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Percepção de insegurança é um fator determinante na experiência sonora da cidade
Ranny Michalski avalia a paisagem sonora do Vale do Anhangabaú e revela nova perspectiva sobre o ambiente urbano
Por USP - 16/09/2025


O estudo foi realizado com medições acústicas e com aplicação de questionários para os usuários do local – Foto: overmundo (CC BY-SA)/via Wikimedia Commons


Foi realizada uma pesquisa conduzida por alunos da pós-graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de de Design (FAU) da USP, que avalia a paisagem sonora da região do Vale do Anhangabaú, no centro de São Paulo, e revela o impacto da insegurança na percepção urbana. A pesquisa definiu que o som da cidade pode ser tecnicamente aceito pelos cidadãos, mas a sensação de insegurança pode distorcer completamente a percepção desses sons. O estudo foi, inclusive, apresentado no congresso Inter-Noise 2025, organizado pela ProAcústica.

A professora e coordenadora de pesquisa, Ranny Michalski, da FAU, explica a motivação e os objetivos por trás da elaboração da pesquisa. “Em um contexto em que a poluição sonora é um problema de saúde pública, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), os espaços abertos funcionam como ambientes promotores de saúde, com benefícios já documentados, pesquisados, reconhecidos pela academia, por políticas públicas e até por organizações. Esses benefícios podem incluir redução de estresse, maiores oportunidades para atividade física e para restauração psicológica por meio do relaxamento. Então, apesar de o Vale do Anhangabaú estar no centro de São Paulo e apresentar um intenso fluxo de veículos e pedestres, é um espaço aberto que possui grande potencial como praça urbana, capaz de funcionar exatamente como uma zona de descompressão psicológica no denso tecido urbano da cidade.”

A professora completa dizendo que o contexto de paisagem sonora vai além da poluição e que o estudo tomou uma abordagem holística. “O ruído não necessariamente é um vilão que precisa ser totalmente extinguido, eliminado. Ele pode ser usado como um recurso para criar ambientes sonoros mais agradáveis e com uma série de vantagens  para o nosso corpo. Essa análise integra percepção individual, influências culturais e conforto ambiental.”

Medições acústicas

O estudo foi realizado com medições acústicas e com aplicação de questionários para os usuários do local, de forma que as medições captam as métricas sonoras e os questionários avaliaram a percepção das pessoas sobre os sons. Os experimentos aconteceram em três pontos distintos do Vale, para captar diferentes ruídos.

Ao longo do percurso, a professora explica que a relação entre o som e a segurança ficou bem evidente, pois, durante o trabalho, os elaboradores e até os participantes do estudo foram abordados por seguranças privados e policiais. “No terceiro ponto, nós recebemos uma abordagem mais incisiva que, na verdade, não foi com o nosso grupo, mas alguns policiais pararam e abordaram um rapaz que estava sentado ao nosso lado. E o grupo inteiro de alunos ficou bastante assustado, influenciando muito nas respostas. A sensação de insegurança influenciou na sensação acústica.” Ela também ressalta que o espaço público é pouco respeitado por seguranças particulares, que constantemente interromperam a prática.

Percepção de insegurança

A pesquisa determinou que essa percepção de insegurança é um fator determinante na experiência sonora da cidade, de forma que é necessário integrar os indicadores acústicos com os fatores sociopsicológicos e também facilitar o acesso de pesquisadores a áreas públicas para evitar os vieses e as lacunas de dados ocorridos. “Podemos dizer que as próprias paisagens sonoras moldam essas percepções de segurança.”

Os achados do estudo revelam também a falta de gestão pública na elaboração de projetos que levem em consideração a questão sonora. “É preciso ter um planejador sonoro urbano nas cidades. Um profissional com capacidade multidisciplinar para conseguir conversar exatamente com todos os atores envolvidos na gestão dos espaços. Atualmente temos a gestão privada de espaços conhecidos como públicos e isso pode afetar a pesquisa de campo e, consequentemente, a qualidade dessas evidências também.”

“O ruído urbano existe e vai continuar existindo, é impossível acabar com ele. Temos que então combater para não trazer problemas de saúde, não ultrapassando os níveis acústicos que possam causar esses problemas. A poluição sonora é a segunda maior poluição que existe, atrás apenas do ar, então é uma questão de saúde muito importante.” A professora finaliza dizendo que é essencial que existam pontos da cidade que sirvam como áreas de descanso, respiro e descompressão, para o bem-estar da população, e que a cidade se torne um local agradável para todos abrirem as janelas de suas casas.

 

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