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Preguiça-gigante: ação humana moldou evolução e extinção da preguiça terrestre
De metabolismo lento e vivendo em árvores, as preguiças de hoje são os últimos remanescentes de um grupo diverso, com espécies de grande porte pesando toneladas
Por Tabita Said - 26/05/2025


As preguiças desenvolveram repetidamente tamanhos corporais grandes e pequenos, de acordo com a preferência de substrato: terrestre ou arbóreo. Na parte inferior, Bradypus tridactylus; à esquerda, Hapalops elongatus; ao fundo, Megatherium americanum - Ilustração: Diego Barletta/ Expandido com uso de IA


As preguiças estão entre os mamíferos mais representativos da fauna nativa da América do Sul. Alimentando-se principalmente de folhas, seu metabolismo é lento para dar conta de digerir uma dieta tão rica em fibras. As preguiças de hoje passam a maior parte de suas vidas suspensas de cabeça para baixo e se movendo languidamente pelas copas das árvores. Mas não foi sempre assim. 

“Se pudéssemos voltar no tempo, encontraríamos muitas espécies de grande porte vagando pelas Américas, algumas com peso ultrapassando várias toneladas”, explica um grupo de pesquisadores de vários países que acaba de investigar os fatores por trás da ascensão e queda das preguiças-gigantes. 

Publicado no periódico Science, o trabalho relata que essa diversidade de tamanho corporal foi em grande parte moldada pelas mudanças climáticas, e que à medida que os humanos se espalhavam pelas Américas, as espécies foram sumindo do continente. As habitantes de ilhas – como as preguiças do Caribe – sucumbiram mais tarde.

“As preguiças tiveram uma grande disparidade de formas e adaptações, sobreviveram a máximos climáticos, ao surgimento dos Andes. Foram muitos percalços para, mais recentemente, vermos a diminuição abrupta da diversidade que acontece concomitantemente com a chegada do ser humano ao continente”, afirma Daniel Casali ao Jornal da USP. O pesquisador no Laboratório de Paleontologia (PaleoLab) da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP é um dos autores do artigo científico. 

Para os pesquisadores, as preguiças terrestres foram um dos resultados evolutivos mais icônicos do isolamento geográfico da América do Sul, que permaneceu separada de outros continentes por mais de 50 milhões de anos.

Já as pequenas preguiças arborícolas de hoje são os últimos remanescentes de um grupo outrora diverso e abrangente, sobrevivendo ao tempo provavelmente porque habitavam as copas das florestas isoladas e evitando a pressão humana direta.

“Existe uma discussão clássica se seriam fatores climáticos ou predação humana o principal fator responsável pela extinção da megafauna de forma geral, em que as preguiças-gigantes estão incluídas. A gente entende que é uma somatória de fatores, mas quando chegamos ao Pleistoceno – quando há uma extinção em massa dessas formas gigantes -, o clima sozinho já não explica. Precisamos considerar o fator humano”

– Daniel Casali

Os detalhes sobre flutuações de tamanho, resiliência climática e a participação humana na extinção das preguiças-gigantes foram obtidos após um mapeamento de 35 milhões de anos de história evolutiva – idade do fóssil mais antigo. 

Para isso, os pesquisadores combinaram dados paleoclimáticos (sobre o clima antigo) com árvores evolutivas e informações sobre a massa corporal e ecologia das preguiças, um dos principais componentes da megafauna de mamíferos do Pleistoceno – entre 2,6 milhões e 11,7 mil anos atrás.

Exposição de quatro crânios fossilizados de preguiças de diferentes tamanhos
Crânios de espécies de preguiças atuais e extintas apresentam diferenças marcantes no tamanho do corpo. Embaixo à esquerda: Bradypus variegatus (atual, Bolívia); em baixo à direita: Proscelidodon patrius (Plioceno, Argentina); em cima à esquerda: Megatherium americanum (Pleistoceno, Argentina); em cima à direita: Lestodon armatus (Pleistoceno, Argentina). Todos os espécimes estão expostos no Museu Argentino de Ciências Naturais "Bernardino Rivadavia", Buenos Aires, Argentina - Foto: Alberto Boscaini

Dos “pesos-pesados” terrestres aos “pesos-pena” arbóreos

A história evolutiva das preguiças-gigantes na América do Sul começa no solo, onde surgiram as primeiras formas terrestres, pesando entre 70 e 350 quilos (kg). Grandes sim, mas não tão lentas quanto as representantes atuais, as preguiças-gigantes mais comuns poderiam ser comparadas aos elefantes ou rinocerontes em massa corporal. Seus descendentes, como o Megatherium americanum, ultrapassavam as quatro toneladas. 

Enquanto as formas terrestres foram adquirindo grandes volumes lentamente, as formas arborícolas – as atuais preguiças – encolheram de maneira rápida. Os cientistas identificaram que as variações de tamanho ocorreram várias vezes ao longo do tempo, devido à substituição de habitats florestais por paisagens mais abertas.

“Quanto maiores, mais as preguiças habitavam ambientes abertos. Isso aumentava a chance de encontros com grupos humanos caçando. Há evidências de sítios arqueológicos com osteodermos de preguiça [camada óssea que forma uma espécie de armadura sob a pele] trabalhados como artefatos usados para embelezamento, mas também marcas de ferramentas em carcaças”, conta Casali.

Como resultado, o gigantismo evoluiu em grupos não relacionados e as preguiças terrestres conseguiram ocupar novos nichos disponíveis da megafauna de mamíferos do continente Americano, resistindo a extremos climáticos como os ciclos glaciais. Apesar disso, as preguiças-gigantes sofreram um declínio repentino e drástico há cerca de 15 mil anos.  

“Sua linha do tempo de extinção reflete a expansão humana”, enfatiza Alberto Boscaini, paleontólogo da Universidade de Buenos Aires (Argentina) e primeiro autor da pesquisa. “Nenhuma crise climática anterior as eliminou – isso aponta para as pressões antropogênicas como o golpe final”, diz.

Para Max Langer, coordenador do PaleoLab e coautor do estudo, o colapso repentino das preguiças-gigantes resulta de pressões novas e combinadas. “Grandes tamanhos corporais costumam ser vantajosos diante de diversas pressões seletivas, mas em contextos como o enfrentado pelas preguiças durante a chegada dos humanos, ser pequeno e habitar ambientes menos acessíveis pode ter sido crucial para a sobrevivência das preguiças viventes”, afirma.

Exposição do esqueleto de uma preguiça-gigante suspensa com ferros
Esqueleto de Megatherium americanum do Museu Argentino de Ciências Naturais Bernardino Rivadavia, Buenos Aires, Argentina - Foto: Alberto Boscaini

Fator humano

Medições fósseis, sequências de DNA e proteínas, e modelagem matemática avançada foram necessárias para reconstruir a história evolutiva das preguiças em 67 gêneros – atualmente existem apenas dois: Bradypus (preguiças de três dedos) e Choloepus (preguiças de dois dedos). Apesar do modo de vida muito parecido, elas são de linhagens bem distantes de preguiças que deram origem à mesma adaptação arborícola. 

Destes 67, foi possível estimar a massa corporal de 49 diferentes gêneros. Depois, os cientistas testaram se as mudanças evolutivas no tamanho estavam ligadas ao habitat, dieta, clima, predação ou outras pressões ecológicas. 

Para os pesquisadores, a saga de 35 milhões de anos das preguiças é um testemunho da engenhosidade evolutiva e uma lição sobre vulnerabilidade e resiliência. A linhagem das preguiças sobreviveu a colisões continentais, extremos climáticos e precisou se reinventar diante da predação – oscilando entre estilos de vida arbóreo e terrestre, diminuindo e aumentando de tamanho e diversificando a dieta. 

“O ambiente era muito dinâmico e frente a essas mudanças muito drásticas, a gente espera que os animais não consigam sobreviver. Mas observamos o processo evolutivo, com as formas de vida se adaptando às novas condições, adquirindo novas características e conseguindo explorar ambientes que antes eram desconhecidos”, destaca Casali.

Poucas semelhanças sobraram entre as preguiças viventes e as preguiças gigantes, o que mostra a rápida perda de funções ecossistêmicas causada pela extinção de linhagens únicas. Ainda assim, o estudo revela que a resiliência não depende apenas do tamanho ou da capacidade de adaptação.


*Com informações do PaleoLab e de Walter Beckwith, da Associação Americana para o Avanço da Ciência (AAAS)

 

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