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A lição énunca esquecer
Especialista da Universidade de Harvard compara a gripe 1918, COVID-19
Por Liz Mineo - 20/05/2020

Wikimedia Commons
Um hospital de emergaªncia criado durante a epidemia de gripe em Camp Funston, Kansas.

Olga Jonas, pesquisadora saªnior do Instituto Global de Saúde de Harvard , éespecialista no gerenciamento dos riscos de pandemias. Durante seus 33 anos como economista no Banco Mundial, uma de suas responsabilidades era coordenar a contribuição do banco aos esforços globais em 2006-12 para reduzir as ameaa§as a  gripe avia¡ria e pandaªmica. Em 2013, Jonas foi o autor de " Pandemic Risk " para a principal publicação anual, o World Development Report.

Enquanto conversamos com Jonas sobre o que os governos podem aprender com o surto de coronava­rus a ser preparado para a próxima pandemia, o John Hopkins Coronavirus Resource Center mostrou que o va­rus infectou mais de 2 milhões de pessoas e matou mais de 150.000 em todo o mundo.

Perguntas e Respostas
Olga Jones


Quais são as diferenças entre a pandemia de gripe de 1918 e a pandemia de coronava­rus de 2019? Quais são as semelhanças?

Felizmente, essas pandemias não acontecem com muita frequência, mas a velocidade da propagação do va­rus éum recurso muito preocupante. Uma diferença clara éque o mundo estãoagora muito mais densamente povoado do que em 1918. Havia menos de 2 bilhaµes de pessoas em 1918, e agora existem 7,5 bilhaµes, e a população émuito mais ma³vel. Em 1918, não havia viagens aanãreas. As pessoas se movimentam muito mais, e a propagação de um va­rus émuito mais rápida do que antes, quando as pessoas viajavam de navio ou cavalo, ou não viajavam muito. Outra diferença éque, em 1918, entre 50 e 100 milhões de pessoas morreram em dois anos.

Que lições os especialistas aprenderam com a pandemia de gripe de 1918?

Muitos livros e documentos foram escritos sobre a pandemia de gripe de 1918 e um dos principais temas éa rapidez com que foi esquecida, a rapidez com que desapareceu do discurso pola­tico. Acho que a lição énunca esquecer, porque o esquecimento não leva a resultados positivos na saúde pública. Tivemos algumas emergaªncias globais de saúde pública desde então, mas elas tem sido menos proeminentes: HIV / AIDS desde os anos 80, SARS em 2003 e a influenza pandaªmica H1N1 de 2009. O interessante éque todos esses eventos pegaram as autoridades e o paºblico em geral de surpresa, mas os cientistas que estudam pandemias não ficaram surpresos.

Uma lição que devemos lembrar éque os governos tem a responsabilidade de se preparar para uma pandemia; eles tem a obrigação de investir em sistemas de saúde pública para proteger seus cidada£os da ameaça e da realidade da próxima pandemia.

Como vocêavaliaria a reação do governo dos EUA a  pandemia de coronava­rus?

Olga Jonas estudou os efeitos das pandemias,
como o surto de gripe em 1918, bem como
as respostas dos governos a s crises.
Foto cortesia do Harvard Global Health Institute

O governo dos EUA não reagiu rápida ou adequadamente em janeiro, quando o primeiro caso confirmado de coronava­rus foi encontrado. Os governos precisam agir no ini­cio do surto, porque o conta¡gio se espalha exponencialmente; dois infectam quatro, quatro infectam 16 e 16 infectam 84 e assim por diante. Houve lapsos sanãrios no ina­cio, como a falta de capacidade para os testes necessa¡rios. Quando os testes começam nos Estados Unidos, já era tarde demais. Em um surto, todos os dias contam.

A comparação entre os EUA e a Coreia do Sul émuito reveladora. O primeiro caso confirmado de COVID-19 foi encontrado nos Estados Unidos no mesmo dia da Coreia do Sul: 20 de janeiro. A Coreia do Sul agiu imediatamente proibindo reuniaµes de massa, implementando testes extensivos, rastreamento de contatos, isolando os infectados e colocando em quarentena aqueles suspeito de estar infectado. Como resultado, a Coreia do Sul conseguiu conter a propagação do va­rus; houve mais de 10.000 casos e cerca de 200 mortes. Nos Estados Unidos, a situação estãopiorando a cada dia. Hoje [17 de abril] existem quase 700.000 casos e quase 35.000 mortes, e os números continuam crescendo.

Quais foram as medidas que poderiam limitar a propagação do va­rus e foram ignoradas pelos governos e instituições oficiais de financiamento como o Banco Mundial?

Para reduzir o risco de uma pandemia, o principal requisito éque o governo esteja preparado para reagir assim que um novo va­rus com potencial pandaªmico aparecer. Os governos precisam ter sistemas de vigila¢ncia, diagnóstico e resposta já implantados antes de um surto, e esses sistemas precisam ser adequadamente financiados de maneira sustentada. Esse não foi o caso nos Estados Unidos ou em outrospaíses. Esses sistemas são realmente tratados como de baixa prioridade quando os fundos paºblicos são alocados, o que étra¡gico.

Ospaíses menos desenvolvidos carecem de capacidades essenciais de saúde pública para a saúde animal e humana. Estes são os sistemas de vigila¢ncia de surtos de va­rus: sistemas de laboratório que podem identificar patógenos e um sistema de capacidade de resposta rápida para implementar medidas de saúde pública para reduzir a propagação de um va­rus. Eles desempenham três funções cra­ticas: detectar, diagnosticar e responder a surtos de doena§as. A capacidade de saúde pública veterina¡ria éimportante porque 75% das novas doenças infecciosas são origina¡rias de animais. Para citar apenas alguns: influenza, MERS, SARS, COVID-19 e HIV / AIDS.

“Os governos tem a responsabilidade de se preparar para uma pandemia; eles tem a obrigação de investir em sistemas de saúde pública para proteger seus cidada£os da ameaça e da realidade da próxima pandemia. ”


Infelizmente, muitos governos, mesmo empaíses desenvolvidos, tem relutado em planejar com antecedaªncia, porque após o evento, isso não parece mais urgente. Eles não veem a necessidade de investir na proteção de seus cidada£os dos efeitos de uma pandemia. a‰ lamenta¡vel e ma­ope. Os especialistas falam o tempo todo, ressaltando os riscos, mas geralmente são marginalizados. a‰ ira´nico, porque essas capacidades ba¡sicas de saúde pública também são necessa¡rias para melhorar o funcionamento do sistema de saúde. Felizmente, o COVID-19 empurrara¡ o mundo para aumentar e sustentar investimentos em sistemas de saúde pública; seráo investimento mais produtivo em favor da humanidade.

Como vocêcaracteriza a resposta da Casa Branca a  crise de saúde dos coronava­rus?

O que sabemos da pandemia de gripe de 1918 éque as cidades ou governos que tomaram medidas precoces na imposição de quarentenas, no fechamento de escolas e na proibição de reuniaµes de massa tiveram menores taxas de mortalidade do que os locais que fizeram menos ou mais tarde. Tambanãm sabemos que as autoridades com uma estratanãgia clara para se comunicar com o paºblico em geral sobre o que estãoacontecendo e o que as pessoas devem fazer são muito importantes para evitar impactos econa´micos e a propagação do surto. a‰ necessa¡ria uma estratanãgia de comunicação precisa e eficaz, pois isso determinara¡ como as pessoas cooperam ou não com as medidas de controle e, assim, ajuda a reduzir a disseminação. As comunicações precisas também reduzem custos econa´micos substanciais, especialmente a grande parte causada por comportamentos alterados do consumidor, mesmo antes de qualquer quarentena ser imposta.

Apa³s essa pandemia, as pessoas va£o escrever artigos sobre liderana§a inadequada e mensagens confusas da Casa Branca. Os especialistas sabem que a falta de clareza durante uma emergaªncia de saúde pública reduz a confiana§a, convida rumores, suspeitas e incertezas, e tera¡ um grande impacto negativo na atividade econa´mica. a‰ prova¡vel que houvesse uma estratanãgia de comunicação escrita com antecedaªncia, mas parece não ter sido usada.

Que lições os governos podem aprender dessa pandemia?

Uma lição que espero que todos aprendamos éque os governos devem investir nas capacidades ba¡sicas de saúde pública necessa¡rias para os esforços de preparação para a pandemia e prevenção de pandemia. Como sabemos agora, uma pandemia não éapenas um problema de saúde; tem sanãrios impactos econa´micos e os efeitos na sociedade em geral podem ser profundamente prejudiciais. A prevenção tem taxas de custo-benefa­cio muito mais altas do que gastar dinheiro em contenção, mitigação e outras respostas de emergaªncia após o fato.

A outra lição que devemos sempre lembrar éque os governos devem ouvir especialistas e cientistas que sabem como prevenir a propagação de doenças infecciosas. O que éira´nico éque, nos últimos 15 anos, ninguanãm prestou atenção ao que os especialistas estavam dizendo e, nos últimos três meses, todo mundo quer ouvir os especialistas e, finalmente, se preocupar com o que temos a dizer.

Esta entrevista foi editada e condensada para maior duração e clareza.

 

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