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A pandemia oferece aos cientistas uma chance sem precedentes de 'ouvir' oceanos como antes
Por mais absurdo que fosse, uma pequena fraternidade de cerca de 100 cientistas igualmente curiosos captou sua visão. Em 2015, eles publicaram um plano de como realizar o Experimento Internacional sobre Oceano Tranquilo
Por Maurice Tamman - REUTERS - 08/06/2020

Doma­nio paºblico

Onze anos atrás, o cientista ambiental Jesse Ausubel sonhou em voz alta em um discurso de ina­cio: E se os cientistas pudessem gravar os sons do oceano nos dias que antecedem os navios e embarcações movidos a hanãlice espalhados pelo mundo?

Eles ouviam conversas entre baleias azuis a centenas de quila´metros de distância. Eles gravavam os sons e cliques familiares entre um grupo de golfinhos. E eles fariam isso sem a cacofonia da humanidade - e desenvolveriam uma melhor compreensão de como essa raquete submarina afetou a vida marinha.

Foi um voo de fantasia, mais aspiracional e inspirador do que um plano.

No ina­cio, diz Ausubel, ele (muito fantasiosamente) sugeriu um ano de um "oceano tranquilo", durante o qual o transporte chegaria a uma parada, ou pelo menos diminuiria. Então um maªs. E, finalmente, apenas algumas horas.

Por mais absurdo que fosse, uma pequena fraternidade de cerca de 100 cientistas igualmente curiosos captou sua visão. Em 2015, eles publicaram um plano de como realizar o Experimento Internacional sobre Oceano Tranquilo, caso a oportunidade se apresentasse.

Quando a pandemia do COVID-19 provocou uma desaceleração econa´mica extrema em mara§o, enviando navios de cruzeiro aos portos e navios-tanque para ancorar, eles se mobilizaram. No maªs passado, eles terminaram de montar uma sanãrie de 130 estações de escuta de hidrofone subaqua¡tico em todo o mundo - incluindo seis estações que foram criadas para monitorar testes nucleares subaqua¡ticos.

"Bem, não estamos entusiasmados com o fato de o COVID ter acontecido, mas estamos felizes em poder aproveitar a oportunidade cienta­fica", diz Peter Tyack, professor de biologia de mama­feros marinhos da Universidade de St. Andrews, na Esca³cia, e um dos primeiros instigadores. "Teria sido impossí­vel de qualquer outra maneira."

Tyack diz que as gravações devem dar aos cientistas um vislumbre nunca visto do oceano com pouca interferaªncia humana. a‰ como olhar para o canãu noturno se a maioria das luzes do mundo estivesse apagada.

Ele diz que algumas pesquisas sugerem que as grandes baleias se adaptaram aos rua­dos feitos pelo homem, elevando suas vozes e seu tom. Ele especula que muitas espanãcies também se mudaram para regiaµes mais calmas do mundo, para que possam encontrar comida e umas a s outras com mais facilidade.

Geralmente, o grupo procurara¡ ver se as baleias e outros mama­feros marinhos se adaptam aos oceanos mais calmos, diminuindo seu volume, comunicando-se com mais eficiência ou mudando seu habitat.

Alguns dos postos de escuta do projeto estãoconectados a  terra via cabos, mas muitos não, e as gravações precisam ser recuperadas pelos navios. Agora que as economias ao redor do mundo estãoreabrindo, o grupo de oceanos silenciosos começou a coletar os dados da paisagem sonora.

Nãosera¡ atéo final do ano, no entanto, que os pesquisadores limpara£o as gravações e podera£o compara¡-las com os anos anteriores paramudanças no rua­do humano e animal.

O foco do projeto aleata³rio estãono chamado canal SOFAR (Sound Fixing and Ranging), um estrato ocea¢nico natural no qual o som pode viajar longas distâncias.

a‰ onde grandes baleias e barbatanas cantam para um amante ou se juntam a um coro amiga¡vel. Mas também éonde a raquete humana de barcos de pesca, navios-tanque e lanchas, bem como plataformas de petra³leo e turbinas ea³licas, fica presa e depois propagada pelo mundo.

As ondas sonoras viajam mais longe e mais rápido na águado que no ar. Isso vale especialmente para as notas graves da canção de uma baleia, a baixa retificação do eixo de um navio, atéo estrondo de uma explosão nuclear. Esses sons podem viajar centenas ou atémilhares de quila´metros, curvando-se pelo planeta saltando para cima e para baixo no canal SOFAR, uma faixa de águade um quila´metro de profundidade.

As 130 estações de gravação usadas pelos pesquisadores são uma mistura de locais e sensibilidade nesse canal. Parte do processo de planejamento inclui a identificação e o recrutamento de parceiros que operam estações de escuta administradas por governos, universidades, grupos ambientais e outras agaªncias.

A estação mais humilde fica a quatro quila´metros da costa espanhola e éoperada pela Universidade Politécnica de Barcelona. Ele grava sons a até10 quila´metros de distância. No outro extremo estãoseis estações, cada uma com vários hidrofones, operadas pela Organização do Tratado de Proibição Completa de Testes Nucleares, com sede em Viena. Essas estações podem não apenas identificar explosaµes nucleares subaqua¡ticas em qualquer lugar do planeta, mas também espionar baleias a um oceano de distância.

Ausubel, diretor do Programa para o Meio Ambiente Humano da Universidade Rockefeller de Nova York, diz que ele e seus colegas sonhadores estavam prontos, mesmo que seu plano parecesse irreal.

"Passamos muito tempo planejando: como vocêtentaria organizar esse tipo de estudo, mesmo sabendo que não era realmente prático?"

Mas o plano, diz Ausubel, antecipava momentos de oportunidade, como um evento clima¡tico extremo, não uma pandemia.

"Imediatamente após um furaca£o ou tufa£o, fica muito quieto por um dia ou dois por causa do medo de grandes ondas ou tempestades", diz ele. “Os pescadores não saem para o mar; rotas de remessa são alteradas; plataformas de petra³leo e gás podem ser fechadas. ”

Entre a pandemia e os bloqueios que se seguiram, os principais portos do nordeste dos Estados Unidos, como Boston, Filadanãlfia, Nova York e Baltimore, viram uma queda de quase 50% no tra¡fego de navios e passeios de barco em abril em comparação com o mesmo maªs em 2019 , de acordo com a MarineTraffic, uma empresa de rastreamento de navios.

Grandes portos europeus, como Lisboa, Antuanãrpia, Le Havre e Roterda£, tiveram uma queda de cerca de 25% no mesmo maªs, informou a empresa.

"Acho que havera¡ alguma variabilidade em lugares diferentes, o que émuito importante para testar isso", diz Tyack. "Nãoérealmente um experimento controlado, por isso émelhor ter 50 locais diferentes, alguns dos quais com muito mais barulho e outros sem, para poder observar o impacto da redução".

Ainda assim, Ausubel diz que já vaª evidaªncias aneda³ticas de que mama­feros marinhos estãomudando seu comportamento.

"Houve observações perto de Vancouver de orcas chegando mais perto da cidade do que era habitual e fora da Esca³cia", diz ele.

Orcas, golfinhos e baleias jubarte, que se comunicam usando sons de alta frequência que não viajam particularmente longe, geralmente se reaºnem em a¡guas rasas. Eles podem ter se aproximado de portos e portos outrora ocupados, especulou.

O grupo espera publicar um trabalho neste vera£o que reaºne relatos aneda³ticos demudanças observadas nos últimos meses. No final do ano, um grupo liderado por Tyack relatara¡ quanto o volume caiu. E finalmente, no pra³ximo ano, os pesquisadores pretendem publicar uma análise completa de como a redução no som mudou o comportamento dos mama­feros marinhos e de outras formas de vida marinha.

"Como era o oceano pré-industrial", diz Tyack, "e como os ecossistemas marinhos va£o responder a isso?"

 

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