Humanidades

Professor traduz as “Enanãadas”, do fila³sofo que perpetuou o platonismo no Ocidente
Finalmente em portuguaªs, Plotino explica o uno e suas emanaa§aµes
Por Roberto C. G. Castro - 26/07/2019


O fila³sofo Plotino: buscas pela explicação da origem de todas as coisas osFoto: Ostiense Museum via Wikimedia Commons/Doma­nio paºblico

O uno osorigem de tudo e finalidade essencial de todos os seres osétodas as coisas e nenhuma delas éo uno. Ele éradicalmente transcendente, estãoacima do ser e, por isso, não pode sequer ser nomeado. Dele procedem emanações: o noaºs (o intelecto divino) e, em seguida, a alma, que se projeta para o mundo, identifica-se com a natureza e se emaranha na encarnação física. Os seres humanos, em última análise origina¡rios do uno, devem osatravanãs da contemplação do belo osfazer o caminho inverso, retornar atéa alma “sem mescla” e dali unir-se ao princa­pio intelectual, a fim de “ver o que ele (o uno) vaªâ€.

Essas especulações do fila³sofo Plotino (205-270), que buscam explicar um dos maiores enigmas da humanidade osa origem de todas as coisas -, estãopublicadas pela primeira vez no idioma portuguaªs. Um dos maiores pensadores da Antiguidade, Plotino éautor das Enanãadas, que foram traduzidas diretamente do grego antigo pelos professores JoséSeabra Filho, do Departamento de Letras Cla¡ssicas e Verna¡culas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, e Juvino Alves Maia Junior, da Universidade Federal da Paraa­ba (UFP).

Seabra e Maia se debrua§am hámais de cinco anos sobre a monumental obra de Plotino, formada por seis livros com nove tratados cada osdaa­ o nome Enanãadas, que vem de ennanãa (nove, em grego). Em 2014, eles publicaram a Primeira Enanãada. A Segunda, Terceira, Quarta e a Quinta Enanãadas foram lascadas nos anos seguintes. Agora, os professores começam a publicar a Sexta Enanãada, que estãodividida em dois tomos. O primeiro tomo, com os cinco primeiros tratados, já estãonas livrarias. O segundo tomo, com os tratados 6 a 9, estãoprevisto para vir a  luz em 2020. Bila­ngue (grego-portuguaªs), a edição de todos os volumes éda Editora Nova Acra³pole.

Neoplatonismo

O fila³sofo Plotino e seus disca­pulos osFoto: Wikimedia Commons/Doma­nio paºblico
Plotino éum dos fundadores do que se convencionou chamar de neoplatonismo osideias inspiradas nas doutrinas do fila³sofo grego Platão (427-347 a. C.) que se desenvolveram nos primeiros séculos da Era Crista£. Nascido em Lica³polis osatual Assiut, no Egito -, ele frequentou por 11 anos a escola do pensador cristão Ama´nio Sacas, em Alexandria. Depois de participar de uma expedição a  Panãrsia com o imperador Juliano, instalou-se em Roma e ali fundou uma escola, onde ensinou por 26 anos. Seu pensamento foi responsável por preservar o platonismo no Ocidente, mesmo após o fechamento da Academia de Platão, em Atenas, pelo imperador Justiniano, em 529.

Deve-se a um disca­pulo de Plotino, Porfa­rio (233-305), a reunia£o e a organização dos escritos esparsos do mestre, que receberam o tí­tulo de Enanãadas. Como Seabra e Maia explicam na introdução do volume que traz a Primeira Enanãada, na maioria das vezes os textos se referem a comenta¡rios, desenvolvimentos e explicações de pensamentos expostos inicialmente por Platão. “Os tratados eram primeiro compostos mentalmente, por inteiro, e depois as reflexões eram passadas para a escrita”, escrevem os professores. “O fila³sofo escrevia, então, todos os pensamentos que havia elaborado, sem se interromper, como se estivesse a copiar um livro. Atinha-se ao sentido, não se preocupava com a grafia, formava mal as letras, não separava bem as sa­labas, e ainda, devido a  vista fraca, não relia o que escrevia.”

Os textos de Plotino foram corrigidos e arrumados por Porfa­rio não em ordem cronola³gica, mas por afinidade de temas. A Primeira Enanãada trata de assuntos relacionados a  anãtica: o homem, as virtudes, a felicidade e o belo. Na Segunda encontram-se discussaµes sobre o mundo fa­sico oso cosmo, os astros, o movimento e a matéria. O destino, a providaªncia, o amor, a eternidade e o tempo são pensados na Terceira Enanãada. Já a Quarta Enanãada trata da essaªncia, da imortalidade e da encarnação da alma e a Quinta Enanãada aborda o uno e suas emanações. Na Sexta Enanãada, os tratados versam sobre o existente.

Tradução
No volume dedicado a  Primeira Enanãada, Seabra e Maia explicam as dificuldades que encontraram para verter ao portuguaªs as reflexões de Plotino. Segundo eles, o mestre neoplata´nico escrevia da mesma maneira como falava a seus alunos, o que prejudica a compreensão do texto. “Daa­ ser necessa¡rio então ler e reler com atenção trecho por trecho.” Além disso, o fila³sofo tem por objetivo muitas vezes a contemplação e, por isso, seus escritos podem parecer de ini­cio um tanto “aanãreos” ou abstratos demais. “Essa abstração se deve ao aspecto especulativo do texto, o que se pode notar, por exemplo, já na base da doutrina plotina das três hipa³stases (que podemos entender por fundamentos ou ainda por realidades primordiais), a saber: o uno, a inteligaªncia ou pensamento e a alma.”

Frente a essas dificuldades, os professores buscaram evitar interpretações e se apegar a  literalidade, a fim de indicar exatamente o que e como o autor escreveu. “O texto foi traduzido, então, sem alterações: éo mesmo do original grego, e na medida do possí­vel o mesmo vocabula¡rio, a mesma sequaªncia de termos das frases”, destacam Seabra e Maia. “O manãtodo foi o de ‘deixar o texto falar'”, acrescentam, citando os ensinos do professor Henrique Graciano Muracho, hoje aposentado, que por mais de 40 anos ensinou grego antigo na FFLCH e éautor de La­ngua Grega osVisão Sema¢ntica, La³gica, Orga¢nica e Funcional, publicado pela Editora Vozes em dois volumes.

O resultado de todo esse trabalho éo acesso a s ideias de Plotino, como se da¡ ao ler, por exemplo, o para¡grafo 18 do segundo tratado da Sexta Enanãada, que Seabra e Maia acabam de publicar: “E sobre o belo, se esse éa primeira beleza, as mesmas coisas dir-se-iam quase iguais aos discursos sobre o bem; e se éaquele na ideia tal que resplende, éporque não éo mesmo em todas as coisas e porque o resplender éposterior. E se o belo não éalguma outra coisa que a essaªncia mesma, estãodito que éem essaªncia. E se em relação a nosque vemos há[o belo] pelo criar esta impressão, esse agir éato de mover,  se em relação a esse [belo] há atividade, éato de mover. E também o conhecimento éato de se mover sendo visão do que ée atividade, mas não condição. Assim também esse ésob o ato de mover, e se queres, sob o repouso, ou mesmo sob ambos; e se ésob ambos, écomo mistura¡vel; e se éisso, o mistura¡vel éposterior. E a inteligaªncia éo que pensa que ée um composto de todas as coisas, e não uma certa unidade dos gêneros. E éa verdadeira inteligaªncia o que écom todas as coisas e já todas as coisas que são, e o que ésendo tomado [apenas] como simples gaªnero éum elemento dela. E sentimento de justia§a, moderação e virtude em geral são todos alguma atividade de inteligaªncia; não sendo assim nos primeiros [gêneros], são tanto posteriores ao gaªnero quanto espanãcies”.

 

.
.

Leia mais a seguir