejam”.

Ela também documentou como os privilegiados avana§am no mundo do trabalho, analisando as trajeta³rias de carreira de 380 alunos da Sloan em seus primeiros cinco anos após a formatura. O livro resultante, MBAs on the Fast Track , relatou como as experiências de homens e mulheres com educação igual diferem no ini­cio de suas carreiras e por que as mulheres trabalham mais horas e suportam mais estresse pela mesma remuneração. 

Mesmo depois de se aposentar, em 1986, Wallace continuou trabalhando para tornar o mundo ao seu redor mais inclusivo. Ela ajudou a reescrever as políticas de assanãdio sexual de Sloan e trabalhou para estabelecer a Galeria Nubian no Museu de Belas Artes de Boston, servindo como a única pessoa negra em seu conselho de 57 membros. Apa³s sua morte, os alunos se lembraram dela como uma “revoluciona¡ria silenciosa” que “se arriscaria por você… de novo e de novo”.

Ela acreditava que seus alunos, especialmente as mulheres, eram eles pra³prios revoluciona¡rios que pressionavam constantemente a academia para ser mais igualita¡ria.

“Quando eles entram na arena acadaªmica, eles forçam os professores universita¡rios a olhar para o mundo real”, disse Wallace. “Eu vejo isso como um sinal muito bom e muito sauda¡vel.” 

 

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