Novas evidências de que incêndios frequentes atingiram a Antártida durante a era dos dinossauros, 75 milhões de anos atrás
Paleontólogos do Brasil e do Chile revelam uma importante descoberta sobre o passado do continente mais inóspito da Terra, a Antártida. Hoje coberto de neve, no passado, porém, o local não era assim. A pesquisa, liderada pela paleobotânica...

Reconstrução paleoambiental de áreas austrais sob influência de paleo-fogos promovidos pelo vulcanismo ativo da Campânia; reconstrução artística de JS d'Oliveira: (A) ambientes úmidos originais ocupados por uma floresta de coníferas, samambaias e angiospermas mesófilas crescendo perto de corpos d'água e em áreas altas circundantes; (B) fluxos piroclásticos atingindo a vegetação com cinzas quentes, que queimaram a vegetação parcial ou totalmente; (C) a restauração cíclica ao longo do tempo das paleofloras e as condições variáveis ??relacionadas com os intervalos entre as atividades vulcânicas. Crédito: Frontiers in Earth Science (2023). DOI: 10.3389/feart.2023.1048754
Paleontólogos do Brasil e do Chile revelam uma importante descoberta sobre o passado do continente mais inóspito da Terra, a Antártida. Hoje coberto de neve, no passado, porém, o local não era assim. A pesquisa, liderada pela paleobotânica brasileira Dra. Joseline Manfroi e seus colaboradores, prova que a Antártida foi perturbada por frequentes incêndios florestais diretamente associados a episódios vulcânicos ativos durante o final da era dos dinossauros, há 75 milhões de anos.
A pesquisa foi desenvolvida com amostras paleontológicas coletadas na Ilha Rei George, no arquipélago das Ilhas Shetland, na Península Antártica, durante expedições científicas realizadas pelo Instituto Antártico Chileno (INACH) e pelo Programa Antártico Brasileiro (Proantar).
A primeira evidência da ocorrência de incêndios florestais na Antártica já havia sido comprovada pelo mesmo pesquisador em 2015, em artigo publicado na revista Paleogeography, Paleoclimatology, Paleoecology , intitulado “The first report of a Campanian paleo-wildfire in the West Antarctic Peninsula. " Em 2021, outro estudo para a Antártida também apresentou mais evidências sobre o assunto.
Nova evidência
No entanto, as novas evidências apresentadas pelo estudo desenvolvido pela Dra. Joseline e colaboradores, durante seu pós-doutorado no Instituto Antártico Chileno, demonstram que a Antártica estava efetivamente em chamas durante o período Cretáceo, e a ocorrência de incêndios florestais era frequente . E esses episódios de incêndios foram associados ao vulcanismo ativo da época.
O novo trabalho, intitulado: "'Antarctic on fire': Paleo-wildfires eventsassociated with vulcânica Peninsula durante o Cretáceo Superior", que evidencia esta importante descoberta, foi publicado em 14 de abril na revista Frontiers in Earth Science .
Segundo os autores do estudo, as mudanças ambientais globais estão entre os maiores desafios para a compreensão da humanidade. Nesse sentido, a construção de cenários que facilitem o entendimento da evolução ambiental dos mais diversos ambientes do globo é de suma importância.
"E essa construção vai além dos sinais atuais de distúrbios nos ambientes, mas também é preciso atentar para estudos que representam uma escala temporal mais ampla. Portanto, caracterizar e compreender os ambientes passados ??da Terra, os paleoambientes e seus agentes perturbadores (como o fogo), são ferramentas fundamentais para a construção de cenários e modelos que permitem um melhor entendimento da dinâmica terrestre e auxiliam na conservação da biota atual”, explica Joseline.
O continente Antártico, por ser considerado o continente dos extremos, é um dos ambientes que vem despertando cada vez mais o interesse de pesquisas para um melhor entendimento. Além de ser o continente que apresenta hoje as condições mais desfavoráveis ??para o desenvolvimento da biodiversidade terrestre, devido aos seus fatores abióticos hostis (como o frio significativo e a intensidade do vento), é também o continente que melhor preserva as suas características ambientais, sendo um verdadeiro laboratório natural que reúne condições excepcionais para o desenvolvimento de pesquisas em ciências básicas e aplicadas, o que o torna especialmente interessante do ponto de vista humano.
O continente ao longo do tempo
Apesar de ser atualmente uma grande massa de terra isolada no Hemisfério Sul, o continente Antártico nem sempre ocupou essa posição geográfica. Ao longo das eras geológicas, deslocou-se e modificou-se devido aos constantes movimentos tectónicos, ocupando diferentes posições no globo ao longo da sua história paleogeográfica. Ao longo desta história, os ambientes do sul mudaram significativamente. Em tempos profundos, foram dominados por uma vasta diversidade de espécies que compunham e/ou habitavam grandes florestas, que deixaram seus vestígios através do registro paleobotânico preservado em diferentes contextos geológicos da Antártica, com destaque para depósitos do período Cretáceo.
Durante o período Cretáceo, assim como ocorre hoje, os incêndios florestais eram elementos formadores muito comuns nos ambientes terrestres. Além de ser considerado um dos importantes fatores de perturbação ambiental em diferentes biomas, os incêndios de vegetação pretérita são evidenciados, entre outras formas, pela presença de carvão vegetal fossilizado, originado pelo processo de carbonização, que consiste na queima incompleta de fragmentos vegetais preservados em o registro geológico. Diferentes fatores influenciam a ocorrência, frequência e intensidade dos incêndios naturais nos ecossistemas, desde clima sazonal, disponibilidade de material vegetal (combustível), umidade e formas e causas de ignição.
Implicações do estudo
Através desta pesquisa, sabe-se que os ambientes meridionais, durante o período Cretáceo, também foram perturbados pela ocorrência de incêndios florestais, muito mais frequentes do que se pensava, que consumiram a vegetação parcial ou totalmente. A análise desses fragmentos de fósseis vegetais carbonizados recuperados em depósitos cretáceos na Antártica, principalmente os recuperados na Ilha Rei George, permitiu não só a caracterização da vegetação que foi queimada, composta principalmente por plantas conhecidas como gimnospermas. Também permitiu o diagnóstico dos elementos envolvidos na ignição da vegetação, possibilitando assim a reconstrução de um cenário paleoambiental de fácil compreensão.
"O intenso vulcanismo atestado no Cretáceo, que compreende grande parte das camadas rochosas da Antártica, também foi o motor dos incêndios florestais ocorridos nesse mesmo período. Porém, ao contrário do que se possa imaginar, não foi os derrames de lava derretida do vulcanismo activo que consumiram a vegetação, mas sim o contacto da vegetação com as nuvens de cinzas aquecidas, nuvens piroclásticas, que foram expelidas pelos vulcões, que ficaram preservadas no registo geológico através de sedimentos vulcânicos muito finos, como como tufos vulcânicos. Essas nuvens de cinzas aquecidas atingiram as florestas, causando o início de incêndios naturais na vegetação", diz a principal autora, Dra. Joseline Manfroi.
“Pode-se dizer que, apesar da Antártida ser representada nos tempos modernos por suas temperaturas negativas e 98% de cobertura de gelo em seu território, ao longo de sua história geológica, seus ambientes já foram incendiados, atestam os fósseis vegetais que demonstram a ocorrência de incêndios. na vegetação. A acção do fogo sobre a vegetação foi frequente e moldou e perturbou as florestas meridionais durante o período Cretácico, influenciando a evolução e a biodiversidade florística nestas áreas do globo."
Mais informações: Joseline Manfroi et al, "Antarctic on fire": Eventos paleo-wildfire associados a depósitos vulcânicos na Península Antártica durante o Cretáceo Superior, Frontiers in Earth Science (2023). DOI: 10.3389/feart.2023.1048754
Informações do periódico: Frontiers in Earth Science