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O aquecimento global foi a principal causa da seca sem precedentes na Amazônia, segundo estudo
O aquecimento global induzido pelo homem, e não o El Niño, foi o principal causador da grave seca do ano passado na Amazônia, que fez com que os rios atingissem níveis recordes, exigiu o fornecimento de alimentos e água potável a centenas...
Por Fabiano Maisonnave - 24/01/2024


Um morador de uma comunidade ribeirinha carrega alimentos e recipientes com água potável após serem distribuídos devido à seca em curso em Careiro da Várzea, estado do Amazonas, Brasil, 24 de outubro de 2023. O aquecimento global induzido pelo homem foi o principal causador da severa crise do ano passado. seca na Amazônia que fez com que os rios atingissem níveis recordes, disseram pesquisadores. Crédito: AP Photo /Edmar Barros, Arquivo

O aquecimento global induzido pelo homem, e não o El Niño, foi o principal causador da grave seca do ano passado na Amazônia, que fez com que os rios atingissem níveis recordes, exigiu o fornecimento de alimentos e água potável a centenas de comunidades ribeirinhas e matou dezenas de golfinhos ameaçados de extinção, disse pesquisadores.

Tanto as alterações climáticas como o El Niño contribuíram igualmente para a redução das chuvas. Mas as temperaturas globais mais elevadas foram a maior razão para a seca, de acordo com a World Weather Attribution, uma iniciativa que reúne cientistas climáticos para analisar rapidamente eventos extremos e as suas possíveis ligações às alterações climáticas.

A seca foi agrícola, combinando a redução das chuvas com condições mais quentes que evaporaram a umidade das plantas e do solo. Foi essa evaporação provocada pelo calor que foi crítica na gravidade da seca, disse a coautora do estudo Friederike Otto, cientista climática do Imperial College de Londres.

“O que é agora um evento que ocorre um em cada 50 anos teria muito menos probabilidade de ocorrer num mundo 1,2 graus mais frio. Se continuarmos a aquecer o clima, esta combinação de baixa pluviosidade e altas temperaturas tornar-se-á ainda mais frequente", disse Otto em entrevista coletiva nesta quarta-feira (24).

A equipe usa um método cientificamente aceito para executar simulações computacionais de eventos climáticos como eles teriam acontecido em um mundo fictício sem aquecimento global, e comparar esses resultados com o que realmente aconteceu.

Casas e barcos flutuantes ficaram encalhados no leito seco do lago Puraquequara,
em meio a uma seca severa, em Manaus, estado do Amazonas, Brasil, em 5 de outubro
de 2023. O aquecimento global induzido pelo homem foi o principal fator da grave
seca do ano passado na Amazônia que levou os rios a níveis recordes, disseram pesquisadores na quarta-feira, 24 de janeiro de 2024. Crédito:
AP Photo/Edmar Barros, Arquivo

A seca na Amazônia – a maior floresta tropical do mundo e crucial para armazenar dióxido de carbono que de outra forma contribuiria para o aquecimento – ocorreu num momento em que a Terra atravessava o ano mais quente de que há registo. O planeta está mais perto do que nunca do aumento de 1,5 graus Celsius (2,7 Fahrenheit) desde os tempos pré-industriais, que as nações esperavam manter para evitar as piores consequências das alterações climáticas, como o calor mortal, a subida dos mares, as inundações e os incêndios florestais.

No Lago Tefé, no Brasil, as temperaturas da água subiram para 39,1 graus Celsius (102,4 Fahrenheit), provavelmente causando a morte de mais de 150 botos cor-de-rosa e tucuxi, duas espécies ameaçadas de extinção. Ao longo do rio Amazonas, as pessoas viram as suas colheitas murcharem e os peixes desaparecerem e, com a viagem impossível devido à baixa dos rios, formaram longas filas nas margens dos rios para receberem suprimentos de socorro. Em Manaus, a maior cidade da região, mais de 2 milhões de residentes sufocaram durante meses com a fumaça dos incêndios florestais.

A coautora do estudo, Regina Rodrigues, da Universidade Federal de Santa Catarina, disse que a seca ressaltou a importância da Amazônia no combate às mudanças climáticas.

“Se protegermos a floresta, ela continuará a funcionar como o maior sumidouro de carbono terrestre do mundo”, disse Rodrigues num comunicado. “Mas se permitirmos que as emissões induzidas pelo homem e a desflorestação a empurrem para o ponto de viragem, irá libertar grandes quantidades de dióxido de carbono, complicando ainda mais a nossa luta contra as alterações climáticas.”

Luiz Candido, meteorologista do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, que não participou do estudo, disse que as descobertas apoiam o consenso científico de que as variações climáticas na região escalaram para condições extremas.

Mas Candido também argumentou que as interações entre os oceanos, a atmosfera e a floresta são complexas e ainda não é possível separar os impactos da variabilidade climática natural daqueles do aquecimento global induzido pelo homem. Ele também questionou se o estudo superestimou a evaporação das plantas, observando que muitas plantas amazônicas têm raízes muito mais profundas do que as culturas e foram capazes de reter grande parte de sua umidade ao atingir camadas úmidas e mais profundas.


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