Herbicidas atuam bloqueando vias metabólicas essenciais das plantas dentro das células ao longo das 24 horas do dia; entendimento do processo pode ajudar a diminuir a quantidade usada, reduzindo danos ambientais

Cronotoxicidade consiste em usar agroquímicos no período do dia em que as plantas estão mais sensíveis ao produto, estratégia que reduz custo e minimiza impactos ambientais – Foto: Pixabay
Estudo do Instituto de Química (IQ) da USP mostra que ajustar o horário de aplicação de herbicidas de acordo com o relógio biológico das plantas — o chamado ritmo circadiano — pode aumentar a eficácia do produto para controlar o crescimento de ervas daninhas. Os herbicidas interrompem processos vitais de crescimento e sobrevivência das plantas, como fotossíntese, trocas gasosas, absorção de água e nutrientes, floração, divisão celular e síntese de proteínas — atividades metabólicas que ocorrem dentro das células vegetais ao longo das 24 horas do dia.
A técnica, conhecida como cronotoxicidade, consiste em usar agroquímicos no período do dia em que as plantas estão mais sensíveis ao produto. A estratégia pode reduzir custos para os produtores e minimizar impactos ambientais como a contaminação do solo, da água e do ar. Os resultados do estudo foram publicados na revista científica New Phytologist.
O professor Carlos Takeshi Hotta, um dos autores do artigo, defende práticas agrícolas mais seguras e alerta sobre o uso indiscriminado de agroquímicos. Em sua opinião, “o desenvolvimento de novos produtos precisa considerar em sua composição compostos-alvos que agem diretamente em estruturas específicas das plantas”. Ele diz que, embora seja importante, não existem orientações sobre a sincronicidade de horário de aplicação e os ritmos circadianos das plantas nos rótulos dos produtos comercializados. Trabalharam juntos na pesquisa e também assinam o artigo Gustavo Akio Ogasawara, do IQ, e Antony N. Dodd, do John Innes Centre, do Reino Unido.
Cronoterapia e cronotoxicidade
Dodd explica que assim como a medicina humana tem buscado ajustar o horário de administração de medicamentos ao ritmo biológico do corpo (cronoterapia) para aumentar a eficácia e reduzir efeitos colaterais, o conceito de cronotoxicidade nos vegetais adota lógica semelhante: identificar os horários em que os herbicidas são mais eficazes, levando em conta os ciclos das plantas. “O relógio biológico das plantas controla cerca de 33% dos genes responsáveis pela produção de RNA, 39% dos que produzem proteínas, e ainda influencia processos que modificam essas proteínas”, diz.
Algumas pesquisas médicas mostram que a eficácia de um tratamento pode variar de acordo com a hora em que o medicamento é tomado, já que muitos de seus alvos biológicos também seguem um padrão diário de atividade. Nos Estados Unidos, cerca de 50% dos medicamentos mais utilizados atuam sobre alvos regulados por esse ritmo.
No reino vegetal, estudos realizados com a Arabidopsis thaliana, da família da couve e da mostarda, demonstraram que todas as vias metabólicas dessa planta continham ao menos uma enzima regulada pelo relógio circadiano, reforçando a hipótese de que o momento do dia poderia influenciar a ação dos herbicidas. Segundo o professor Hotta, a resposta da Arabidopsis a um hormônio do crescimento (auxina) variou de acordo com o horário da aplicação. “O relógio biológico foi determinante para essa resposta”, destaca.
Outro artigo publicado na Nature Communications descreveu que a hora do dia em que um herbicida à base de glifosato é aplicado influencia sua eficácia. “Isso acontece porque o relógio biológico das plantas afeta como elas reagem ao produto químico”, explica Antony Dood, que é um dos autores do artigo.
Segundo o professor Hotta, esses resultados sugerem que o relógio interno das plantas influencia diretamente sua sensibilidade às substâncias químicas. “Isso pode ter implicações importantes na agricultura.”
Mecanismo de ação dos herbicidas
Seguindo a investigação, os pesquisadores analisaram dados de estudos já publicados (Tabela 1) sobre os herbicidas mais utilizados na atualidade, seus componentes químicos e mecanismos de ação. A análise revelou que muitos desses produtos agiam em processos fisiológicos das plantas que variavam ao longo do dia, indicando que o horário de aplicação podia influenciar diretamente a eficácia dos herbicidas.
Em seguida, eles examinaram 15 vias metabólicas de plantas que eram alvos dos herbicidas (Tabela 2). Para cada via, eles selecionaram cinco enzimas-chave: uma afetada diretamente pelo herbicida, duas que atuavam antes e duas que atuavam depois dessa enzima afetada na cadeia de reações bioquímicas. Depois, cruzaram essas informações com dados obtidos na pesquisa com a Arabidopsis thaliana para verificar se a produção dessas enzimas variava ao longo do dia.
Ao analisar os dados, o grupo verificou que todas as vias metabólicas tinham pelo menos uma enzima controlada pelo relógio biológico da planta. Em alguns casos, como nos processos de fotossíntese e de produção de carotenoides (pigmentos) de solanesol e triptofano (aminoácido), todas as enzimas eram influenciadas pelo ritmo circadiano. Em outras vias, como as que produziam tirosina, fenilalanina, celulose, lipídios e vitamina E, mais da metade das enzimas também seguiam esse mesmo padrão; ou seja, eram influenciadas pelo relógio biológico.
Para Carlos Takeshi Hotta, esses resultados mostraram que o horário certo de aplicar herbicidas depende da atividade interna da planta, que varia ao longo do dia. “Como cada processo acontece em horários diferentes, os herbicidas devem ser aplicados no momento em que seus alvos estão mais ativos e sensíveis aos produtos químicos, para funcionarem melhor”, conclui.


Aplicação no campo
O professor Hotta destaca que, embora a aplicação de agroquímicos no momento de maior eficácia seja uma estratégia promissora, ela ainda enfrenta limitações práticas. Segundo ele, atividades como preparo do solo e adubação podem durar semanas, e fatores ambientais também interferem no funcionamento do relógio interno das plantas. “Apesar desses obstáculos, eu acredito no potencial da técnica, e a adoção em larga escala dependerá de avanços tecnológicos e de mais pesquisas”, diz Dood. Ele acrescenta que, no futuro, será possível fazer ajustes no próprio relógio biológico das plantas, permitindo que elas se adaptem melhor a diferentes regiões geográficas e às mudanças climáticas.
O artigo Using plant circadian programs to optimize agrochemical use está disponível on-line e pode ser lido neste link. O professor Hotta informou que o coautor Gustavo Akio Ogasawara ganhou bolsa do Programa de Doutorado-Sanduíche no Exterior, da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), para dar continuidade à pesquisa no John Innes Center, na Inglaterra.
Mais informações: Carlos Takeshi Hotta, hotta@iq.usp.br; Antony Dodd, antony.dodd@jic.ac.uk; e Gustavo Ogasawara, ogasawara@usp.br