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Se ainda não acabou a doença ... não acabou o balana§o
Carmen Reinhart, da Kennedy School, recanãm nomeada economista-chefe do Banco Mundial, diz que a crise financeira nascida no COVID vai durar atéque a crise da saúde seja resolvida
Por Christina Pazzanese - 22/05/2020

Foto de Martha Stewart
Carmen M. Reinhart, professora de Minos A. Zombanakis do Sistema Financeiro
Internacional da Harvard Kennedy School, assumira¡ seu papel de
economista-chefe e vice-presidente do Banco Mundial em 15 de junho.

A economista Carmen M. Reinhart , professora de Minos A. Zombanakis do Sistema Financeiro Internacional da Harvard Kennedy School (HKS), tirara¡ uma licena§a de dois anos para se tornar economista-chefe e vice-presidente do Banco Mundial em 15 de junho, anunciou hoje .

Autoridade aclamada em finana§as internacionais e crises financeiras, Reinhart éamplamente conhecida por sua premiada história acadaªmica de desastres financeiros: “Desta vez édiferente: oito séculos de loucura financeira” (2008), escrita pelo economista de Harvard Kenneth Rogoff.  Reinhart conversou sobre sua previsão sombria para a economia dos EUA, os papanãis que a da­vida e a China podem desempenhar em uma recuperação e se a pandemia representa o fim da globalização como a conhecemos.

Perguntas e Respostas
Carmen M. Reinhart



Bem no ina­cio, vocêdisse que as perspectivas para os EUA seriam muito mais terra­veis e durariam muito mais do que muitos outros economistas previram. Por que vocêse sentiu assim e como as coisas parecem para vocêagora?

Nãomudei de perspectiva. Quando vocêtem esse tipo de implosão econa´mica, o tipo de aumento do desemprego antes mesmo de se concretizar na escala que ele tem, vocêtera¡ sanãrios efeitos nos balana§os. As fama­lias que perderem o emprego tera£o dificuldade em pagar hipotecas ou da­vidas, empréstimos para automa³veis ou cartaµes de cranãdito. As empresas de manãdio e pequeno porte que precisam encerrar tera£o dificuldade em permanecer a  tona, sem entrar no capa­tulo 11. E o fato éque, diferentemente da crise de 2008-2009, as fama­lias estavam em boas condições. Os bancos nos EUA, por causa de todos os esforços para regula¡-los melhor, para realizar mais testes de estresse, também estavam em boa forma. Mas um choque tão repentino e grande pode mudar isso rapidamente. E épor isso que, no começo de mara§o, quando comecei a escrever sobre isso, Eu falei sobre como isso estãose transformando do que começou como uma crise de saúde para uma crise financeira também. O tí­tulo dessa pea§a, que foi o primeiro que escrevi no COVID, foi "Desta vez érealmente diferente . ”

Como vocêavalia as intervenções financeiras que o Congresso e o Federal Reserve fizeram atéagora? Eles são suficientes? o QUE MAIS PRECISA SER FEITO?

A grande vantagem éque eles foram rápidos e carregados com antecedaªncia, e éisso que vocêprecisa em caso de emergaªncia. Eles são suficientes? Acho que veremos mais porque não acho que estamos em uma rápida recuperação. Precisamos ver mais. A última grande pandemia em 1918 não oferece realmente nenhum exemplo útil do que acontece a  economia durante uma pandemia. Foi a Primeira Guerra Mundial e o ano em que as mortes nos Estados Unidos atingiram o pico. Vocaª teve um crescimento robusto de 9% porque esta¡vamos em uma economia de guerra. Isto émuito diferente. A resposta do bloqueio - a escala doméstica e a escala global - nunca vimos antes. A crise econa´mica global foi extremamente sincronizada. Mas a doença não estãosincronizada, o que significa que estãodecolando no Brasil, estãodecolando na Raºssia. E isso pode continuar a  medida que atinge diferentes partes do globo, o que significa que sim, havera¡ esforços para a normalização gradual. Mas não teremos algo parecido com a normalização total, a menos que (a) tenhamos uma vacina e (b) - e este éum grande ponto - se a vacina estiver acessa­vel a  população global em geral.

Se uma segunda onda da doença voltar no outono, prevista por muitos especialistas em saúde pública, o que isso pressagia para a economia?

Eu não acho que acabou. E se ainda não acabou com a doena§a, não acabou com o distanciamento social e os fechamentos de nega³cios e, portanto, não acabou com os efeitos do balana§o. Isso faz com que seja uma crise financeira atéque o principal problema de saúde seja resolvido.

"Em primeiro lugar, quando vocêestãoem guerra, como esta¡vamos na Primeira Guerra Mundial e na Segunda Guerra Mundial, vocêse preocupa em vencer a guerra e depois em como vai pagar a da­vida", disse Carmen Reinhart. . "Eu acho que o anala³gico se aplica aqui." 


Muitas nações, incluindo os EUA, estãoassumindo na­veis hista³ricos de da­vida para tentar estabilizar suas economias. Dadas as suas visaµes bem conhecidas sobre o crescimento da da­vida e do PIB, o que isso pressagia para a economia dos EUA?

Em primeiro lugar, quando vocêestãoem guerra, como esta¡vamos na Primeira Guerra Mundial e na Segunda Guerra Mundial, vocêse preocupa em vencer a guerra e depois em como vai pagar a da­vida. Eu acho que o anala³gico se aplica aqui. Vocaª faz o que tem que fazer para vencer a guerra e depois se preocupa com isso. Nos pra³ximos anos, estaremos nos preocupando muito. Muito do trabalho que fiz também destaca que as abordagens adotadas após as guerras foram muito mais heterodoxas, o que significa que vocêconfia mais em manter o custo da da­vida baixo por taxas muito baixas, e tem uma visão mais branda da inflação, e nos casos mais extremos (e não estou falando sobre os EUA nesse contexto, mas não se pode descartar que algo assim ocorra na Ita¡lia, dadas as tensaµes norte-sul), reestruturações definitivas da da­vida. Vimos isso na Granãcia. Eu sei que teria tido dificuldade em acreditar em 2007 que uma economia avana§ada na zona do euro se encontraria reestruturando sua da­vida. Eu diria que énesse momento que estãoas maiores falhas.

A preocupação com a da­vida éuma razãova¡lida para retirar futuros pagamentos federais de ala­vio?

Nãonão. Este não éo momento para isso. Vocaª venceu a guerra pela primeira vez.

A pandemia revelou uma fragilidade surpreendente para a economia global e as principais fraquezas do mercado nos EUA e em todo o mundo envolvendo cadeias de suprimentos, e revelou que a troca de eficiência / vulnerabilidade que as empresas fizeram sob a globalização era muito mais arriscada do que se entendia. A globalização como a conhecemos acabou?

Eu acho que o COVID-19 éo prego no caixa£o da globalização. Talvez isso parea§a melodrama¡tico. A globalização teve seu auge antes da crise financeira global de [2008-2009]. Se vocêobservar o comanãrcio global na década anterior a  crise financeira, o volume do comanãrcio global crescera¡ cerca de 6% ao ano. Na década após a crise financeira global, o crescimento se tornou menos da metade, cerca de 2,5%. Parte disso era a Europa. A Europa foi muito afetada durante a crise de 2008-2009. Epaíses como Espanha, Irlanda, Granãcia e Portugal, que estavam enfrentando grandes danãficits em conta corrente, que estavam financiando por poderem emprestar livremente do resto do mundo, não podiam emprestar livremente. a‰ por isso que a periferia da Europa entrou em crise de da­vida e tomou empréstimos do FMI (Fundo Moneta¡rio Internacional) e tomou empréstimos para lidar com essa crise. Essa foi a primeira unha, eu diria, ao rápido crescimento da globalização que vimos atéaquela anãpoca. E então vem o Brexit, e depois a guerra comercial EUA-China, e agora a COVID. Acho que vimos durante essa crise o ressurgimento de muito protecionismo em suprimentos médicos, protecionismo alimentar, muita percepção de que as cadeias globais de suprimentos, como vocêdisse, são muito mais fra¡geis do que pensa¡vamos anteriormente. E assim, acho que um legado disso seráuma estratanãgia mais voltada para o interior em muitas partes do globo. e então vem a guerra comercial EUA-China, e agora COVID. Acho que vimos durante essa crise o ressurgimento de muito protecionismo em suprimentos médicos, protecionismo alimentar, muita percepção de que as cadeias globais de suprimentos, como vocêdisse, são muito mais fra¡geis do que pensa¡vamos anteriormente. E assim, acho que um legado disso seráuma estratanãgia mais voltada para o interior em muitas partes do globo. e então vem a guerra comercial EUA-China, e agora COVID. Acho que vimos durante essa crise o ressurgimento de muito protecionismo em suprimentos médicos, protecionismo alimentar, muita percepção de que as cadeias globais de suprimentos, como vocêdisse, são muito mais fra¡geis do que pensa¡vamos anteriormente. E assim, acho que um legado disso seráuma estratanãgia mais voltada para o interior em muitas partes do globo.

Do ponto de vista do mundo em desenvolvimento, a des globalização não éuma a³tima nota­cia. A globalização não entregou todos os presentes que deveria ter entregue. A questãoda desigualdade tornou-se mais prevalente. Vimos isso nos Estados Unidos, na Europa, na China, apesar do crescimento de dois da­gitos, como um problema. Mas o que a globalização produziu foi maior convergaªncia, desigualdade um tanto menos distorcida entre economias avana§adas e emergentes.

"Acho que o COVID-19 éo prego no caixa£o da globalização."


A maioria dospaíses estãose voltando para dentro para estancar o sangramento desta crise financeira. Atéa Unia£o Europeia parece preparada para criar um fundo de resgate em toda a UE. Existe uma necessidade de uma resposta global economicamente e de outras formas?

Uma forma de resposta global foi o que o G-20 fez com relação aospaíses mais pobres do mundo, ospaíses do [andice de Desenvolvimento Inclusivo], algo que Ken [Rogoff] e eu defendemos: uma suspensão tempora¡ria da da­vida. Nospaíses mais pobres, mais de 10% da receita vai para o serviço da da­vida externa. Em um momento como esse, vocêdeve redirecionar recursos para as necessidades de saúde, de alimentação e assim por diante, que requerem recursos imediatos. Isso émuito, muito importante para a resposta global - como lidar com ospaíses mais pobres. A outra parte que émuito importante étentar evitar cair em algumas das armadilhas da década de 1930, o tipo de pola­tica muito protecionista e muito mendigo-do-vizinho. Essas são duas áreas extremamente importantes. No ala­vio da da­vida, émuito importante que a China esteja a bordo, porque a China éo maior credor, de longe. A da­vida da China émuito maior do que a dos outros 19países restantes no G-20; portanto, se a China não estiver totalmente a bordo, não obteremos um ala­vio muito substancial da da­vida.

Qual éa atitude da China em relação ao ala­vio da da­vida?

Eles começam a amolecer, mas atéagora a abordagem adotada émuito bilateral, o que significa que estãoentre eles e opaís em questão. Portanto, se hálguma negociação entre eles e Angola ou eles e o Sri Lanka, éentre eles; isso não éfeito atravanãs do Clube de Paris dos credores oficiais. Eles não querem fazer parte do Clube de Paris, porque isso também significaria mais divulgação. Então isso éum grande problema. Declarações recentes do presidente Xi Jinping de que a China estãomuito mais presente no ala­vio da da­vida são muito bem-vindas. Mas vamos ver. Vamos ver.

Amedida que as tensaµes voltam a surgir sobre a responsabilidade pela pandemia e sua disseminação, como uma guerra comercial dos EUA com a China afetaria a economia global?

Uma guerra comercial definitiva seria outro grande ponto negativo. Porque não se esquea§a que para muitospaíses, incluindo os Estados Unidos, não foi apenas o COVID-19. Tambanãm foi a guerra do petra³leo entre a Raºssia e a Ara¡bia Saudita, que, no caso dos EUA, impactou todo o setor energanãtico. Mas, no caso da maioria dos mercados emergentes que são produtores de commodities, estãoreduzindo os prea§os do petra³leo. Niganãria, Manãxico, Angola, Equador foram realmente atingidos com força e não param por aa­, porque outras commodities se movem em conjunto com o petra³leo. Portanto, a fraqueza nos prea§os das commodities éoutro fator que atinge muitospaíses. Nãoapenas o volume do que vocêexporta émuito baixo, devido a  crise da COVID, mas o prea§o do que vocêexporta émuito, muito baixo. E uma guerra comercial reforçaria todos esses negativos.

Vocaª estãoindo para o Banco Mundial, o principal credor dospaíses em desenvolvimento. Esses são os lugares menos equipados para superar os efeitos financeiros e de saúde pública dessa pandemia.

Precisamente.

Quais são alguns dos desafios imediatos que o Banco Mundial enfrentara¡ nos pra³ximos meses?

Os projetos e preocupações do Banco Mundial abrangem não apenas os empréstimos muito tradicionais em projetos de infraestrutura, mas a construção de estradas ou a capacidade de utilidades e a purificação de eletricidade e a¡gua, tudo isso. Uma das áreas sobre as quais acabei de escrever recentemente ésobre uma crise alimentar [COVID-19]. O Banco Mundial estãoenvolvido hálgum tempo nos enxames de gafanhotos da áfrica Oriental que ameaa§am riscos reais de fome. Nesse período de tempo muito curto, concedeu empréstimos a 100países para ajudar a lidar com essa situação sem precedentes, na qual existem pequenospaíses insulares que dependem inteiramente do turismo e agora não tem receita. Vocaª tem produtores de commodities, sejam eles na Amanãrica Latina, na asia Central ou na áfrica subsaariana, que não tem receita também porque o comanãrcio estãobaixo, seus prea§os de exportação estãobaixos e tem necessidades reais. O Banco Mundial também éum provedor e coletor de dados importantes. Essa éuma tarefa bastante difa­cil agora. Portanto, suas atividades são muito, muito abrangentes. E um dos desafios mais importantes e imediatos agora édescobrir como levar esse ala­vio aospaíses mais pobres.

Esta entrevista foi editada para maior clareza e duração.

 

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