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O que estãoacontecendo com a Anta¡rtida?
Docente da Unicamp que esteve em 2019 no continente gelado comenta as altas temperaturas registradas recentemente
Por Eliane da Fonseca Daré - 11/03/2020



No ini­cio de fevereiro de 2020 a Anta¡rtida registrou temperaturas recordes e despertou interesse mundial: afinal, o que estãoacontecendo naquela regia£o e que consequaªncias trara¡ para o planeta? A foto da capa foi feita em meados de janeiro durante um dos picos de temperatura na Ilha Marambio (Pena­nsula Anta¡rtica), onde ocorreram os registros recordes. A imagem, captada pelo fota³grafo e guia de montanha Edson Vandeira, mostra parte da ilha já praticamente sem neve. O docente do Instituto de Geociências da Unicamp, Alessandro Batezelli, esteve no continente gelado em 2019 pelo Programa Anta¡rtico Brasileiro (Proantar) e avalia a situação.

Um evento anterior de aumento anormal de temperatura já havia sido registrado em Marambio em novembro de 2019. A frequência e a proximidade dos eventos éum fator que preocupa cientistas de todo o mundo. Segundo Batezelli, na natureza alguns eventos meteorola³gicos se repetem com frequência nas diferentes estações do ano. “Eventualmente ocorrem anomalias, como a seca na regia£o sudeste do Brasil em 2014. Registros mostravam que hádécadas não havia uma seca como aquela. Muito provavelmente essa pode ser uma das razões do calor excessivo na Anta¡rtida. Algumas dessas anomalias podem ocorrer em determinadas freqa¼aªncias. A grande preocupação équando esses eventos pouco frequentes, que ocorrem de 10 em 10, 20 em 20 ou cada 50 anos, por exemplo, comea§am a ocorrer a cada 2 ou 3 anos”, diz.

Batezelli voltou da Anta¡rtida no ini­cio de fevereiro de 2019 - mais ou menos no mesmo período em que ocorreram os ciclos de altas temperaturas em 2020. Ele ficou por quase 3 meses na ilha Vega, cerca de 60 Km da ilha Marambio. No entanto, não percebeu nada que pudesse chamar a atenção para alteração da temperatura naquele momento. “Nessa anãpoca do ano, realmente ocorre degelo, mas não a ponto de elevar a temperatura. No ano passado, quando estava la¡, a média mais quente foi 2°C no ma¡ximo, uma diferença muito grande ao que foi registrado em 2020. O canãu ficava azul, com sol, mas a temperatura era muito baixa. Mesmo nos dias mais quentes, o vento que soprava constantemente, dependendo da velocidade, deixava uma sensação tanãrmica de -5 a -10°C”, recorda.

No registro feito pelo docente quando estava deixando a ilha Vega, épossí­vel visualizar como estava a regia£o no ini­cio de fevereiro de 2019 (va­deo abaixo). 

Avana§o do degelo

Imagens de satanãlites das últimas décadas mostram o avanço do degelo. “No hemisfanãrio norte, por exemplo, os ursos polares estãoinvadindo as cidades porque a calota polar estãoderretendo. Quando o mar congela, eles conseguem andar no gelo e caçar. Como não conseguem caçar, va£o para as cidades. Isso já estãorecorrente”, diz o docente da Unicamp. O derretimento também vem avaçando na regia£o anta¡rtica. “Ha¡ muitos dados no hemisfanãrio norte e mesmo na Anta¡rtida sobre o derretimento das calotas. A grande questãoépor que houve esse grande aumento de temperatura? Climata³logos tem estudado dados de muitas décadas a fim de entender se esses eventos de aquecimento fazem parte do ciclo clima¡tico natural ou se tem relação com a atuação do ser humano”, pontua Batezelli.

O docente lembra que em 2013 houve um registro na Anta¡rtida de 13°C. Já em 2015 a temperatura foi a 17,5°C. Em 2020 bateu os 20°C. Com essas medições, cientistas de todo o mundo estãoainda mais preocupados. “Ainda não se pode concluir com precisão o que estãoacontecendo com o clima na Anta¡rtida, apenas apontar teorias. Os dados coletados no passado e dados atuais estãosendo analisados a fim entender suas causas e qual a frequência com que ocorrem. Isso da¡ subsa­dio para projeções futuras”, aponta.

Eventos clima¡ticos

Batezelli também explica que, na escala de tempo geola³gico, háeventos clima¡ticos extremos que ocorrem por milhares ou milhões de anos. “No Paleoza³ico ocorreram glaciações que duraram milhões de anos. Já a última era glacial, por exemplo, começou a cerca de 100 mil anos e terminou hácerca de 12 mil anos. Foram intervalos curtos, do ponto de vista geola³gico”, esclarece. Batezelli também recorda que eventos como estes podem ocorrer em períodos mais curtos, como a “pequena era do gelo”, nos anos de 1650, 1770 e 1850. Naqueles anos foram registradas temperaturas muito baixas no hemisfanãrio norte. “Existem relatos que em 1607 e 1814 o rio Ta¢misa, na Inglaterra, congelou completamente. Trata-se de um evento anormal que não se repetiu atéos dias atuais”, recorda.

Estudos sobre o clima são interessantes por conta da influaªncia que tem na sociedade. “Cada nova pesquisa introduz mais dados e ajuda a entender o porquaª e quando ocorrem esses eventos de resfriamento e aquecimento. Se entendemos como ocorreu no passado, conseguiremos, de certa forma, simular matematicamente situações futuras. Quando esses eventos ocorrem sem nenhuma previsão, podem causar danos a  sociedade. Pesquisas cienta­ficas envolvendo aspectos da natureza subsidiam políticas públicas de prevenção e contenção de acidentes”, afirma.

A Anta¡rtida tem importante papel na regulagem climática do globo. a‰ de la¡ que se deslocam as correntes mara­timas frias que trazem nutrientes e controlam a vida marinha. As frentes frias que regulam as estações no Brasil tem sua origem no continente gelado. Pesquisadores apontam que ainda écedo para saber que consequaªncias ocorrera£o no manãdio prazo.

Curiosidade geola³gica

No Creta¡ceo Inferior, hácerca de 140 milhões de anos, o Supercontinente Gondwana começou a se separar e formar várias porções menores, como Amanãrica do Sul, áfrica, Anta¡rtida, Austra¡lia e andia. O movimento de separação ocorreu de modo muito lento para as posições em que se encontram hoje. Já no Creta¡ceo Superior, hácerca de 80 milhões de anos, a Anta¡rtida já estava numa área de latitude temperada e, a partir do Mioceno, cerca de 40 milhões de anos, começou a ter geleiras. De la¡ para ca¡, a Anta¡rtida foi se deslocando lentamente para latitudes mais elevadas, chegando ao pa³lo sul onde a incidaªncia de raios solares émenor, o que favorece a formação de calotas polares.

 

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