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Agravamento de desastres climáticos aumenta o cenário de vulnerabilidade na infância
Os desastres naturais no Brasil não afetam apenas a infraestrutura das cidades e a renda das famílias, também ampliam o trabalho infantil e reduzem o desempenho escolar de crianças e adolescentes
Por USP - 08/09/2025


A interrupção das aulas e a pressão econômica sobre as famílias empurram crianças para o mercado de trabalho – Ilustração: Simanto38/ Banco de Imagens/PGT-MPT


Um estudo da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da USP mostra que os desastres naturais no Brasil não afetam apenas a infraestrutura das cidades e a renda das famílias: eles também ampliam o trabalho infantil e reduzem o desempenho escolar de crianças e adolescentes. A pesquisa cruzou dados do Sistema Integrado de Informações sobre Desastres (S2ID) e do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) para mapear como enchentes, secas e outros eventos climáticos extremos impactam a infância em situação de vulnerabilidade. Quem explica é a doutoranda Priscila Soares dos Santos, que realizou o estudo juntamente com a professora Ana Lúcia Kassouf. “De 2013 a 2019, tínhamos mais de 18 mil ocorrências. Até 2023, já foram mais de 34 mil eventos, quer dizer, quase dobrou em pouco tempo. E eles são realmente muito mais intensos”, afirma a professora, explicitando a gravidade do cenário.

Segundo Priscila, o recorte se concentrou nos desastres hidrológicos e climatológicos, por serem os mais frequentes no Brasil. “Os desastres hidrológicos são aqueles que englobam inundações, enxurradas, enquanto os climatológicos são caracterizados por estiagem, seca, incêndio florestal. No contexto brasileiro, eles são o carro-chefe do problema”, explica. A pesquisa revela que os efeitos dos desastres atingem especialmente crianças e adolescentes. “Quem está sendo mais afetado por esses desastres? Pessoas que têm uma vulnerabilidade social maior, certo? Que estão morando em locais de maior risco, que têm acesso limitado a serviços básicos, que têm falta de recursos. E, dentro disso, as crianças”, afirma Ana Lúcia.

Efeitos na escolaridade

Ela destaca que a interrupção das aulas e a pressão econômica sobre as famílias empurram crianças para o mercado de trabalho: “As escolas são usadas para abrigos. Então essas crianças não vão para a escola, não vão ter aula. A falta de renda e a vulnerabilidade das famílias fazem com que essas crianças comecem a trabalhar muito cedo para melhorar a renda familiar. O que a entrada precoce no mercado de trabalho resulta? Resulta que a criança não vai estudar e, lá no futuro, vai ter uma renda reduzida”.

O cruzamento dos dados confirmou a hipótese. “Mostramos que os desastres estão reduzindo o aprendizado das crianças. Têm efeito na escolaridade, muitas vezes, porque essas crianças não estão indo à escola, não estão conseguindo estudar para aprender; então o aprendizado cai e está aumentando o trabalho infantil para aqueles que trabalham fora do domicílio”, detalha Ana Lúcia.

Para Priscila, o problema é ainda mais profundo, porque os impactos se prolongam no tempo: “São efeitos que continuam depois que o desastre acontece. Quando a gente fala de criança nesse contexto escolar e de trabalho infantil, isso pode comprometer toda a evolução dela em termos de vida escolar e de acumulação de capital humano. É um problema urgente”.

Urgência de planejamento público

Ela defende que os resultados do estudo devem orientar políticas públicas de adaptação climática. “Esses eventos possivelmente vão continuar acontecendo, possivelmente vão ser frequentes, então os Estados e os municípios precisam estar preparados para lidar com isso. É tratar o problema como algo que precisa ser pensado e planejado para o presente e para o futuro da nossa realidade.”

Ana Lúcia reforça que há políticas já existentes que precisam ser fortalecidas. “Queremos já programas sociais de êxito, como o Bolsa Família. Precisa ter uma busca ativa: por que a criança não está na escola? Por que a criança não está com desempenho adequado? Aulas de reforço, ou tempo integral, mais fiscalização para essas crianças que estão trabalhando. A criança não pode trabalhar, ela tem que estar estudando, principalmente nessa idade crítica.”

 

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